Temos então no dicionário não ilustrado algumas variáveis dispersas da dimensão do tempo. Serviu-me assim de tema por não ter pachorra para escrever sobre rigorosamente nada, nem sequer para dizer mal, até porque o episódio do dia do cão ainda pôs o pessoal mais vidrinho; desde que está mesmo confirmado que evoluímos daqueles macacos que usavam o polegar dobrado para tirar os burriés ficámos muito peneirentos. (entradas nº 1187 a 1194)


A espera – Momento que combina a heroicidade da compreensão com a ansiedade da ausência. A indústria trouxe o contributo da pastilha elástica, a filosofia tentou o existencialismo pedagógico, mas os alentejanos foram mais felizes com a divulgação da sombra do chaparro.

A contemplação – É uma categoria ora extra-valorizada ora arrogantemente negligenciada, um pouco como os óregãos na comida, que tem a peculiaridade de permitir ao utilizador avaliar e relativizar tanto o usufruto como a posse, e está para a alma como uma letra eternamente em carteira está para o direito comercial.

O preenchimento – O tempo gerido de forma burocratizada é um fenómeno que decorre da mistura explosiva entre noção de finitude com a noção de obrigação. Sermos ultrapassados pelos acontecimentos é o risco de vivermos como peões num porra que parecia uma passadeira mas afinal era uma zebra míope atropelada numa via rápida.

O instante – Maravilha da contra lógica, na qual a parte pode ser maior que o todo, ou o todo não segura a parte, e em que uma parcela de tempo pode fazer com que todo o tempo passado antes e o que se vai passar a seguir já não tenham razão de existir sem ela; é o ponto rebuçado de toda a marmelada. Sem instantes, venham eles adornados de joelhos nus, ou mãos em concha, ou olhos fechados, o tempo é uma mera lengalenga em banho maria.

A partilha – O tempo alavancado tendencialmente de forma masturbatória é meio caminho não só para o desperdício de códigos genéticos como para tendinites de natureza lírico-vasculares. As novas correntes de filosofia-de-acolhimento não o demonstram, mas são infinitamente preferíveis umas coxinhas de coelho à caçadora para dois do que um Platão à perna.

A precipitação – Toda a vertigem deve ser consumida num compromisso entre bungie jumping e o parapente. Face ao ar ascendente e à gravidade só não nos devemos deixar levar pela ilusão de óptica. A melhor lente para o tempo é a que tem a distância focal bem correlacionada com o aperto nos tomates e o fogo no cu.

A suspensão – Característica pouco estudada de momentos com aparência paranormal ou amnésica. Pode oscilar entre o delírio ou o mero shiatsu de miolos, mas trata-se, contudo, de uma das poucas performances da nossa condição onde a ilusão pode fazer frente à realidade (como quem põe requeijão num refogado para fazer parmesão); para recuperarmos bem, basta roubarmos um bocadinho ao sono nessa noite e manter os amigos devidamente bebidos.

A continuidade – Figura obrigatória dentro da análise do tema e está para ele como o duplo mortal com meia pirueta para a ginástica desportiva: médio efeito, média dificuldade, médio contributo para a pontuação, ou seja: feito para distrair o tempo e preparar uma série de mortais árabes culminada com um triplo encarpado. Mas, no fundo, é uma injustiça não lembrar que o que determina a perfeição do tricot não é a qualidade da agulha mas sim o tamanho e a boa ligação da fibras do novelo.

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