Os novos anacoretas da bola

Agora por todo lado se instalou a mania de ser original a falar de bola. Fazem-se nostálgicas associações, ensaiam-se ‘males de montano’ ajustados ao sofisticadíssimo fenómeno, esgalham-se autênticas engenharias de poética para misturar bola com pessoal que tenha o nome na enciclopédia, e em desespero de causa até há quem tente ter piada entre o fina e o retro, mas parecem todos, benzósdeus, saídos dum cabeleireiro de panascas mal desfrisados (ó como é que essa merda se chama). Esquece-se o básico: a bola só faz sentido no meio da irracionalidade, da brutalidade, da beleza estupidificante e da inanição do cerebelo.
Dado o enquadramento, fico impedido de contar a minha primeira ida com o meu paizinho à bola ver os lagartos, mas com ele aprendi: aqui dizem-se os palavrões que calamos em casa, desfruta-se o que não se explica e sente-se o que não se fornica. E isto tudo sem ele alguma vez ter dito uma palavra sequer, porque era do estilo silencioso a ver a bola. E sim dizer o quê, caralho. Aquilo é a pornografia que não faz mal à alma nem nos condena à fornalha, e chega; quem fala do Roberto Baggio (o último jogador verdadeiramente perturbante) como se fosse a Gina Lolobrigida está é a precisar de creme esfoliante na mioleira. Ó sei lá, tentem falar dos banhos turcos enxertados do expressionismo alemão e do aquecimento global. Falar de bola sem erros de sintaxe, e como se estivessem a aliviar a tensão cultural que lhes inunda o ser, é tal qual relatar uma depilação em verso decassílabo.
Pessoal, enxerguem-se. Se querem parecer originais e romântico-místico-científicos a falar de bola, pelo menos embebedem-se primeiro.

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