Seis autores à procura dum personagem

O Tavares, o Vila-Matas, o Sebald, o Coetzee, o Rushdie e o Auster na feira dos argumentos disputavam avidamente os direitos de poderem usar como personagem um escritor obscuro, apenas com dois pequenos opúsculos publicados, sem tema muito preciso e em torno das técnicas de enxerto em ameixeiras de ‘rainhas cláudias’, mas que se tinha tornado de culto entre um grupo de golfistas que tinham em comum cantarem mentalmente ‘always on my mind’ dos ‘pet shop boys’ quando treinavam o put. Era um sujeito com algumas possibilidades romanescas pelo seu equilíbrio entre o cagaço de morrer e a má gestão dos desgostos amorosos, tinha chegado a tomar um ginger ale com o patrão da general electric numa bomba de gasolina e roçava o vício pela experimentação de plantas aromáticas. Só que apresentava uns ombros demasiado largos para algum dia ser um escritor bem aceite pelos seus pares, e escrevia de forma excessivamente linear para os críticos, raramente ensaiando uma mera hipérbole. Era, pela ambiguidade e consequente abertura biográfica, um dos argumentos mais procurados da feira, tirando uma prima afastada de Maria Madalena e uma enteada de Carlos Magno, mas com o receio de acabar por ficar espremido, por qualquer um dos seis famosos concorrentes licitantes, num simples pretexto para ironias pessimistas e herméticas, ou de o amancebarem com alguma prima do absurdo, ou com alguma política eleita por via das quotas, acabou por escolher (a conselho do agente que também representava um guarda-redes de hóquei em patins e uma lésbica caixeira dum supermercado) vender-se à MRP ®, que, mesmo indecisa entre ele e uma mulher executiva em fase de encornanço selectivo que estava em saldo, resolveu arriscar – talvez numa estratégia de diversificação existencialista, e à falta de professores em crise de auto-avaliação - e ainda poderia fazer dele um personagem com interesse erótico e intelectual, chegar mesmo a paradigma numa lista de verão, ou de inclusive arranjar o papel de galã numa telenovela de guião interactivo. No contrato mandou escrever, a troco de permitir porem-no a dar arrotos: ‘a ficção é de quem a trabalha’.

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