Vai uma saladinha de frutas prá mesa do fundo
Literatura mal comparada

Para princípo de conversa
«Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem existe dentro de ti» Séneca, ‘Cartas a Lucílio’ ( 80-4)
Tem dias,

mas...
«Les hommes ne vivent pas en eux, mais en autre chose» E.M. Cioran, ‘Le crépuscule des pensées’ ( cap. VIII)
Entendam-se porra,

porque senão até me vai custar dar razão a este gajo
«...it does not matter (…) how often humanity fails to imitate its ideal; for them all its old failures are fruitful. But it does frightfully matter how often humanity changes its ideal; for then all its old failures are fruitless» Cherterton, ‘Orthodoxy’, cap. ‘The eternal revolution’;

mas a conclusão será sempre de
Pavese: «em matéria de amores só toleramos os nossos» no livro do costume.

Haverá quem ponha mão nisto?
Apenas amor

Quando se juntam duas pessoas para conseguirem o pleno que é fazer sobressair tudo o que há de pior em cada uma delas, faz-se um favor à sociedade, o famoso: estraga-se só uma família. No entanto, se repararmos ainda há este brinde : o melhor de cada um pode ficar então assim livre para a sociedade desfrutar. Deviam ser abençoadas essas uniões com graças especiais, para que se aguentem, sem nenhuma das partes soçobrar à tentação que é acabar por querer-ser-feliz-com-outro. O aparente sofrimento que acarreta essa vida acasalada que põe à tona as ‘partes más’, ao ser devidamente entendido e enquadrado, passa-se na boa, alimenta a ironia dos dias sem ser preciso a televisão ou as taras dos amigos, e o ‘isto não é possível’ torna-se tão banal que até às vezes permite um ou outro jantar à luz das velas se houver pelo menos um bocadinho de fome. O sexo é praticamente irrelevante desde que de manhã as toalhas estejam quentinhas depois do duche e sejam felpudas, o corpo geralmente é cúmplice de toda a desgraça da alma. Como estas relações são geralmente acompanhadas duma boa dose de orgulho e raiva surda (não deve chegar a ser ódio porque a passionalidade deste estragaria tudo) transportam consigo algum estranho prazer – às vezes corrompido por ataques de comiseração – de registo vertiginoso que produz escaladas de delicioso achincalhamento mútuo, sem insulto, apenas com o dedo a nunca bater ao lado da ferida. São fases interessantes, porque põem à prova a solidez dessas relações e geralmente coincidem com inestéticas lágrimas femininas e estúpidos sorrisos masculinos. Mas também se revelam como fases anti-valvulares, ou seja todas as forças negativas se acumulam, nada se perde para o exterior, a pele pode não ficar no melhor estado, o cabelo ora enfraquece ora fica empastado, mas tirando isso é uma via sacra da melhor qualidade, com um gólgota em cada esquina, e felizmente não há a mais pequena possibilidade de alguém vir com o lencinho limpar o suor aos pombinhos porque esta guerra é dum ermitismo quase perfeito. «Mas porquê?» É uma pergunta legítima , mas estúpida. O equilíbrio dum sistema nunca deve ser racionalizado pelo sistema, senão tem tendência a deslocar-se para se proteger, e chega a desvanecer-se. A maldadezinha humana, muito própria daqueles que parecem ser anjos incompreendidos mas descontraidos, deve ser tratada em regime de comunhão de bens, mas rasgando todos os dias os pressupostos dos pactos pré-nupciais por demonstração da total filha-da-putabilidade de ambas as partes. Que os Deuses nunca enjeitem as bênçãos a estas ternurosas bestas.
Conto dos enfarinhados

Ela era a fornecedora do fermento para a padaria do Olimpo, por isso cada vez que ia ao pão o padeiro desfazia-se em olhares ternos e nunca a enganava com a farinha demasiado encruada; ela era a sua freguesa preferida, só que nunca a tinha chamado de querida, pois não era nenhum deus guerreiro mas sim um simples padeiro. «Um dia venha mais cedo, não tenha medo, gostava apenas que estivesse comigo quando moêssemos a farinha de trigo», mas ela não lhe achava graça, as mulheres às vezes não gostam de homens que estão sempre de mão na massa, «se calhar não posso, a essa hora tenho de fazer o almoço». As desculpas das mulheres são sempre mais terríveis, é que às vezes são mesmo a verdade, e a verdade na boca das mulheres dói sempre mais, o nosso estômago fica sempre a pedir sais, mas voltemos a ela que estava agora à janela, tinha ficado a pensar no padeiro, talvez ele até fosse um gajo porreiro, mas esses não servem para nada, atrapalham-se no manejo da espada e limitam-se a ter a alma suada, ali bem colada à camisa e quanto muito dão boa serventia a Artemisa. Saía um fumo engraçado da chaminé, seria a lenha ou estaria ele apenas a fazer o café, procurando manter-se de pé, para que no dia seguinte pão fresco houvesse, e quando ela outra vez viesse, lhe pudesse agarrar um bocadinho na mão, retendo o troco, ouvindo outra vez «não», mas fingindo-se mouco, «contigo não faço farinha mas serás sempre um pouco minha».
Os lobbys e os homens. Ao luar.
(Crab eccentricities)

A grande indecisão do momento era a escolha do Ministro da Juventude, o ministério agora mais cobiçado pela velha guarda que tentava recuperar a sua imagem gasta na desgovernação guterrista. A primeira opção para o cargo parecia ser entre Almeida Santos e Jaime Gama e isso deixava Sócrates à beira da incineração da medula óssea. O lobby do Toys R'us que não tinha conseguido entrar para a trupe de interesses que derrubara Santana, queria agora ter a sua oportunidade e apoiava ferreamente Gama; as forças da Lego, ciosas dos seus pergaminhos, apostavam em A.Santos que lhes encaixava melhor. E as do Imaginarium ainda espreitavam a sua hipótese com o nome de Cravinho (sempre com oferta do chupa, claro!). Ninguém queria perder o patrocínio do cartão-jovem, e todo o futuro se poderia jogar entre um cartão de pontos de desconto para as pipocas da Lusomundo ou um cartão de shots em promoção no Garage. A juventude estaria perdida de qualquer maneira, mas ao menos que o país caísse nas mãos do patrocínio certo era esta a ambição de Sócrates. Esperava-se ainda por um conselho sábio vindo do sítio do costume, (o sítio do papagaio rosa) Vitorino tinha armado o quartel-general na casa minhota ali encostada ao Mondego no portugal dos pequeninos, e agora sim todos teriam de se rebaixar à sua presença (a aposta em Marques Mendes faz algum sentido pois parece ser assim a menos humilhante para o agora ppd-psd-ddt no que concerne a rebaixamentos) até mesmo os jornalistas teriam de lhe ir comer à mãozinha (mas só depois do turno da tarde dos pombos do jardim da estrela); o açaime posto em Ana Gomes agora até parecia excessivo, havia mesmo uma certa saudade, sem ela e sem Fatinha Felgueiras, o país parecia mais sensaborão, já nem o piscar d'olho de Miranda Calha garantia a animação suficiente, mas estavam todos muito esperançados em que o futuro se poderia construir no pagode do ministério da juventude; entretanto subitamente o circo Chen aparece com uma proposta irrecusável: Freitas poderia fazer de palhaço rico e palhaço pobre pelo preço dum só, e ainda deixava espaço para Lacão avançar com a ajuda de Lello sem custos adicionais (e estes nem precisavam do lobby circense porque basta olhar para eles). Estava no entanto a chegar o momento em que o Parque dos Índios, que se tinha aliado ao Parque da Serafina numa candidatura conjunta (de natureza um pouco corporativa é certo mas isto é o sinal dos tempos) iria surpreender apresentando o seu apoio a João Soares, afirmando que um pai babado é sempre um valor acrescentado, que o diga Carrilho que apesar de tudo até à hora de fecho da edição deste post não tinha ainda arrolado nenhum patrocínio (corre o boato de pressões da Pré-natal mas não houve tempo para confirmar com a fonte e isto é uma casa séria). Pela sala do conselho esvoaçava entretanto o capachinho de F. Gomes dando uma nota surrealista ao momento o que fica sempre bem, mas Mª de Belém considerou-o um sinal dos deuses e decidiu pintar o cabelo de ruivo (com nuances à prova de rinçage) demonstrando o seu empenho de renovação e uma disponibilidade sem condições. O que seria feito de Maldonado Gonelha era obviamente também uma grande inquietação, seria ele a carta escondida na manga da Eurodisney, mas no fundo todos procuravam esquecer o lobby da Casa Pia que era apontado como o grande Édipo Rosa e que assim poderia aparecer a qualquer momento a reclamar a sua dose de mama destapada. Só que o que ninguém estava à espera é que o Action Man se tivesse associado aos Power Rangers e viessem a apresentar a Sócrates uma solução irrecusável: se Mª João Rodrigues fosse a eleita para o lugar prometiam inundar o país de Barbies para compensar, o povo estaria distraído, Edite Estrela poderia ir em paz para as Finanças e J. Coelho para a Cultura fazer maratonas de gramática com Barbara Guimarães.
O país largou a tanga e anseia agora por um passeio pelo triângulo das bermudas.
O que alimenta a alma dum povo em abananço-de-rabo pós sufrático é muito semelhante à experiência dum ‘lagarto’ que vive constantemente com um peseiro na consciência, preso à sua escamada pele, e que está concomitantemente com remorsos de não ter feito o insulto certo na hora certa. ‘Do que vivemos’ neste mundo à beira-Éden-plantado mas às vezes mal aperaltado é o tema de hoje no dicionário não ilustrado nas entradas 970 a 979.


Expectativas – Tipo de caramelos que de tanto resinar em bocas cariadas de estatísticas até acabam por se chupar bem desde que não se partam os dentes na fuçanga.

Ilusões – Cozinhado afarinhado feito à base de castas almas lusas ( embalagem 45/100) fritas em molho de manteiga serrana e regado dum tal de socialismo democrático açucarado.

Encantamentos – Formigueiro que nos pode transformar a todos numa mistura entre o ‘rato supersticioso’ aos pulinhos, e o Mickey a fazer o nó da gravata para engatar a Minnie. A Pequena Sereia é opcional.

Aleluias – Grito da tribo democrática quando estão todos à volta da fogueira mijando para cima do escalpe, mal sabendo a comichão que os espera porque afinal ficaram com os piolhos agarradinhos às unhas.

Esperanças – Conceito que oscila entre a vontade em formato de ranço e o desejo em forma de bola de sabão.

Ansiedades – Estado da alma que viu servirem-lhe a sopa da realidade com uma mosca e, agora que reclamou a troca do prato, não sabe se na cozinha das urnas apenas se terão limitado a tirar-lhe a mosca mantendo a mesma sopa.

Desconfianças – No seu formato pseudo-esclarecido dá muito boa consolação às almas que encontram no liberalismo a amante que nunca se chateia por saber que jamais irão casar com ela, ajuda a passar o tempo sem ter que gastar muito dinheiro em adereços, e dá-lhes um ar de bem postos na vida.

Vá de rectros (ou’ vás de rectro’ ou ‘vás de rectros’ ou qsf)- Saber afastar os malandros e as tentações é uma arte que só dispõem as almas sem complexos de fuga, ou seja, que não se importam que o pelotão lhes fique a olhar para o rabo.

Sorrisos amarelos – Praticamente o mesmo que jogar com cartas marcadas. Ninguém deve reparar, a marca não nos deve sujar as mãos, e no final fingimos que não sabíamos de nada e que apenas nos limitámos a assistir a trunfo.

Sorte – A verdadeira sublimação do ‘desejo de flutuar’ arregimentado à laia de floco analítico pelo pensador encartado JGil como outra das maleitas nacionais; Mas é que um gajo tendo disto até se pode dar ao luxo de viver no tal ‘branco psíquico’ fingindo-se ‘nuvem passageira que se quebra quando cai’.
Pura semiologia

Está explicada a ida da irmã Lúcia para o céu.
Conto de todos os colos

A sacana da música entrava-lhe pelo corpinho dentro. Ela cantava-a com aquela voz que faz tricot com os pêlos eriçados, «se te tivesse ao colo nem tinha tempo de te beijar, porque é que tu não escreves antes sobre a actualidade, mas para um beijo ainda haverá tempo não, beija-me mas depois diz-me, porque eu sinceramente não sei o que se está a passar, não me dá muito conforto estar ao colo de quem não sabe o que se está a passar, não, para colos de rogeiro não contes comigo, pronto já fizeste a tua piadita da ordem agora mostra lá se sabes morder sem doer, sabes mais ou menos vá lá, vamos votar ou continuamos nisto, votar é continuar nisto como também sabemos, jogos de palavras não dão tesão já te tinha dito isso em tempos, não acreditei, só acreditas no que te dá jeito e não sei o que se passa mas o teu colo agora dói-me, sinal dos tempos, querias um homem desossado, é mais fácil de co-incinerar, upa upa uma piadinha, mulheres com piada e tudo é outra louça, votas sócrates então, não, o teu colo não é assim tão mau, fico feliz por uma foda mal dada não te ter transtornado o espirito cívico, é terrível estarmos assim tão dependentes da qualidade duma coisa que se chama “acto sexual”, acho pior estarmos dependentes duma votação, mas como é que é possível estarmos aqui assim agarrados a ouvir uma música destas e a falar de política, acho que é por causa das mensagens subliminares da campanha, não é possível termos descido tão baixo. Mas isto sobe já vais ver, nunca me absterei com uma mulher ao meu colo, não brinques, achas que a política também é uma questão de escolhas como o amor? 'fac me vere tecum flere', sim isto está verdadeiramente de chorar, uma espécie de stabat mater mas em versão sic notícias, merda em latim não me consigo vir, já estou com a cabeça à nora tu misturas tudo, colos assim parecem camas de pregos, limita-te a olhar para mim e a dar-me beijos vá, é a única coisa que sei fazer de jeito? não, eu também já pus a minha cruz no teu quadradinho há uns anos, olha 'fac me cruce custodiri', pró que eu estava guardada, isso sim, vou desanuviar o voto num tipo qualquer antes que me lixes mais o juizo ó meu colo de merda leofilizada num latim rasca. » aproveitou-se a música, no final ainda apanharam um bocado da letra, mas era uma treta, ficou a memória dum colo, faço votos de que sejam felizes.
The wonderful world of indeciso’s mind
A grande questão do momento

O problema situa-se todo em torno ( ‘andar em torno’ é a expressão técnica de ‘falar dessa merda’) do neurónio 69. Este vive constantemente encavalitado e transforma a carola do indeciso num emaranhado de fluidos mal drenados que acabam por escorrer para o cocuruto gerando aquela comichão típica dos indecisos. O funcionamento do mecanismo mental do indeciso baseia-se no princípio de: um ‘que se foda’ é perfeitamente admissível na ausência dum ‘depois já te atendo’ ou na impossibilidade epistemológica dum ‘olha é para onde estiver virado’. Cérebros mais toldados pelo misticismo já desenvolveram mecanismos relacionados com a teoria do ‘Deus se encarregará de me levar a mão para o quadradinho certo’, no entanto, nunca foi possível ligá-los à máquina no momento do êxtase.
Esta sofisticada arquitectura cerebral desenvolveu uma muito peculiar solução para aproveitar os espaços mortos que acompanham o estado de indecisão, é o chamado: ‘coçar os tomates’ corner. Trata-se dum local de interstício, da família dos virilhosos, e que potencia as micoses mentais num registo peri-orgásmico. Vários cérebros de indecisos foram dissecados no momento em que sucumbiam à tentação da carne e se decidiam ( fase apocalíptica no modelo JGiliano da ‘inscrição’). O aspecto era semelhante ao duma epidural Guterreana aplicada transversalmente no mesencéfalo: muita esponja e pouco sabão. Diga-se no entanto que, por exemplo, uma mulher indecisa tem outro encanto, há que dizê-lo, a indecisão retira-lhe um pouco o ar avarinado, e segundo os últimos estudos tudo parece estar relacionado com hormonas sacadas à ultima hora da costela do Adão, que na única decisão que se lhe conhece, já se sabe: fez merda.
Com o credo na boca
(acho que o Blogger obriga a falar disto de vez em quando para manter a licença de utilização)

Sou católico apostólico romano (mas o facto de gramar mais o ACMilan não me dá complexos cismáticos) . Acredito num Deus uno e trino ( mas até prefiro coca cola ao trinaranjus). Acredito que N. Senhora foi concebida sem mácula do pecado, acredito na ‘ressurreição da carne’, em que os justos serão premiados e que os ímpios dalguma maneira suarão as estopinhas. Acredito que Deus nos ama como seus filhos, mesmo que nem todos pródigos, que a todos chama à sua misericordiosa e magnânime presença e que em todos ocupa o coração. Acredito que nos fez livres e dá-se ao luxo de permitir que nem sequer demos conta d’Ele.
Faço sexo sem pedir autorização ao bispo, rezo avé marias algumas vezes aldrabando as contas do terço, e confesso-me a um padre surdo mas sem ser aos berros; tenho tanta vergonha do que sou e dalgumas coisas que faço, como tenho quase ( só falta o quase) a certeza de que me hei-de orgulhar de ter nascido; acredito que o sofrimento pode ser redentor, acredito que a fé move montanhas desde que estas não se ponham a parir ratos, e agradecia que N. Senhora nunca me aparecesse senão eu borrava-me de medo, mas Ela é que sabe, e esteja à vontade que eu cá me havia de desenrascar; quando vou à missa nunca deixo o chapéu de chuva à mão de semear, e se algum gajo me olhar fixamente para a mulher eu só espero é que ele desfrute, porque eu sempre que faço isso ela diz-me que eu estou com ar de parvo, mas geralmente não me dá para ser vingativo e ir apalpar a mulher do gajo; em geralmente. Consigo perfeitamente dar um murro nos cornos a alguém, gajos claro, e acredito na transubstanciação eucarística mas se a hóstia se me agarrasse ao céu da boca talvez lançasse duas pragas em vernáculo. Entre olhar para uma miúda gira ou para a procissão do Senhor dos passos o sacana do meu pescoço não hesita, no entanto agradecia enternecidamente que o dito pescoço não me atraiçoasse no dia do juízo final para o caso da Sharon Stone se lembrar de cruzar as pernas à minha frente no momento de prestar contas. E o meu Anjo da guarda que se deixe de merdas e apresente-se ao serviço sff.

E agora digam lá se não acham que acreditar nisto tudo e não dar em maluco não é uma prova mais do que suficiente da existência de Deus.
Ouvindo ontem uma deliciosa troca de malabarismos demagógicos entre um Ângelo e um Pureza em torno duma freira que apenas viu N. Senhora e se calhar nunca leu JGil, o dicionário não ilustrado não resistiu e apresenta hoje em primeira mão as correntes filosóficas para o novo milénio. Poderão ser vistas como alegorias para um nova geração de neurónios-transgénicos coloridos, ou como mundividências ao preço de uns caramelos de contrabando mas que não se agarram ao céu da boca; mas do que eu realmente tenho pena é de não ser um homem sensível nem nunca ter dançado com a Jennifer Lopez. ( entradas 961 a 969)

Contorcionismo – A realidade muitas vezes tem de se agarrar com os dentes mas depois tem de se lhe saber dar um jeitinho com o dedo grande do pé. O novo Pi será a distância entre o cóccix e a ponta de externo. Das correntes mais arcaicas só se aproveitará o ‘eterno retorno’ desde que o eixo de rotação se situe estrategicamente afastado da zonas pélvicas. O 'ser' será um eterno entalado e o 'devir' servido enlatado.

Pirilampo-mágicozismo – Todos somos pequenos bonecos de peluche. A beleza não é importante desde sejamos devidamente afagados. Todos acabaremos a baloiçar num retrovisor enquanto o deuses se estarão a divertir no banco detrás.

Carambolismo – O mundo é uma mesa de bilhar onde tudo funciona às três tabelas, mas o sonho de cada bola é que no momento da verdade afinal tudo se transforme num snooker cheio de escapatórias . O pior é se fomos nós os escolhidos para bola preta.

Drag-queenzismo – Toda a realidade merece uma boa maquilhagem e umas plumas de adereço e nunca se lhe deve negar umas mamas de espuma.

Sarabandismo – Essencialmente não existem relações normais. Gauss era medianamente panasca. A sociedade é um postal ilustrado e a família uma promoção do Corte Inglês. Procriar é apenas uma técnica de marketing sofisticada desenvolvida pela Kodak. Para ser loura e não ser estúpida tem de se ser sueca e ter mais de 80 anos, um pai que não grame o filho poderá ser apenas um excêntrico se tiver dinheiro para comprar violoncelos à neta. Um pai que deseje a filha poderá ser apenas um complexado se depois for brincar aos punhos cortados.

Inscricionismo – Depois de dobrado o bojador da nossa pequenez devidamente declinada, devemos barrar o pão com o doce de gil para nos podermos lambuzar inscrevendo-nos no formulário de todas as libertações: o pecado mora sempre ao lado. É preciso é saber escolher os vizinhos.

Apalpezismo – Tudo é rabo. Mas depois de admitir teoricamente o vazio a partir de aí só nos resta o ou tudo ou pelo menos nádega. Esperar sentado é o cepticismo mais casto que se pode almejar num mundo em que acreditar é pôr-se a jeito.

Contriçãozismo – Tudo é pecado por princípio. A vida deve ser levada sempre com a mão ao peito. Mas nada é atrito para um coração contrito. A realidade serve para transformar um ratio desenxabido numa exponencial de relatividade.

Kamasutrismo – Tudo ao molho e fé na carne. Nem toda a posição providencia um encontro imediato, mas antes molhar o pão do que ficar a olhar para o prato. O juízo final não passará dum rodízio.
Cantinho do desfazedor
Gil a nova mascote da exposição universal do pensamento como referendo de existência

Introdução de leve pendor erudito
É sabido que o homem pode experimentar a tristeza na busca da verdade. Olhar o presente com os olhos do presente pode até fazer o homem sentir o travo da angústia. Nos dias melhores então faz de filósofo, “declinando a inúmeras espécies de pequenez” alheia e alimentando-se de “alibis de inscrição” auto construídos num altar de aparente ‘desenclausuramento’ (é que acabaram-se-me as areias porra).

Reajuste cénico
A maneira mais segura de avaliar um circo é criticar os cães amestrados com base na performance dos palhaços, assim ninguém se escapa à análise, excepto os espectadores que ficaram nas últimas filas e que assim se livram tanto do degradante espectáculo das bostas dos elefantes como de serem acusados do medo de assistir.

Poder & Sexo – buondi style
O tempo em que as elites ajudavam a definir um povo já lá vai. O tempo em que o povo ajudava a definir as elites já lá vai também. Foram-se com o café de saco, o mundo é expresso. Com creme. Quem não vê isso tem medo das novas borras dos tempos. E pensa como quem se masturba porque tem medo de parir.

Tudo ao molho
Uma nação para se perceber tem de se ver como uma mãe beija um filho e como um filho beija a sua mãe (isto por acaso está a soar-me a uma Louçãnada...) e não nas buscas etnográficas das burocracias de turno. Quando escolhe um delirium jaculatorium à falta duma boa foda, acaba por se atracar ( no sentido náutico) nos sempre recorrentes triângulos mágicos da inveja para embelezar a análise. Desconfio de quem pensa e nunca teve de pagar ordenados no fim do mês ( Louçãnada again...) e por isso não sabe distinguir o valor ontológico do medo do valor sociológico da insegurança. Falta-lhes o chamado choque do cagaço. ( é uma espécie de mistura de choque tecnológico e de choque de valores mas embebido em bagaço, o verdadeiro choque útil)

“O mundo de Sofia”
A sociedade não existe; isto é básico; Nietz & Kirk ainda fodem o juízo a muita gente que nem dá conta disso ; básico também. Moral da história: tudo se poderia resumir a gerir complexos e a não alimentar muito uma das maiores falácias do pensamento: a de que o equilíbrio provem do ajuste entre a realidade e a imagem que possuímos dela. Se Marx tivesse conseguido encaixar Deus naquela cangalhada toda hoje já não haveria filósofos e já teríamos descoberto que o complexo de inferioridade dos portugueses é uma artimanha para enganar pensadores patrocinados pelas casas da melhor delicatessen. Com recheio, claro.

Deo Gratias
Abençoado o tal de “nevoeiro entorpecedor da consciência” que provoca a tal “grosseria arrogante” dos portugueses que fala J.Gil ( felizmente a minha filha chegou agora com mais areias e vidago limão) pois será essa que sacará os melhores risos de Deus. Sem medo.
Felizes dos que conseguem forjar egos de alterne e assim não têm de se preocupar com os nobres problemas da alteridade; o outro será assim sempre um terceiro excluído, um servente da lógica trágica do amor; ao próximo, claro. O dicionário não ilustrado nas entradas 951 a 960



O eu projectado – Um dos mais sofisticados, e com tendência a funcionar em sessões contínuas numa frustração perto de nós.



O eu espelhado – Aquele eu que permite estarmos com o dedo bem enfiado no nariz e poder parecer que estamos apenas a massajar a sinusite



O eu recalcado – O eu produzido pela parte de mulher-a-dias que todos temos dentro de nós



O eu idealizado – Uma espécie de alfaiataria ontológica, onde até as metáforas corrigem a marreca



O eu sublimado – Depois de nos termos ultrapassado a nós próprios, quando sopramos para o balão até a brigada tem pena dagente



O outro eu – Aquele que nos põe os cornos frequentemente mas nunca chega a fugir-nos com a mulher.



O eu torcido – Espécie bivalviana utilizada na preparação de cozinhados ontológicos, em que o medo de que o molho estrague o sabor da carne nos torna reféns do vegetal a vida toda.



O eu tenso – Esticando as partes íntimas do ser geralmente descortinamos uma realidade elástica mas com tendência para funcionar em regime de chicote.



O eu bibelot – Quem não tiver uma personalidade de enfeite está destinado a servir de pão-de-ló



O gajo – o eu visto pelo outro



Contos do tipo que vivia no intervalo dos pingos



Ela às vezes dizia-lhe que tinha um medo incontrolável do mundo. Ele um dia pegou-lhe na mão e foi então mostrar-lhe o que era verdadeiramente o mundo; mas primeiro disse para ela fechar os olhos e deu-lhe um beijo no nariz que se franziu de surpresa e dalguma ansiedade, não fosse ele mais um aproveitador de carnes vivas, mas não era, ele apenas queria ter a certeza que ela não se ia perder nos odores da tristeza. A mão dela era rebelde, mas ele não se importava, iria segurá-la também com o olhar, de tal forma que às vezes nem a deixava respirar, mas o mundo para se ver bem, é um aviso ao leitor, temos de estar um bocadinho sufocados senão corremos o risco de apenas fazer de caixa d’ar , de máquina respiradora. A primeira coisa que ele lhe mostrou foram as formas, ele achava que as cores eram estragação, ela não, ela vivia perdida nas cores, ele então avisou-a «as cores são traiçoeiras, viram, as formas não: o mundo é mais redondo que azul, deixa de ser parvo e prova-me lá então que o mundo é bom, ah queres provas, e tudo sem deus claro, claro assim é que tens de mostrar o que vales, ele aí agarrou-a com força, o mundo sou eu, isto era um segredo que eu tinha bem guardado mas digo-to já, assim não vais lá, ninguém é o mundo, pois não, vejo então que estás preparada para o que eu te quero mostrar, primeiro mostro-te o que é falso: o céu, o céu é falso, não tem forma, mas as nuvens são verdadeiras, isto quer dizer que quando vês o mal isso é o mundo em forma de céu, a ameaçar cair, mas isso é ilusão, isso é a ‘não existência’ armada aos cucos, tens é de procurar as nuvens, e essas nunca caem, essas desvanecessem-se, chovem-se-nos ou nevam-se-nos ou sombram-se-nos» E ele nem falou de Deus, mas ele estava lá, no intervalo dos pingos, controlando-lhes a queda, controlando a refração da luz através deles, decantando o mundo para que outros o possam cantar. E ela devolveu-lhe o beijo, porque um beijo desses tem sempre uma volta na ponta.
Em tempo de campanha, já se sabe, a parra é tão importante como a uva. Tal como no paraíso. O dicionário não ilustrado nas entradas 942 a 950.



Competência moral – Tipo de competência essencial para quando se acaba de desflorar uma gaja virgem e se tem de saltar o muro senão leva-se um ensaio de porrada do pai dela.



Autoridade moral – Tipo de poder recebido directamente de Deus que permite um político foder-nos sem precisar de tirar a roupa



O boato – Bênção democrática que permite um indefeso eleitor votar, escolher e formar a opinião com base naquilo que lhe der na realíssima gana



A opção sexual de cada um – Momento em que Deus nosso senhor nos pergunta se queremos uma pila ou um pipi; Houve quem respondesse: ‘olha que se foda’, e depois com esses Deus baralhou-se um bocadinho.



O respeito pela opção sexual de cada um – Sentimento nobre que leva um tipo chamar panasca a um gajo que gosta de homens mas depois escreve homossexual num tal artigo de opinião. Ciência a quanto obrigas.



Promessas, objectivos, paixões e choques (não tenho verba para entradas separadas) – Sofisticados supositórios com que se começa alegremente ‘supondo’ numa urna e se termina distribuindo vaselina num ‘velório’ de contribuintes



“Sabemos quem eles são” – Estado especial de pré-vidência eleitoral em que o votante vislumbra a sua sina mas olhando para a planta da mão de quem o apalpa.



Fait-divers – Verdadeira cassete política da terceira geração. Funciona em constante auto reverse.



Eles vão voltar – Sofisticado mas tradicional movimento das moscas que voltam a olhar para a merda com a nostalgia das fermentações passadas e com a ansiedade do metano que quer voltar a arejar.

Contos de 1881

Dostoievski tinha acabado de entregar a alma ao criador e Picasso preparava-se para dar com o corpinho ao manifesto. Anastasia estava na flor da idade e hesitava entre ir ter com Fiodor, que agora talvez já lavasse a barba e não rezasse responsos por cada vez que fornicava, ou aguentar um bocado e ir fazer de terebentina no leito do desenhador de minotauros. Em qualquer dos casos ela já sabia que corria o risco de poder vir a ser a santinha, ou a bezerra sagrada, ou o floco de apontamentos ou o filamento de ráfia. Oscilava na escolha entre apascentar as vísceras que trabalhavam num subterrâneo de culpas, ou ser feno bem enfardado duma besta que suava às cores. Ela sabia que queria fugir do usucapião amoroso, mas também sabia que não lhe era digno deixá-los de calças na mão, sem sorte, nem arte. Entregar-se-ia ao russo ou ao espanhol? Era esse o seu dilema em 1881. Ela sabia que seria o testemunho, ela sabia que seria a mulher de charneira, pois estava nas suas mãos, calcule-se, o futuro do amor na humanidade. Doravante o amor duma mulher ou seria complexo, ou seria reflexo. Ou nobre ligação ou coisa sem nexo. Ou imolaria o corpo para aparar o vício do jogo de um, ou imolaria o corpo para aparar o vício de poder do outro. Com a alma ela não se preocupava, a alma feminina é sempre ou de Deus, tinha-lhe dito o russo, ou auto-suficiente-indiferente, esperava ouvir do espanhol, em qualquer caso nunca estaria dependente deles. ‘Cabrões os dois’ pensava ela nos momentos de queda, aqueles em que se confrontava com a sua cruel fêmealidade. Mas Anastasia era uma mulher jovem, Dostoievski estaria sempre no papo, mais persignado menos persignado, e como ela tinha feito o tirocínio romântico com a Cartuxa de Parma, Picasso babar-se-ia certamente em suites vollards, seria volúpia bem cozinhada, ou em forma de dor escrita, ou em forma de cor traçada. Sabia que tiraria o sono a ambos e era isso que lhe dava a segurança, quer fosse um sono de justos quer fosse um sono de guerreiros, era mesmo essa a sua segurança de domadora jovem, quer estivesse seduzindo ‘derrièrre un rideau’ de pureza, ou estivesse ao serviço do anarquismo moral do acto gratuito. Essa segurança de quem sabia que tinha o dom de deixar sempre um travo de primeira vez a quem a saboreasse, numa mistura de mulher-totem e de mulher-pecado.

Depois de Anastasia mais nenhuma mulher estaria disposta a derramar o seu bálsamo apenas a um Cristo, e todos os homens gostariam de ser centauros com a cabeça de Mushkine. Mas não procurem Anastasia na História, ela acabou por se desvanecer uns anos mais tarde num limbo Pessoano, perdida num desassossego meramente sonhado mas com a existência apalavrada como ‘cherry blossom girl’
Just checking some rationalities



Usually,

When I add a two with another two

I make a four,

but if I do it with you

I’ll get much more



Today,

I feel the power

Of the water in a flow

And if I’ll kiss the petals of the sunflower

I’m sure he will give me back a golden rainbow



Ever,

I say ever

You think ‘ok son’

But as I’m very clever

I always pray like a nun



Then,

I will see a gold mine

when others only should see a single nine.