Inspector Álvaro Simões - Qual era a sua relação com
Custódia Passos?
Viviane Lopes - Éramos amigas desde o liceu, e começámos a
escrever ao mesmo tempo.
A. S. - Pode dizer-se que eram íntimas?
V. L. - Desde que o conceito não implique erotismo
convencional, sim.
A. S. - Acha que ela tinha razões para se suicidar?
V.L. - Todos temos razões para nos suicidarmos....
A. S. - Mas nem todos nos suicidamos... sabe que ela tinha
escrito um bilhete e que o tinha junto a ela?
V.L. - Sei porque o senhor mo mostrou no dia em que ela
morreu.
A.S. - É verdade...e alguma vez sentiu, dado que eram
íntimas sem erotismos convencionais, que havia uma probabilidade forte que ela
cometesse suicídio?
V.L. - Não, de todo, a Custódia não se pode dizer que
tivesse nenhuma nostalgia dos absolutos, ela gramava curtir os acontecimentos
mesmo que lhe fossem inconvenientes.
A.S. - Não percebi, mas vou concluir que me quer dizer que não
era previsível que ela se suicidasse...
V.L. - E muito menos com bilhetinhos fatelas!
A.S. - E acha que alguém teria interesse em que ela
morresse?...
V.L. - Defina-me interesse.
A.S. - ...Se alguém ganhava alguma coisa com isso.
V.L. - Que eu saiba não tem herdeiros à perna...
A.S. - e desgostos de amor à ilharga?...
V.L. - Chiça, assim já cá não estava ninguém. (ahahah)
A.S. - Refiro-me a desgostos com apetência para a vingança,
a destruição...
V.L. - A Custódia era daquele género de mulher que não
gostava de criar expectativas a ninguém.. e isso é uma faca de dois gumes, até
eu já a tinha avisado disso...
A.S. - Tinha-a avisado de que alguém a podia matar?
V.L. - Não, tinha-a a visado que o macho por muita
sobranceria que tenha não sabe viver sem expectativas emocionais. Faz parte da
proverbial fragilidade masculina.
A.S. - E a fragilidade pode ser agressiva...
V.L. - Não me dê dicas dessas...eu sou escritora, começo a
divagar e depois não o ajudo (ahahah)
A.S.- Parece bem disposta...
V.L. - Não será aquela coisa do nervosismo?...
A.S. - Vamos supor que sim. Matou a Custódia Passos?
V.L. - Credo, claro que não, e você precisava de ser bruto,
porra!?
A.S. - Não, mas o meu ordenado tem subjacente certas
perguntas, a srª também não se pode esquecer de pôr um titulo nos seus livros,
está a ver?
V.L. - O sr Agente está a perder-se aqui...já pensou nisso?
A.S. - Pois, mas existia uma certa rivalidade entre a
Custódia e a Simone Bolina, não havia?
V.L. - Rivalidade como?
A.S. - Homens, carreira, fama, charme...
V.L. - Rivalidade não é uma boa palavra... havia guerra
mesmo. (ahahah)
A.S. - E qual era o território principal em disputa?
V.L. - Então e o bilhetinho não lhe está a servir para nada?
A.S. - Que informação é que acha que tem o bilhete?
V.L. - Geralmente esses bilhetinhos são autênticos mapas do
tesouro!...
A.S. - A propósito de mapas...sabe para onde foi Simone Bolina
depois do almoço?
V.L. - Saber, não sei, mas ela disse-nos que ia fazer umas
comprinhas.
A.S. - Mas as escritoras também fazem compras!?...
V.L. - Aquelas coisas que não conseguem sacar dos
admiradores. (ahahah)
A.S. - Admiradores ou amantes...
V.L. - As escritoras têm essa vantagem: só se deixam amar
por quem as admire.
A.S. - Ou desvantagem...continuamos amanhã, pode ser, hoje a
Srª D. Viviane está demasiado sorridente para um inquérito.
V.L. - Claro, não fui eu que morri, já reparou?
Transcrição do depoimento de Viviane Lopes, recolhido pelo
inspector Álvaro Simões, um mês depois da morte de Custódia Passos, e publicado
no Boletim Mensal do Investigador
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