Inspector Álvaro Simões - Há algum aspecto da vida ou
personalidade da Custódia Passos que entenda se deva ter em especial conta?
Viviane Lopes - humm...sabe que ela nos últimos tempos se
andava a aproximar daquilo a que eu chamaria...o fenómeno religioso
A.S. - Estava a converter-se!?...
V.L. - Também não é bem isso...isso passou-se foi comigo...
A.S. - Não me diga?...
V.L. - Olhe...há coisa de dois anos parece que me passou um
furacão pela alma dentro e de repente exigi da vida mais explicações do que
aquelas com que tinha vivido até ali
A.S. - Mas para se viver a vida ela precisa de ser
explicada, é?
V.L. - Não propriamente, mas precisa de ser... vá, abordada
com alguma afã de compreensão...de exigência, algum esforço de separação das
essências das aparências
A.S. - E acha que precisa de Deus para isso?
V.L. - Se Deus existir, obviamente!
A.S. - Mas não lhe bastava o encanto do mistério, teve logo
que avançar para a crença?
V.L. - Ao principio também pensei que sim, que bastaria, que
me bastaria...mas depois verifiquei
que só mistério sem crença era um agnosticimo da preguiça, uma cobardia de
bancada
A.S. - Então a crença passou a ser algo...instrumental, como
direi... acreditar como um mero método para compreender.
V.L. - Não...o método está na dúvida, a crença é uma das
filhas da dúvida, creio duvidando, está a perceber?
A.S. - E isso não lhe dá cólicas, nem espasmos?
V.L. - Daria se eu não soubesse ao que ia, mas preparei-me
A.S. - Como é que uma pessoa se prepara para isso de acreditar
sem deixar de duvidar?
V.L. - Então... como o inspector...começa por definir uma
explicação para um caso, um móbil do crime, os álibis, os verdadeiros e os
falsos, e depois vai avançando...tacteando, descartando hipóteses, agarrando
outras...
A.S. - Vive assim a sua fé como se fosse um romance
policial, é isso?
V.L. - Seria assim se de repente não tivesse descoberto uma
dimensão diferente nesta crença...
A.S. - E essa dimensão, é mesmo...
V.L. - Uma coisa curiosa, o Acreditado, Aquele em quem acreditamos, vai-nos deixando pistas e
nós vamos ficando como que...apaixonados pelas pistas
A.S. - Como se o policia se apaixonasse pelas armas do
crime?
V.L. - E pense lá se isso não é verdade...um investigador
como não tem acesso à vitima - viva, presente - acaba por se ir ligando afectivamente aos indícios
do crime
A.S. - Vejo que foi conduzindo a nossa conversa para uma
clareira qualquer que lhe interessava e que a fé apenas lhe serviu de marcador
seguro de trilho...
V.L. - Eu não sou uma pessoas intuitiva, sabe...,ou melhor,
tenho intuições apenas medíocres, as intuições mínimas, básicas, nunca as
consegui fortalecer com a experiência e por isso acabei por encontrar na
crença, na fé, a melhor compensação para essa fraqueza...
A.S. - Ah, a fé funciona-lhe então como uma bomba de
intuições, é isso?
V.L. - Soa a artificial, eu sei...soa até a algo assim como
uma produção artística, não é?
A.S. - Eu também se sinto assim quando estou numa
investigação, principalmente nesta...
V.L. - Olhe que esta analogia entre a descoberta da fé e a
descoberta dum assassino nem deve ser muito original (ahahah) e quanto a si,
inspector, deverá ter as suas intuições muito muito trabalhadas!
A.S. - Estou a pensar em tudo o que me disse e fui
desembocar nesta pergunta: o que vale aquele bilhete de suicídio...se ao menos
conhecêssemos já o testamento...
V.L. - Olha, outra analogia...com a fé passa-se o mesmo:
temos uns evangelhos, mas ainda não abrimos o livro do juízo final.
A.S. - hum.... a Viviane deve andar aí às voltas com um
processo de plágio , não anda?
V.L. - Ai que o inspector é mesmo mesmo muito intuitivo,
credo! (ahahah)
Transcrição do depoimento de Viviane Lopes, recolhido pelo
inspector Álvaro Simões, um mês depois da morte de Custódia Passos, e publicado
no Boletim Mensal do Investigador
Sem comentários:
Enviar um comentário