Conto dos enfarinhados

Ela era a fornecedora do fermento para a padaria do Olimpo, por isso cada vez que ia ao pão o padeiro desfazia-se em olhares ternos e nunca a enganava com a farinha demasiado encruada; ela era a sua freguesa preferida, só que nunca a tinha chamado de querida, pois não era nenhum deus guerreiro mas sim um simples padeiro. «Um dia venha mais cedo, não tenha medo, gostava apenas que estivesse comigo quando moêssemos a farinha de trigo», mas ela não lhe achava graça, as mulheres às vezes não gostam de homens que estão sempre de mão na massa, «se calhar não posso, a essa hora tenho de fazer o almoço». As desculpas das mulheres são sempre mais terríveis, é que às vezes são mesmo a verdade, e a verdade na boca das mulheres dói sempre mais, o nosso estômago fica sempre a pedir sais, mas voltemos a ela que estava agora à janela, tinha ficado a pensar no padeiro, talvez ele até fosse um gajo porreiro, mas esses não servem para nada, atrapalham-se no manejo da espada e limitam-se a ter a alma suada, ali bem colada à camisa e quanto muito dão boa serventia a Artemisa. Saía um fumo engraçado da chaminé, seria a lenha ou estaria ele apenas a fazer o café, procurando manter-se de pé, para que no dia seguinte pão fresco houvesse, e quando ela outra vez viesse, lhe pudesse agarrar um bocadinho na mão, retendo o troco, ouvindo outra vez «não», mas fingindo-se mouco, «contigo não faço farinha mas serás sempre um pouco minha».

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