Eu cá quero ser o primeiro
(a responder ao repto do jmf)

Declaração de interesses enquanto blogger

Primeiro – Podem não acreditar, mas toda a gente me adora, sempre fui habituado a que gostassem de mim em registo terno, a gostarem da minha companhia, de me desejarem ora para genro, ora enteado, ora sócio, ora comedor de caracóis ao fim da tarde, ora consultor financeiro, ora body building entreteiner, ora conferencista de estratégias impossíveis, praticamente só para amante nunca fui especialmente procurado. No entanto, isto vai criando, como devem calcular, uma espécie de crosta estigmática que me foi ficando pesada e desagradável, amolecendo-me inclusive o carácter e arredondando hormonas e catalizadores afins. O blog apareceu-me assim como uma belíssima oportunidade para tomar consciência de que existirá uma multidão esclarecida de pessoas que se está a borrifar para isto, e para mim, e para as minhas coisinhas, para o meu paleio, e que, no seu íntimo, nem um segundo sequer chegam a perder com um minúsculo pensamento do género: «estou-me bem a cagar para as merdas que este parvo escreve e passo lindamente sem saber da sua existência». É uma lavagem para a alma, acreditem.

Segundo – Duas coisas me aconteceram muito precocemente na vida: fornicar e ler os clássicos russos. Cedo também me apercebi que isso marcaria indelevelmente a minha existência e teria de me encaminhar por terapias de índole purificadora. Tentei a declamação de Shakespeare durante as massagens tailandesas só da cintura para cima, tentei o bridge com freiras colombianas em Tóquio, tentei as visitas compulsivas a museus impressionistas (o chato do Turner incluído) acompanhado por poetisas esotéricas e frígidas, enfim andei um pouco a marginalizar pelo mundo da recauchutagem psicológica e moral, mas sem resultados evidentes. Depositei por isso nesta escrita livre e depurada algumas esperanças de reabilitação da alma (o corpo não se quer pronunciar), sem psicadelismos, se bem que tem saído até agora bem mais fresca e despudorada do que o previsto nos sinceros propósitos iniciais.

Terceiro – Ser lido pelo jmf. Apesar de estar a aparecer em terceiro lugar, este motivo não perde pela inferior hierarquia; ser lido por ele, apreciado, publicamente elogiado, desvanecê-lo até um pouco, é, sem margem para dúvidas, uma das minhas mais profundas aspirações blóguicas. Não nego, sim não nego, que ficaria bastante mais feliz se o conseguisse fazer desprender um pouco daquela sua paixão desgovernada – mas não herética - pelo bob dylan e pelos lambshop, mas, se Deus quiser, também lá chegarei. Sobre a scarlett , aquilo passará naturalmente.

Quarto – Poder escrever palavrões. Pois é, isto pode parecer um provincianismo, uma ingenuidade, um despropósito, algo ultrapassado, mas é a mais pura das verdades. Até aos 30 anos praticamente só tinha dito um fodasse quando marquei o meu primeiro golo de canto directo ali ao paço do Lumiar no campo da força aérea, com a bolinha a sair mais arqueada que a pala do pavilhão de Portugal, haviam de ver. Julgo também ter esboçado meio caralho quando o Brasil foi eliminado em 82 e penso que me terei ficado por aí. Dos 30 aos 40 recordo vagamente uma série de merdas em surdina por questões domésticas de merda (lá está, confere) e foi então que me dei conta que o palavrão deve ser explicitado publicamente, e em letra impressa, sob pena de um tipo passar ao lado dum desabafo que lhe poderia mudar o rumo da vida. A minha ingrata vida profissional não me permite esses devaneios semânticos, tudo deve condizer com a cor da gravata e o corte do facto, cheguei a ensaiar um singelo porra entre três aspas, mas detectei um aligeirar no respeito que me era devido e tive de recuar. Eis pois aqui, vernaculizado, mais uma ‘rasteira’ aspiração de vida.

Quinto – Alcançar para o dicionário não ilustrado o estatuto de documento recomendado pelo patriarcado para a catequese em bairros degradados para minorias éticas (não é gralha, não). Talvez já para uma fase posterior à 1º comunhão, talvez sem lhe dar o estatuto de clássico, sem querer concorrer sequer com o bénard da costa no intervalo entre as suas ladainhas de s. joão da cruz e o tintoretos, mas era uma aspiração, era sim senhor, poder trazer uma luz de esperança aos filhos puberbes (esta palavra não deve existir) daqueles que tomaram a opção de ser políticos, ou fiscais da câmara, ou agências de comunicação, ou da brigada de transito; Isto é um blog de missão desde o primeiro dia: bem aventurados os que nunca precisem dele para derreter o tempinho.

Sexto – Ser citado, com o devido enquadramento histórico, num artigo do nosso Vasco Pulido Valente. É verdadeiramente, algo que me move, algo que me transporta aqui a dissertar sobre assuntos que podiam mudar inexoravelmente o rumo decadente das coisinhas da criação. Tive ainda algumas esperanças quando ele abordou o tema da ‘morgadinha dos canaviais’ , cheguei a renová-las quando ele se debruçou sobre os pastorinhos de Fátima, mas nada, apenas Afonsos costas e Montesquieus. Porfiarei, porfiarei, porfiarei, talvez quando ele entender o papel crucial de Narciso Miranda no renascer da portugalidade, talvez quando ele ler outra biografia ilustrada do Napoleão, não sei, eu acho que ainda chegará o dia em que obviamente o povo se perguntará quem é aquele gajo com ar de carneiro mal morto que faz charadismo com as palavras de Ratzinguer e que faz o nostradamus parecer a padeira de Aljubarrota e que está a comentar servilmente as palavras do amigo opiniondesmaker.

Sétimo - Mentir sem ser pecado. No fundo, o sonho de qualquer católico formado nas catacumbas da moral judaico-micósica (ou seja, aquela moral que nos faz de vez em quando uma comichão do caraças). Mas um mentir quase epistemológico, não sei se estão a ver: uma mistura de baldas à lógica, à liturgia do empirismo, à verdade metafísica, dribles à memória. Não sei se ‘está na cara’, não sei se será uma ‘deficiência de carácter’, mas este fingimento sem poesia, este fingir sem deslealdade, esta suspensão da verdade para lhe dar um tempinho para respirar, são tudo motivos que para aqui me trouxeram quem nem um penitente à procura de vias-sacras alternativas para aliviar as articulações mais requisitadas. Mas tudo dentro dos princípios mais sagrados da fé e da caridade (lampiões excluídos por bula específica)


Registe-se em conformidade, e peço deferimento

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