Hoje o dicionário não ilustrado dedica-se a algumas figuras de estilo da nova corrente literária: ‘textos a armar ao engraçadinho’. Não há gato sem bofe. (entradas 1195 a 1201)

As buchas – Verdadeiras maravilhas da técnica retórica de encher chouriços, costumam dar muito boa serventia em discursos com falta de nexo e excesso de sexo, dão volume, consistência e, em bem aplicadas, nem provocam flatulência.

As ligações improváveis – À falta de capacidade para prender o leitor com o frágil temazinho escolhido, uma das boas alternativas é ir injectando temas completamente inesperados, em cadência certinha, e esperar que a transfusão os misture sem os sobrepor em demasia. A improbabilidade está para o sucesso desta escrita como um universo reduzido para a estatística, ou a paradinha para os penalties.

A exemplificação exaustiva – Para demonstrar farto arcaboiço de fundamentação engraçadinha é essencial saber repescar exemplos engranelados de forma massacrante, impulsiva e variada. Cruzar ciências exactas com superstições, e artistas enfezados com vilões telegénicos (ou vice-versa) é absolutamente determinante. Todo o verdadeiro artista da escrita engraçadinha é forjado no rodriguinho causal e repetitivo com meneios geográficos ou filantrópicos ou bioquímicos ou alergológicos ou arqueológicos ou filosóficos ou oops.

A auto depreciação – É um must estilístico recorrente mas sempre de belo efeito, desde que acompanhado de alguma ânsia de reconhecimento alheio e dumas pitadinhas de negligência relativizante (não sei se esta frase funcionou... - isto é tecnicamente uma bucha). Está para a escrita engraçadinha como o pisca pisca nos reclames das casas de alterne.

O auto elogio – Inesperadamente a par da entrada anterior e patenteando (o esforço que eu ando aqui a fazer para catar sinónimos é da ordem do odisseico) que a escrita engraçadinha é filha legítima da realidade, esta figura estilística reserva inusitadas fontes de atracção. E deriva de características básicas da nossa condição, em que ser sem parecer não vale um caracol, e quem não dá um passo em frente arrisca-se a dar a imagem de que deu um passo atrás.

O exagero ostensivo (e em crescendo de absurdo) – Parece um artifício de escrita banal mas revela-se em todo o seu esplendor na escrita engraçadinha. O pormenor do crescendo é, no entanto, determinante, porque também aqui o climax orgásmico deve ser atingido por cima para não poder ser confundido com caimbras. São permitidas algumas oscilações canónicas, no entanto, sem o exagero em carrossel este tipo de escrita assemelha-se a rezar uma avé maria sem ter as mãozinhas juntas.

A eruditação (de assuntos tidos como banais) – Nos dias que correm há que balizar muito bem as fronteiras entre a escrita engraçadinha e a escrita revisteira; esta fronteira passa pelo relacionamento cirúrgico entre o cânone literário-científico com o cânone da bola ou da culinária, verdadeiramente só ao alcance da escrita engraçadinha. O verdadeiro artista dará sempre a ilusão de ser tão culto, tão culto, que até despreza a cultura, género o Deco a marcar livres como quem marca cantos de mão na anca (é pá, o gajo deixou de saber fazer essa merda, ou quê?)

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