O Editorial


A notícia do encerramento da joint-venture para o mercado do Brasil entre as Editoras Mosca Morta e Choco com Tinta (denominada Mosca Choca) marca um revés importante não só na aposta de internacionalização de ambos os grupos mas igualmente na possibilidade de levar para mercados mais vastos da língua portuguesa escritores como Raimundo Múrcia, Ernesto Mourão ou Simone Bolina, entre outros. Queremos crer que este retrocesso nada teve a ver com as desavenças públicas entre alguns destes escritores, que têm na sua vida privada uma relação conturbada que muitas vezes é transportada para as editoras onde pertencem, se não mesmo para os próprios livros, mas é impossível não nos debruçarmos sobre este tema. Quando em Março passado Ernesto Mourão disse numa entrevista que «há situações que pedem rupturas e há rupturas que pedem destruição» o meio literário e editorial ficou estupefacto pois sabia-se da importância que revestia o projecto brasileiro para ambas as chancelas. Por outro lado, a morte da escritora Custódia Passos deixou um lastro de mistério e desconfiança no mundo editorial para o qual não ajudaram as informações que têm vindo a lume sobre o caso, e que se sucedem ao ritmo dum triller digno duma corrente paralela ao surrealismo. Custódia era uma mulher fascinante mas o seu fascínio radicava também numa total ausência de previsibilidade e estrutura; era uma mulher que se deixava levar mas consolidando sempre a sensação de que se mantinha ao comando dos acontecimentos. Sabe-se hoje que o projecto Mosca Choca tinha sido de inspiração sua e tudo leva a crer que a sua principal motivação era unir Raimundo e Ernesto num ringue em que pudesse ser ela a ditar as regras (era a principal accionista, veio a saber-se após a sua morte, mas ainda é desconhecido o teor completo do testamento), dominando-os, condicionando-os, deixando-os em suspenso dos seus caprichos, sempre protegidos pela áurea premonitória que soube criar à sua volta. O domínio feminino é um dos temas menos estudados pela sociopolítica pois apresenta um encanto literário excessivo que afasta os especialistas. Como dizia Custódia: «por detrás duma grande mulher há sempre dois homens, só um não é suficiente».

in o Editorial da Revista Cul-de-Sac Internacional

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