Conto de um encontro à beira sem mar

Encontraram-se a meio caminho entre a combinação e a surpresa, entre o sol e a peneira, e ficaram ali à beira, à beirinha mesmo, um do outro. Sentados, mas não agarrados; pensava ela; porque ela pensava que nunca agarrava ninguém. Ele também estava a meio caminho, entre o tudo para contar e o nada para dizer, e por isso pediu-lhe para ler:

« Dieu pour compléter le tableau
A collé une corne au bec de l’oiseau,
Une queue de poisson au corps du mammifère,
En mesurant le monde à l’aune de ses pas.»

Saiu-lhe uma voz tímida, sussurrante, mas disponível, plena de zelo, algo dorida, mas como ele não lhe largava o tornozelo às vezes vinha tremida, com a sedução ainda a arder, e calou-se, não fosse o caldo ferver. Ele sorria, tentou um beijo mas falhou-lho, ficou como acto de fé, foi um lapsus osculae, (saiu-me do pé para a mão, que se lixe a declinação) de cinema praticamente, marcava um amor olho por olho dente por dente, esta rima é um horror, primeiro aviso ao narrador; encostaram a cara, mostraram-se filhos duma cumplicidade refrescante, e foi por aí adiante. Pararam onde tinham ficado, puseram as suas histórias lado a lado, e cozinharam-nas por junto, ele não era o primeiro em nada: encerrado esse assunto. Entretanto ele teve de cumprir aquele ritual de lhe pegar na mão, percorrê-la com o olhar em procissão e mordê-la sem pedir perdão, pára com as rimas meu cabrão, segundo aviso ao narrador, ainda para mais nunca lhe ofereceste uma flor, daquelas a sério, não um postal qualquer, que falta de critério para gostar duma mulher; posso continuar? Detesto escrever assim com revisor a controlar, e ainda para mais porque eles estavam a gostar, e queriam ali ficar, à beira, um do outro, nem precisavam de mar, nem de nenhum horizonte desafiante
«Car il n’est pas de cause plus signifiante,
Pas de raison plus fondamentale
Qu’un ciel désert, une plaine nue,
Une route qui serpente au loin.»
Ele quando a deixou, após este encontro de amansar qualquer guerreiro, e em que ela ainda guardava a mesma frescura e encanto do primeiro, perguntou-lhe se gostava dele, estreou-se nessa pergunta, a rainha da insegurança, refém da esperança, tantas vezes reprimida, mas ali era impossível deixá-la mais fingida, saiu de chofre, sem deixar ferida, e veio uma resposta, amada, querida, tão simples quanto sonhada, como a tal franja, uns dias doirada, outros danada, mas sempre: a pedir para ser soprada; aqui ao narrador já nem se lhe pode dizer nada, está derretido, o melhor é deixá-lo meio adormecido, de frente para os sonhos, sem amostra de lamento, a carregá-los de areia, a carregá-los de cimento, fará deles argamassa e secarão ao vento.


(poemas de Vladimir Salimon, traduzido do russo para o francês pela ‘La Différence’, 2005)

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