Contos de 1881
Dostoievski tinha acabado de entregar a alma ao criador e Picasso preparava-se para dar com o corpinho ao manifesto. Anastasia estava na flor da idade e hesitava entre ir ter com Fiodor, que agora talvez já lavasse a barba e não rezasse responsos por cada vez que fornicava, ou aguentar um bocado e ir fazer de terebentina no leito do desenhador de minotauros. Em qualquer dos casos ela já sabia que corria o risco de poder vir a ser a santinha, ou a bezerra sagrada, ou o floco de apontamentos ou o filamento de ráfia. Oscilava na escolha entre apascentar as vísceras que trabalhavam num subterrâneo de culpas, ou ser feno bem enfardado duma besta que suava às cores. Ela sabia que queria fugir do usucapião amoroso, mas também sabia que não lhe era digno deixá-los de calças na mão, sem sorte, nem arte. Entregar-se-ia ao russo ou ao espanhol? Era esse o seu dilema em 1881. Ela sabia que seria o testemunho, ela sabia que seria a mulher de charneira, pois estava nas suas mãos, calcule-se, o futuro do amor na humanidade. Doravante o amor duma mulher ou seria complexo, ou seria reflexo. Ou nobre ligação ou coisa sem nexo. Ou imolaria o corpo para aparar o vício do jogo de um, ou imolaria o corpo para aparar o vício de poder do outro. Com a alma ela não se preocupava, a alma feminina é sempre ou de Deus, tinha-lhe dito o russo, ou auto-suficiente-indiferente, esperava ouvir do espanhol, em qualquer caso nunca estaria dependente deles. ‘Cabrões os dois’ pensava ela nos momentos de queda, aqueles em que se confrontava com a sua cruel fêmealidade. Mas Anastasia era uma mulher jovem, Dostoievski estaria sempre no papo, mais persignado menos persignado, e como ela tinha feito o tirocínio romântico com a Cartuxa de Parma, Picasso babar-se-ia certamente em suites vollards, seria volúpia bem cozinhada, ou em forma de dor escrita, ou em forma de cor traçada. Sabia que tiraria o sono a ambos e era isso que lhe dava a segurança, quer fosse um sono de justos quer fosse um sono de guerreiros, era mesmo essa a sua segurança de domadora jovem, quer estivesse seduzindo ‘derrièrre un rideau’ de pureza, ou estivesse ao serviço do anarquismo moral do acto gratuito. Essa segurança de quem sabia que tinha o dom de deixar sempre um travo de primeira vez a quem a saboreasse, numa mistura de mulher-totem e de mulher-pecado.
Depois de Anastasia mais nenhuma mulher estaria disposta a derramar o seu bálsamo apenas a um Cristo, e todos os homens gostariam de ser centauros com a cabeça de Mushkine. Mas não procurem Anastasia na História, ela acabou por se desvanecer uns anos mais tarde num limbo Pessoano, perdida num desassossego meramente sonhado mas com a existência apalavrada como ‘cherry blossom girl’
Dostoievski tinha acabado de entregar a alma ao criador e Picasso preparava-se para dar com o corpinho ao manifesto. Anastasia estava na flor da idade e hesitava entre ir ter com Fiodor, que agora talvez já lavasse a barba e não rezasse responsos por cada vez que fornicava, ou aguentar um bocado e ir fazer de terebentina no leito do desenhador de minotauros. Em qualquer dos casos ela já sabia que corria o risco de poder vir a ser a santinha, ou a bezerra sagrada, ou o floco de apontamentos ou o filamento de ráfia. Oscilava na escolha entre apascentar as vísceras que trabalhavam num subterrâneo de culpas, ou ser feno bem enfardado duma besta que suava às cores. Ela sabia que queria fugir do usucapião amoroso, mas também sabia que não lhe era digno deixá-los de calças na mão, sem sorte, nem arte. Entregar-se-ia ao russo ou ao espanhol? Era esse o seu dilema em 1881. Ela sabia que seria o testemunho, ela sabia que seria a mulher de charneira, pois estava nas suas mãos, calcule-se, o futuro do amor na humanidade. Doravante o amor duma mulher ou seria complexo, ou seria reflexo. Ou nobre ligação ou coisa sem nexo. Ou imolaria o corpo para aparar o vício do jogo de um, ou imolaria o corpo para aparar o vício de poder do outro. Com a alma ela não se preocupava, a alma feminina é sempre ou de Deus, tinha-lhe dito o russo, ou auto-suficiente-indiferente, esperava ouvir do espanhol, em qualquer caso nunca estaria dependente deles. ‘Cabrões os dois’ pensava ela nos momentos de queda, aqueles em que se confrontava com a sua cruel fêmealidade. Mas Anastasia era uma mulher jovem, Dostoievski estaria sempre no papo, mais persignado menos persignado, e como ela tinha feito o tirocínio romântico com a Cartuxa de Parma, Picasso babar-se-ia certamente em suites vollards, seria volúpia bem cozinhada, ou em forma de dor escrita, ou em forma de cor traçada. Sabia que tiraria o sono a ambos e era isso que lhe dava a segurança, quer fosse um sono de justos quer fosse um sono de guerreiros, era mesmo essa a sua segurança de domadora jovem, quer estivesse seduzindo ‘derrièrre un rideau’ de pureza, ou estivesse ao serviço do anarquismo moral do acto gratuito. Essa segurança de quem sabia que tinha o dom de deixar sempre um travo de primeira vez a quem a saboreasse, numa mistura de mulher-totem e de mulher-pecado.
Depois de Anastasia mais nenhuma mulher estaria disposta a derramar o seu bálsamo apenas a um Cristo, e todos os homens gostariam de ser centauros com a cabeça de Mushkine. Mas não procurem Anastasia na História, ela acabou por se desvanecer uns anos mais tarde num limbo Pessoano, perdida num desassossego meramente sonhado mas com a existência apalavrada como ‘cherry blossom girl’
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