As Gaspadinhas

Na passada semana, quando Portugal se preparava para finalmente voltar aos mercados, inesperadamente eles já não se encontravam lá. O ministro das finanças ainda esperou uma meia hora, mas depois, face às evidências, recolheu à sua viatura de serviço (um Kangoo patrocinado pelo Vallium Injectável), e após dois ou três telefonemas (pagos no destinatário) confirmou que os mercados aparentemente tinham mudado de local. Uma senhora que estava a passar informou mesmo que desde o verão já não se viam as tendas por aquelas bandas e sugeriu que procurassem mais na zona de Bucelas onde o seu genro chegou a conseguir trocar uma mula cega por dois cabazes de morangos sem spread. Convocou-se a devida reunião de emergência com os ministros, juntamente com os secretários de estado, pois a situação era grave e quanto mais olhos estivessem atentos mais probabilidades haveria de encontrar os mercados, mas ninguém tinha dado conta de que os mercados pudessem ter mudado de sítio, se bem que o seu facebook tinha sido atacado há semanas por um vírus de nome nicles. Foi alvitrado pelo secretário de estado dos doces e guloseimas tradicionais que isso era um trocadilho com nicles name, e que tinha ouvido dizer que face à deslocação dos centros do poder para oriente que talvez fosse mais susceptível de encontrar os mercados junto da estação de comboios com esse nome, e para o efeito deslocou-se para o local uma delegação que, pelo sim pelo não, já ia aviada com um pack de tortas de azeitão, devidamente etiquetada de Pec 5. Informados de que a estação estava às moscas, contactaram com o próprio FMI que por sinal também já não via os mercados ia para dois meses, mas que não tinham dito nada para não enervar o Sr. Gaspar que ultimamente já estava a ultrapassar o ritmo máximo de três frases por minuto, desrespeitando uma das cláusulas mais rígidas do último mou, que era conhecido como o émióu das gaspadinhas, numa alusão aos novos certificados de aforro através dos quais cada contribuinte compra umas rifas que lhe podem dar direito a um subsidio de natal no ano de 2023, pago em pastéis de Tentúgal. À hora de fecho desta edição os mercados ainda não apareceram e julga-se poderem estar no mesmo local da pilinha de Flávio Cossaco que, como sabemos, anda a monte desde o trágico falecimento de Custódia Passos, a escritora na qual se inspirou o novo busto da República depois da reforma constitucional de 2014, em que se deliberou que o orçamento de estado passaria a ser escrito em verso alexandrino, votado em rima cruzada e cumprido em metáfora pífia.

Excerto da Crónica Mensal de Julio Paisana (sob o pseudónimo de Bernardo Marujo Cidreira), Essa é que é essa, publicada no número especial de Pentecostes de 2014, de  O Badanal.

2 comentários:

Anónimo disse...

genial

às vezes és brilhante

(se calhar das outras sou eu que não estou sintonizado)

aj disse...

só pode ser falhas no sintonizador, óbvio.