O Diário [I]


Hoje recebi um telefonema estranho da Custódia. Chorava convulsivamente. E eu que julgava que ela vinha programada para não chorar. Não me disse a razão, disse só que precisava de alguém com quem chorar e que não perguntasse nada. Eu sou bom nisso, a não perguntar nada. Para uns parece desinteresse, mas há quem dê valor, aleluia! Está muito sobrevalorizado o conselho, deviam pôr mais os olhos naqueles que se limitam a ter paciência. Mas coitada da Custódia, também me fez pena; eu ainda não estou insensível, foi bom perceber isso. A seguir falei com a Simone; o costume. Ainda bem que nunca me apaixonei por ela, se calhar até sou o único, e nunca se sabe, num homem nunca se sabe.

Amanhã acho que acabarei o meu livro, vou-lhe dar um titulo simples, talvez o 'fim da tarde' ou simplesmente 'esplanada', não sei, na Fuligem há sempre alguém que se sente especialista em títulos, os títulos são como o bolo de chocolate, há sempre uma avozinha que faz um que nunca se esquece. Felizmente nunca conheci nenhuma avó e por isso sou um eterno apologista do pastel de nata.

Pensando bem a Simone nem é nada de deitar fora. Curiosamente ontem o Flávio disse-me que tinha namorado com ela em tempos e que se inspirara nela para uma personagem dum livro qualquer. Eu era incapaz de fazer uma confissão dessas, para mim as personagens são sagradas.

Estou sem sono. Às vezes era bom gostar mesmo de alguém; de alguém que pudesse estar por perto. A Viviane nunca esteve perto.


Excerto do Diário de Salvador Alves Arinto, entrada de Janeiro de 2013, apresentado em pré-publicação em Maio de 2015 no Agregador Cultural Sigma.

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