O Mirone


«...estava uma mesa animada, a menina que depois acabou por morrer vinha cá quase todas as quartas feiras porque o nosso prato do dia era sempre arroz de polvo, e as outras acabaram por pedir frango da guia que também sai muito bem. Beberam todas cerveja e a menina Viviane até pediu outra quando chegaram à sobremesa. Não dava ideia de que alguma deles fosse morrer durante a digestão, e muito menos a menina Custódia que é, era vá, um pisco a comer. Mas nunca se sabe qual é a nossa hora, não é...às vezes assim de repente, e o polvo estava tão bom, até o doutor Gomes Farinha, que é sempre tão esquisito, nesse dia lambuzava-se todo, até acabou por fazer uma nódoa naquela gravata azul marinho que ele costuma trazer quando depois tem uma reunião com a menina Neide. Aí irritou-se, sim, e percebe-se, o mundo dos negócios é muito sensível aos pormenores; dizem, que eu não sei. E estava um dia tão bonito, até abrimos as persianas para entrar o sol, aqui a churrasqueira às vezes fica muito escura e é preciso valorizar o espaço, se bem que agora tivemos publicidade grátis...não é bonito dizer-se mas a morte da menina até deu um certo ânimo aqui ao negócio, que Deus me perdoe, mas já há quem chame ao prato de polvo, 'arrozinho à custódia', e no final até me dizem: «hoje soube-me a veneno, ó Sereno».

excerto do relato do almoço entre Viviane, Simone e Custódia, por Gervásio Sereno, gerente da Churrasqueira Meireles em Loures

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