O grupo de pressão dos homens de cultura sentiu que tinha
chegado a sua vez de chegar ao poder. Procurando filtrar duma imensidade granolométrica
de putativos candidatos chegou-se ao consenso de efectuar uma espécie de
primárias entre intelectuais. Finalmente chegou-se a um ponto em que se
perfilaram como os dois candidatos com mais potencial os escritores Flaubert
Queirós (presidente da Ordem dos Epigrafistas) e Julio Paisana (Editor-chefe da
Revista O Badanal). Eis um excerto do debate final com moderação de Simone
Bolina.
Flaubert Queirós - Julgo poder trazer ao País aquele
esclarecimento e serenidade de quem consegue olhar para os problemas com um
perspectiva mais ampla
Julio Paisana - Como devia saber, caro Queirós, não basta perspectiva,
é também necessário, unhas, senão a viola não toca. Eu saberei juntamente com a
perspectiva trazer um outro jeito de pegar nos problemas
F. Q. - Caro Paisana, a realidade não precisa de
voluntaristas, não precisa que andemos a mexer-lhe com experiências
vibratórias, como devia saber não basta juntar sons para termos uma boa melodia
J. P. - Eu sei que o meu amigo se dedica a frases de belo
efeito, mas eu estou habituado a levar projectos para a frente, mobilizar
pessoas, eu sei que isto não vai lá apenas com calculismos epigráficos, é
necessário meter a mão
F. Q. - O meu amigo está a referir-se certamente àquela
revista que dirige e que tenta fazer as pessoas rir, ou seja, que tenta afastar
as pessoas da realidade e depois montar-lhes um joguinho para elas se
entreterem e agora chama a isso mobilizá-las, é?
J. P. - A sarcasmo fica-lhe mal, ó Queirós, e assim os
ouvintes vão pensar que deixar-lhe o país nas mão é a mesma coisa que pô-lo nas
mãos dum malabarista...
F. Q. - A minha politica é a de mostrar as coisas como elas
são, sem subterfúgios, mas com uma linha de rumo, com ideias por detrás, foram
as ideias que moveram a história, não foram os somatórios de vontades
individuais, não quero fazer do país uma montagem de secretaria e muito menos
um somatório de opiniões.
J. P. - Você quer fazer do país um exercício de estilo,
esqueça isso, assim ninguém vai acreditar em nós, ó Queirós, é preciso mostrar
às pessoas que ao dinheiro e à iniciativa dos tecnocratas tem faltado visão,
luminosidade, energia, e somos nós, eu, no caso, que vamos fazer essa diferença
F. Q. - Você deve estar transtornado da badana, ó Paisana, então
não vê que o País dispensa esses iluminismos de pacote, para entreter
audiências! O que a cultura tem para dar é outra dimensão, para entretenimento
já chegam os que lá estão
J. P. - E acha que a dimensão é dada consigo que anda há
anos a brincar às casinhas com as frases soltas dos outros!?
F. Q. - Mais respeito, é por essas e por outras que ninguém
nos leva a sério. Saberei estar à altura, com os dossiers estudados, os temas
referenciados e as soluções e alternativas equacionadas, vocês os badanistas é
que se limitam a andar pela rama dos acontecimentos!
J. P. - Temos de começar pela rama, para depois ir ao tronco
e de seguida às raízes, vocês é que julgam que tudo se pode reduzir a
tubérculos!
F. Q. - Queremos acabar com espiral do complicadismo,
queremos mostrar o lado simples da realidade, apenas descompondo, perdão, decompondo a realidade
nos seus elementos mais puros a poderemos compreender, não é ridicularizando-a
J. P. - Não se trata de a decompor, ai estará mais um dos
seus erros, temos sim de a moldar, de a aproximar mais do coração das pessoas,
juntá-las, só nós, a nova geração de intelectuais, estamos aptos para juntar o
real ao sentimental.
F. Q. - E depois, quando quisermos um estado social forte, o
que propões, amor e fraternidade ao jantar, o rabo dos velhinhos lavado com
emoções fortes em vez de emulsões?
J. P. - Vai abrir uma vaga para distribuidor de piadas no
Badanal, pode aproveitar, mas por agora julgo que temos de mostrar às pessoas
que podem confiar em nós, e aqui eu digo: renascer é comigo.
F. Q. - Ok, para
tratar do problema dos cemitérios é contigo, mas quando for para tratar das
finanças públicas é com quem? Com o cartoonista das sextas?
J. P. - Venha a crise que vier, ó Flaubert, aqui estaremos
para fazer com que todos juntemos as mãos!
F. Q. - Então e depois com as mãos juntas quem é que vai
tocar na tais cordas da viola?
J. P. - Sim, tu não poderás ser porque estás a brincar aos
wildes contra rochefoucauldes!
F. Q. - Antes isso que andar sempre com um Kraus às costas.
Simone Bolina - Continuem agora vocês os dois um bocadinho
que eu vou ali fazer uma nietschezinha e volto já.
Excerto do debate transmitido na estação de rádio Efezierres
e mais ou menos moderado por Simone Bolina, realizado em finais de 2014.