Dai-me uma liberalidade e levantarei o mundo


Algum, temporário, abrandamento de qualidade no futebol dos lagartos fez-me virar a atenção para o relato da comissão parlamentar do bes. O stock de tremoços leva mais tempo a baixar mas a cerveja corre com a mesma velocidade. Nesta fase do campeonato o marcador mostra no topo da classificação Sobrinho e Mortágua. Na luta para a despromoção, e responsáveis pelo uso intercalar do pistacho, aparece a chamada ‘família’ , taco a taco com os ‘reguladores’, eu diria até que o desempate se vai fazer pelo saldo combinado de liberalidades & colaterais. A meio da tabela aparecem uns tipos de apelido banal mas com uso criterioso de botões de punho pelo que vão acabar por fazer uma temporada calma, inclusive já me babei duas vezes para cima da tigela de cajus tal a sonolência provocada pelos ring fencing’s e o caralho. Espero que a época de contratações de Janeiro traga algumas movimentações no mercado, mesmo que se tenha de ir buscar alguns deputados às off shores, e obviamente a segunda volta de audições, já com umas azeitonas que deixei encomendadas na mercearia, vai garantir-me uns serões bem passados, correndo o risco de subir um número nas calças e o aparecimento dumas putas dumas borbulhas na testa. Borbulhas apenas, repito.

Cirque du sommeil


Adormeci a pensar que detesto comer. Detesto inclusivamente aquela paneleirice do sabor, do empratamento, da novidade, da experimentação. Da comida que nos fazia a nossa avozinha! Quero lá saber do que me fazia a minha avozinha. Até sentir fome me traz desconforto, irritação. E depois de comer: nenhuma memória, apenas enfartamento. Japoneses, Tailandeses, fusões, michelins, só resta fastio: puta que os pariu. Acredito na comida apenas como fonte de negócio, aproveitando as fraquezas humanas: a vaidade, a necessidade de afirmação social, a necessidade de companhia. Viro-me na cama. São três da manhã e sou apenas uma concha de espinafres com sésamo ao lado de um bocado de enzimas em repouso que é a minha mulher.  Valeram as anedotas, apenas as boas anedotas salvam a comida que as acompanha. Detesto contar anedotas, adoro ouvir. Absurdas, repetidas, básicas, exuberantemente ordinárias como aquele vison que às mãos do casado de fresco lhe pareceu tudo cona. Alguma ventresca de atum vale um vison apalpado que nem cona? Assim não consigo dormir. Tinham posto à prova a minha lendária (auto-apregoada, leia-se) capacidade de aguentar o sarcasmo. Vacilei.  O vinho também não me ajuda. É impossível porem-me a falar muito com álcool. Fico parecido com o cabrão do kierkegaard e à sobremesa já todos querem que eu lhes informe quando vai ser o fim do mundo. Mas eu digo-lhes que o fim do mundo não interessa nem ao menino Jesus. Afinal é Natal. Cinco da manhã e é quase Natal. O primeiro Natal sem a minha Mãe. Não me lembro de nenhum prato feito pela minha Mãe. Abençoada por me fazer lutar pela sua memória todos os dias; e noites.

O Divã Disto Tudo V


Back to basics: o país está suspenso do contabilista e do motorista.  Depois de termos concluído sofrermos da famosa esclerose de elites, aprofundámos o tema e verificámos que afinal as elites estavam penduradas na competência duma classe intermédia que, numa revisão marxista, em vez de se revoltar vai agora lixar os patrões.

Hoje, o futuro do orgulho nacional está nas mãos da menina das fotocópias, cada país tem o snowden que merece.

Em primeira mão, aqui, a acta da audiência secreta no Parlamento, com a menina Dulce:

Senhor Deputado – diga-nos menina Dulce, era a responsável pelas fotocópias?

Menina Dulce – ora, chamavam-lhe a máquina de fazer offshores ….

Senhor Deputado – acha que abusavam das offshores?

Menina Dulce – não, os patrões eram muito respeitadores

Senhor Deputado – respeitadores da lei?

Menina Dulce – disso não sei, mas sei que gostavam de manter as aparências e por isso nos in-shore era tudo como manda a etiqueta e os bons costumes

Senhor Deputado – então quer dizer que era tudo apenas para regulador ver?

Menina Dulce – bem, os meninos do banco de Portugal também eram muito respeitadores…

Senhor Deputado – respeitadores como? A função deles era supervisionar!?

Menina Dulce – sim, mas supervisionavam sempre com muito respeito, nada de espreitar pelas fechaduras, nem andar a fazer brincadeiras debaixo das mesas

Senhor Deputado – Então acha que andava alguma coisa escondida debaixo da mesa

Menina Dulce – Ai sr deputado não me faça corar….

Senhor Deputado – não tem que ter vergonha de nada, aqui está a prestar um serviço à Democracia e ao Parlamento!

Menina Dulce – credo, também não me pagam para essas menages triplas! Quem faz disso é a minha colega do economato!

Senhor Deputado – Também virá cá depor, mas para já precisamos de saber o que lhe passou pelas mãos, menina Dulce

Menina Dulce – julgo que isso está protegido pelo segredo vaginal…

Senhor Deputado – alguma coisa nos poderá contar… uma mulher não é só vagina

Menina Dulce – sim, claro, eu às quartas feiras tirava fotocópias para a contabilidade

Senhor Deputado – para a contabilidade?

Menina Dulce – eles diziam que eu tinha jeito para fazer os buracos render

Senhor Deputado – a senhora também já tinha ouvido falar dos buracos nas contas?!

Menina Dulce – O sr Abílio da contabilidade dizia-me que só com o meu balancete conseguia inspirar-se para os estornos que tinha de fazer de madrugada

Senhor Deputado – então o contabilista fazia horas extra pela noite dentro?

Menina Dulce – nem queira saber o que eu tive de inspirar aquele homem

Senhor deputado – Então a senhora acha que também foi responsável pelo estado artístico das contas ?

Menina Dulce – Claro meu querido, e se tu quiseres, como devo ir para o desemprego, a ti faço-te uma revisão constitucional completa pelo preço duma portaria

Era Rodrigo não querido por Sofia que não o queria


Podia ser desilusão, ou frustração, ou engano, despeito até, ou desespero, ou raiva, mera irritação, mas nenhuma destas explicações cobria os seus reais sentimentos. Rodrigo não sabia o que fazer com o que sentia depois de tantos anos para descobrir que afinal Sofia não o queria. Era um botânico afamado, tinha revelado ao mundo muitas novas espécies, aromas, cores, até havia uma forma geométrica que se tinha apropriado do seu nome, o rodriguezio, duma pétala de cinco lados rectos e quatro curvos que ele tinha encontrado numa planta moçambicana, até aí desconhecida, e quase parecia uma pétala que se podia vestir, nuns dias armadura, noutros dias corpete.

Fechou-se na sua estufa e procurou a resposta naqueles seres que, mesmo fustigados pelas intempéries, sabiam adaptar-se às circunstâncias, mais ou menos clorofila, mais ou menos polinização, mais ou menos enxerto.

Certamente as flores seriam capazes de lhe dar a resposta. Pegou no exemplar de malmequer mais antigo que tinha e pediu-lhe para se transformar em apenas não-me-quer. Regou-o, mudou de terra, testou vários fertilizantes, diferentes tempos e ângulos de exposição ao sol, níveis de humidade, e rezou ao tempo, o deus das flores.

Algumas semanas depois Rodrigo tinha a flor que lhe mostrava o não-me-quer de Sofia. Umas pétalas brilhantes dum lado e baças de outro, numas zonas enroladas para dentro, afastando-o, noutras com um recorte laminado, ameaçando fatiá-lo em postas se lhe pusesse as mãos sem perguntar primeiro. Olhou para elas com cuidado, procurando os segredos do não-querer e tentando descobrir como lidar com eles. Pegou em cada uma das pétalas com um cuidado dessexuado mas lúbrico, depositou-as em cima dum papel de branco lunar e apontou-lhes uma luz arroxeada, pascal, plena de intensidade curiosa e fatal como só a luz religiosa consegue ter.

E viu então o não-te-quero de Sofia. Ali explicado tim-tim por tim-tim, numa eloquência vegetal, imóvel como uma metafisica medieval: faltava a Rodrigo substância para atrair Sofia, todo ele era forma, estilo, simples desconteúdo, todo ele era um apenas apenas, um insuficiente.

Já não precisava de se sentir nem desiludido, nem irritado, nem frustrado, nem enganado, nem abandonado, nem sequer havia receio de ser mal parecido, bastava sentir-se desaparecido.

Grasshopers & Honey


Antes de Salomé lhe ter tricotado o pescoço, João Baptista (como relembra o evangelho de hoje) levava um cinto de cabedal à volta dos rins. João Baptista é (talvez) o maior exemplo da literatura do amor ao (e da concentração no) essencial. É um exemplo fodido para qualquer aprendiz de imitação de Cristo (e mesmo para qualquer aprendiz do que quer que seja) mas, diga-se, sem o acessório o que seria de nós? Até Jesus precisou duma cruz, e do pão, e do vinho.

Nas relações humanas é igual, se cingirmos muito os rins um dia qualquer alguém nos põe a cabeça - com ou sem apêndices - numa travessa, ou os tomates de molho; que São João Baptista me perdoe.

Juntos Fodemos


Atrelado ao espanhol Podemos parece estar a nascer cá na paróquia um Juntos Podemos. Tive esperança que a similitude com o fodemos já tivesse sido devidamente explorada e pesquisei tendo confirmado a inexistência das devidas analogias.

(nota doméstica interna: se for descoberto no Google um histórico de pesquisas em ‘juntos fodemos’ dever-se-á a esta curiosidade sociológica e não a qualquer tentativa de encontrar parceira disponível para descobrir os insondáveis e húmidos mistérios da esquerda moderna)

Retomando então aquilo a que optimisticamente se poderá chamar de raciocínio. A ideia de juntos fodemos baseia-se na capacidade natural do homem de fazer amizades. Parece-me mais fecundo e elevado fodermos em conjunto do que podermos em conjunto. Reparemos que se para poder basta querer, já para foder o querer não é suficiente o que indica, assim, algo mais elevado, algo mais construído e, portanto, humano, por assim dizer.

A esquerda não se deve pois contentar em poder junto mas antes foder em conjunto. Os ideais de esquerda fundamentam-se num acesso ao ideal de igualdade que apenas conseguem enunciar e jamais praticar, daí que o podemos soe imediatamente a falso, soe novamente a uma espécie de bastilha elástica (é trocadilho sim) mascada à exaustão e sem ter já a mais pequena amostra de açúcar. Ao invés, o foder conjunto mantém o mesmo viço primordial, desde os tempos antropológicos do incesto olímpico ou dos maravilhosos tempos do amor livre, que apenas uma vertigem civilizacional bolorenta se encarregou de pôr para debaixo da alcatifas da conveniência ou dos tabus.

Passado este preâmbulo, que espero tenha sido elucidativo, concentremo-nos agora no fodemos propriamente dito. Foder é algo que a blogaria trata desde os seus primeiros tempos com maior ou menor fulgor, principalmente por aqueles – antes apelidados – ‘blogues de gajas’ (que entretanto foram desaparecendo ou sendo substituídos por blogues feitos para vender chinelas ou biquinis) que viram neste meio a fantástica oportunidade para escrever ‘foder’ pela primeira vez e assim formalmente se emanciparem pela via erudita. Sendo que foder já teve o seu Ipiranga literário temos de reconhecer que ainda não teve realmente direito a um lugar digno no grande altar da política.

Reparem que não falo de causas banais como a liberalização da prostituição, nem da paneleirice-com-papel-passado, nem sequer do amor livre: falo de foder mesmo, foder sem cláusulas de salvaguarda, sem coeficientes conjugais, um foder sem austeridade, sem rating, nem sequer me refiro a um foder new wave para libertar energias e entrar em novas dimensões, falo mesmo de foder como a grande causa da esquerda, mais próxima de Noé do que de Lenine.

A esquerda está presa à agenda conservadora dos costumes, das pequeninas liberalizações e apenas foder a pode libertar. Reparem em exemplos práticos: substituir o iva da restauração pelo sexo na restauração, substituir a reestruturação da dívida por foder mesmo as contas publicas todas, substituir as parcerias publico-privadas por uma grande foda geral que não discrimine quem ajoelha e quem abana o rabo.

Onde está a  extremosa esquerda quando precisamos mesmo dela? A juntar pilinhas?

E agora o amor

Os conceitos que entram timidamente na composição mas afinal podem fazer toda a diferença no enredo, vistos pelo novo dicionário não ilustrado

Pragmatismo – o que vale no amor é apenas o lugar de intersecção entre o possível e o possível

Realismo – o que vale no amor é a parte em que nada se sente mas tudo se vê

Calculismo – o que vale no amor é a parte do possível que nunca será impossível

Disponibilidade – é a parte do amor que os pragmáticos evitam

Oportunismo – parte do amor que funciona como ‘afecto curricular’

Securitismo – o que vale no amor é ele poder funcionar como reserva de segurança emocional

Decorativismo – o que vale no amor é ele poder servir de embrulho de fantasia a sentimentos mais banais

Ecologismo – o que vale no amor é apenas a capacidade de limpar passados incómodos

Betumismo – o valor do amor é a sua competência para tapar buracos ou falhas nas paredes mestras

Pladurismo – o que vale no amor é ele puder servir de parede falsa entre vidas paralelas.

Suspensismo – componente do amor que permite deixar tudo em suspenso

Monetarismo - o amor apenas vale a pena quando conveniência e necessidade são as duas faces da mesma moeda

Bromazepamialismo - valência do amor em criar relaxamento sem dependência.

140

anos faz hoje que Churchill nasceu. Tratou-se dum homem que debaixo duma pele vitoriana conseguiu transcender essa sua condição e viver dentro e (mas) suspenso do seu tempo, numa sucessão impressionante de factos (e até contrafactos) históricos. Ainda hoje muito se poderá aprender no que foi dizendo sobre a Rússia, o médio oriente, a democracia, e por aí adiante. Um homem contraditório por excelência, resoluto por devoção e assertivo por vício, avisou-nos para um ocidente: «decided only to be undecided, resolved to be irresolute, adamant for drift». 

Placebo nas canelas

Vamos conviver nos próximos meses com uma figura virtual que, mais pontual ou mais persistentemente, irá condicionar (animar?) a nossa, digamos, relação com a realidade.

Hoje o novo dicionário não ilustrado irá descodificar os seres dos outros mundos, assinalando assim as várias possibilidades que dispõe (e dispomos) aquele de quem se fala e que se instalou seráfica e filosoficamente para as bandas do templo de Diana.

Fantasma – espécie de zeus da paranóia, podemos escolher o formato fumaça ( para evasões fiscais) ou o formato lençol ( para lavagens de capital)

Sombra – entidade da família das assombrações, mas mais acessível para países em rescaldo de regate, pois vivem apenas em 2D. Basta um solzinho em cima para desaparecerem

Vulto – são semelhantes às eminências pardas mas sem a parcela ( sempre mais cara) da eminência. Alimentam-se apenas da fugacidade e podem ser transportados em qualquer porta-luvas

Avatar – algo ali entre o demónio, o parasita e o cookie, e que dá muito boa serventia para lidarmos com quem se andou a avatoar anos a fio.

Alma penada – tratam-se de fantasmas com aspirações espirituais; devemos evitar mesas circulares e ter sempre um qualquer credo junto à boca.

Zombie – o morto-vivo está muito valorizado, mas , bem orientados, podem servir de bons espantalhos para as aves raras.

Gambozino – fusão do reino animal e vegetal que fugiu às leis darwinistas e constitui-se no sobrevivente mais célebre às maçadoras investidas dos viciados em realismo.


O grande objectivo da cidadania moderna será, a partir de hoje, conseguir transformar estes seres do aquém e do além em meros placebos políticos, ou, para os mais românticos, em amantes platónicos. 

O Divã Disto Tudo IV

A imagem da revolução

No fim de semana, semi ofuscado pela nuvem da notícia, o mestre de oratória Louçã, disse, qual trostski do quelhas: «não basta pedalar, pedalar é passear, é preciso derrubar os muros», e depois, João Semedo, na mesma linha, disse que «não havia atalhos para o confronto»

A vida é um manual de convivência entre a conservação e a revolução. Vivendo e alimentando-se uma da outra, amam-se sem poder assumi-lo, qual amantes reprimidos e até secretos.

Mas, por regra, a demagogia encaixa mais na mensagem revolucionária, e esta não a enjeita, cavalgando mesmo nela com prazer. O que seria o homem se não gostasse de enganar, enganar-se, e ser enganado.

O pior das forças revolucionárias está quando perdem a força da demogogia, quando evitam o espírito de coup d’etat. Para que nos serve um revolucionário sem táticas cínicas, sem contradições viscerais e sem manipulação de almas?


Esperava mais das gémeas mortáguas. 

O Divã Disto Tudo III

A imagem da palavra

Os tempos são de eufemismos irónicos; poderíamos usar antes hipérboles exasperantes, mas temos as consciências mais treinadas para o sarcasmo do que para a exaustão. Se geralmente o eufemismo expõe uma capacidade para a ambiguidade, a hipérbole acaba por expor uma inabilidade para a ironia. Ambas são sinaléticas dos tempos. A hipérbole vai ficar como reserva de valor para os carismáticos enquanto o eufemismo fica como o recurso dos pobres de carisma.


Mas tem graça que hoje a acusação de eufemismo tem mais uso do que a acusação de exagero. No fundo, o eufemismo é a hipérbole dos novos tempos. Tempos de controlo de danos. Saudade dos tempos danosos.

O Divã Disto Tudo II

A imagem do Estado

Poderíamos abordar a realidade pelo lado do ‘isto só visto’ , ou então pelo desabafo do ‘quem te visa teu amigo é’, no entanto parece claro que o Estado tem alguma dificuldade em vestir a sua pele e precisa sempre duma mãozinha que começa por ser invisível até estar à vista de todos.

Como muitas vezes no mundo maravilhoso dos negócios a pedra filosofal está na segmentação, e assim, no âmbito da vistocracia, deveriam ser criados vários tipos de vistos para cidadãos fora da comunidade por forma a acelerar a recuperação nacional no sentido da construção do 6º império face à inoperância do 5º.
Assim, deverão estar previstos vários tipos de vistos que acompanhariam o casamento entre as diversas oportunidades e as necessidades criadas pela vida contemporânea. A saber:

Visto Silver – destinado a mulheres estrangeiras que emprenhem pelo menos três vezes com sémen nacional. O filho mais esperto terá ainda direito a uma bolsa e será, depois de licenciado com os nossos impostos, exportado para a Alemanha na condição de repatriar 20% do seu salário.

Visto Gold – destinado a estrangeiros que levem de Portugal pelo menos 3 membros da família BES e que lhes dêem um banco para gerir lá na terra deles- na condição das offshores serem cá

Visto Platina – destinada a descendentes dos judeus expulsos de Portugal que comprem um apartamento na Graça. Posteriormente será definida a Faixa de Graça que será colocada na imprensa internacional como exemplo da capacidade de Portugal em resolver conflitos internacionais

Visto Rainbow – destinado a paneleiros que casem com paneleiros portugueses e assim façam cumprir a lei do acasalamento que parece não apresentar índices de adesão dignos dum país moderno. Por enquanto ainda terão de ir adoptar os filhos que a Angelina Jolie já não conseguir; a coisa pode vir a compor-se, mas sem compromisso.

Visto Yellow submarine – destinado a militares russos que tragam para Portugal os seus equipamentos, como caças, bombardeiros, corvetas ou submarinos, e os disponibilizem, entregando sem restrições às forças armadas portuguesas. Só serão considerados equipamentos que venham com o depósito cheio. No caso de ser um porta-aviões terá de vir também a dispensa abastecida e duas mudas de cama.

Visto White & Green – destinado a estrangeiros que comprem em Portugal um clube de Futebol com o compromisso de perder sempre com o Sporting

Red Visa – Destinado a meninas e senhoras (não exclusivamente tailandesas) que façam (e publicitem devidamente) o número do ovo-projectado-da crica usando apenas ovos provenientes de poedeiras nacionais.

O Divã Disto Tudo

a imagem do poder

Hoje, Carlos Amaral Dias, numa entrevista ao Jornal de Negócios, aborda a queda da família Espirito Santo como uma queda de imagem, de poder, como um partir do espelho, como uma ferida narcísica que não tem betadine prometeico que lhe valha.

A teologia moral moderna geralmente resolve estas questões dando a alguns pecados/vícios uma espécie de poder aglutinador que acaba por dispensar discursos ( e razões) mais longos. Abençoadas, assim, a ganância e a inveja que resultam óptimas para podermos passar à frente.

O chamado cidadão interessado e atento – aquilo, no fundo, que quase todos gostamos de ser reconhecidos como (apesar de Pires de Lima preferir o ‘cidadão que faz’) - tem então para escolher, a via psicanalítica ou a via moral, ou, os mais piquinhas, ficar ali a meio caminho, entre os sonhos de Sigmund e as Parábolas do Filho de Deus (o nosso utópico "werde was du bist" )

C.A.Dias (que aprecio e que, de longe, é o único pensador português que consegue competir com Lobo Antunes no campeonato das entrevistas – pena Amaral Dias ser demasiado inteligente senão era ele que ganhava o Nobel) avisa-nos que se não fosse a Branca de Neve ainda hoje a Rainha se sentiria a mais bonita do Reino. Ou seja, acaba por haver sempre um mito invisível que vem por cobro à indecência e levantar o véu da ganância, partindo os espelhos e deixando o phallus murcho.

«O poder cura no imaginário» diz CAD depois de ter deixado a entrevistadora (AMR) alarmada com o seu anterior «Não há nada que mais cure as pessoas do que o poder». Só que basicamente o poder é uma merda, mas aí já a psicanálise não se pode aventurar, pois procurando «banir as sombras arcaicas do irracionalismo e da fé no sobrenatural» (como escreveu G. Steiner na ‘Nostalgia do Absoluto) tem de fazer stop onde os irracionais e moralistas crentes entram, de Biblia em riste a cantar: «quando o fizestes a um dos meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes»


A educação cristã do olhar faz-nos focar antes a vida dos pequeninos. Infelizmente não conseguimos e estamos sempre a controlar o buraco da agulha para ver qual foi o último rico camelo que passou por lá - e como terá feito ele.

Parvosterona


Sabe-se da literatura, da televisão, da história, e dos jornais, que o poder corrompe, sabe-se também que o poder afasta da realidade (esta vai-se tornando cada vez mais difícil de suportar), sabe-se igualmente que isola, etc, etc, bla-bla. Aparentemente todos esses desligamentos (versão mais fina das alienações) podem ser condimentados – somos periodicamente relembrados disso – de alguma actividade glandular que torna os detentores do (algum) poder, por assim dizer, excêntricos (a versão fina de parvos). O que torna o capricho em personalidade, e a incompetência em distração, também pode, com a ajuda do fantástico mundo da metonímia, fazer com que a parvoíce se transforme em génio.

Ciclovia


Estando impedidos de criar – com cê grande – resta-nos definir ciclos, algo em que, diga-se, temos (nós, a humanidade pensante) mostrado uma competência bastante decente.

Claro que o rolo da história trata de os ir amalgamando com o decorrer do tempo; por exemplo, se hoje, e só depois do 25 de Abril, podemos encontrar o (i) ciclo pós revolucionário, (ii) o ciclo cavaco, (iii) o ciclo guterres, (iv) o ciclo sócrates e (v) o ciclo passos- troika (coitado, será que nem sequer vai ficar com um ciclo só dele?) daqui a uns anitos tudo isto não será mais do que um ciclo maiorzito (ao qual ainda se juntarão o (vi) período salazar e (vii) a primeira república – dos detrás – e mais uns quantos que ainda virão no futuros) que, se calhar, os nossos trinetos chamarão de grande ciclo bosta ou então ciclo maravilha, consoante a parte do copo para que estejam a olhar. Certo é que daqui a uns anos Salazar e Cunhal, Afonso Costa e o Cardeal Cerejeira, Gungunhana e Vasco Santana farão parte do mesmo descritivo da história, eventualmente até vizinhos no mesmo – e único - parágrafo.

Ora feito o devido e prévio desconto, vários condimentos da actualidade recente permitem-nos estabelecer que um ciclo(zinho) iniciado em 200? estará para terminar. Temos exemplos tipo geop’lítica: Obama a dar de frosques, os russos a fazerem cruzeiros na Natolândia, um terrorismo islâmico com pretensões de Estado; e temos exemplos tipo realit’show: o Gespatifado, os carapaus de corrida da PT a passarem a PTinga, metade do país rendido aos encanto$ dos herdeiros de agostinho neto e outra metade rendida aos encanto$ dos herdeiros de deng xiao ping; enfim, melhor melhor, só despachar o Estádio da Luz embrulhado por Christo (com Jesus lá dentro, obviamente) já que não conseguimos enfiar o Braz & Braz na Alibaba.

Há no entanto coisas que nunca mudam – e assim nos asseguram estarmos ainda no mesmo programa de computador : o Lobo Antunes continua a dar entrevistas (a pretexto de livros especializados e destinados a decorar estantes), e os cabeleireiros continuam a ser paneleiros. É o chamado denominador comum da História.

Então e qual é a melhor maneira de nos prepararmos para um novo ciclo? Sabermos que em princípio iremos cometer os mesmos (alegados) erros, só que desta vez serão chamados ‘medidas’. Saber que o preto voltará a ser branco, mas ‘branco sujo’. Saber que tudo será (felizmente) igual, mas desta feita (felizmente) ‘diferente’. Saber que de tudo sabemos sem nada saber; melhor é impossível.

On a billboard


Pela recente biografia de Philip Roth (de Claudia Pierpont) soube-se que ele flirtou ao de leve («briefly dated», é a expressão usada) Jackie Kennedy em 1964. Alegadamente terá sido convidado a subir depois de um jantar num restaurante e «when he finally kissed her, it was like kissing the face on a billboard» (pág. 45). Apesar de tal se ter passado entre duas pessoas famosas, e que não apresentarão deficit de variedade de beijos na vida, tenho para anunciar que todos e quaisquer beijos a uma mulher são, para um homem, beijos em ‘quadros de avisos’. Nenhuma mulher beija sem a intenção - mais ou menos declarada - de mostrar ao homem qual é o lugar dele, seja ele qual for. Felizes os que percebem os avisos - a tempo.

O Conde Corado


No reino tinha estalado o escândalo. O Conde deixara a noiva à beira do altar e fugira com uma amante estrangeira de seu nome Eurora. Várias razões, todas moralmente inválidas, saliente-se, eram invocadas nos mais diversos foros de coscuvilhice do reino, desde os oficiais (o parlamento do reino) até aqueles mais informais (o barbeiro de sua majestade, ou a dildograria das princesas solteiras) passando pelos clandestinos (o bordel da tia Conspurcácia, onde o Rei se abastecia regularmente de pecados, nos intervalos da virtude).

A escandaleira passou as etapas definidas pela praxe estabelecida no Grande Protocolo da Hipocrisia e, passado algum tempo, o Conde já dava entrevistas, de mão dada com Eurora, dissertando sobre o futuro do Reino e o seu enquadramento nas mais diversas galáxias, ao ritmo de suaves acenos de queixo providenciado por uma corte de fiéis semi-defuntos que aumentava de dia para dia, alimentada de subsídios e indulgências várias.

Mas Eurora era uma mulher ambiciosa e dada a excitações de vária índole. Cobiçada por muitos, temida por outros tantos, fazia razias de deboche por entre os mais diversos sultanatos, deixando por geografias várias um rasto de destruição na reputação no Conde. Este, ocupado com as suas propriedades e com o destino histórico do Reino, limitava-se a encolher os ombros, a alargar as costas e a exercitar de quando em vez os quadris sempre que a mulher o levava a despacho.

Entredentes corriam certezas sobre a sua impotência e incertezas sobre a sua úlcera. Aparentemente o duodeno não estava a acompanhar as exigências de um estadista em fase de corno. Ora Eurora também não lhe queira mal e quando o deixasse haveria de fazê-lo em beleza, dando-lhe a chance de mostrar a si mesmo o garanhão que galopava nas suas entranhas. Humilhante na traição mas magnânima no abandono.

Pegou mão das suas melhores lingeris, adornou-se com as suas melhores hormonas, colocou um avatar de Afrodite em cada curva do seu corpo e atraiu-o para a grande armadilha do prazer. O conde nem queria acreditar em tamanha revolução. Afinal tudo não passavam de mal entendidos e mexericos corroídos pela inveja. Ali estava ela estendida, como uma Mata-Hari de Calcutá, num altar de luxúria e reconciliação.

Mas eis que o mais temível movimento intravenoso aconteceu: quando ela se apresentou louca e disponível, frágil e devoradora, o sangue do Conde baralhou-se no tráfego e, em vez de se apresentar de rompante nos locais mais desejados pelo desejo, não, espalhou-se, qual delta de Nilo à beira de Mare Nostrum, pelas generosas bochechas do Conde, que terminaram a noite num hino ao mais belo entrecôte.

Quando o Rei o viu largou todos os seus afazeres, refazeres e desfazeres, e deu-lhe a medalha do Rosto Ejaculado do Reino.

[5] Deuteronómio


Haverá algo intermédio entre a bênção e a maldição? Este é o primeiro dilema do homem depois de ter a suspeita de que existe um Deus que possui algo que aproximamos a sentimentos, valores e justiça.

O homem foi-se construindo como um mamífero de compromissos. Desde que descobriu que o mal absoluto é algo que não está ao seu alcance tenta gerir a existência como um bem menor - andando de coligação em coligação.

Deverá Deus fazer um pacto com os Homens – era a questão que estava na ordem do dia. Não bastava a Natureza e seria preciso a Lei? No Céu desconhecia-se o significado da Lei até o homem ter andado de êxodo em êxodo, de exilio em exilio, de escravidão em escravidão, de rebelião em rebelião. Ou seja, o homem, antes que Deus pestanejasse, já O tinha tentado esquecer.

Haverá então algo intermédio entre a bênção e a maldição? Assim algo como ser viúvo sem nunca ter casado, ser órfão sem nunca ter sido filho? Ser ladrão sem nunca ter roubado? Ser perdoado sem nunca ter ofendido.

Quando Deus se coligou com o homem terá equacionado coligar-se antes com outro animal ou nós fomos a 1ª escolha? Felizmente Moisés não tinha dúvidas quando atravessou o Mar Vermelho, seguiu instruções do seu parceiro de coligação.

O homem, na sua evolução acompanhada (ou tutelada) descobriu que não conseguia viver isolado. Tinha (teve, tem, terá) várias companhias à sua disposição, foi-se organizando como pode, desde a Anarquia ao Estado absoluto, desde o oportunismo à utopia.

Quando Deus equacionou fazer uma aliança entre Ele e o povo que andava atrelado ao Moisés, estaria com receio que se perdesse o que já fora alcançado até à altura? Será que os homens têm mesmo – mesmo - consciência do que já alcançaram?

Tanta canseira para descobrir sempre que Deus é o nosso único Aliado. E na religião dos compromissos não há intermédios.

[4] Números


Mas quantos é que eles já são? perguntou Deus ao Anjo Lineu.

De facto Lineu nunca tinha pensado nisso. Será que teriam de controlar o ritmo de reprodução ou aquela invenção do Anjo Mendel sobre um tal de código genético paralelo à inseminação da alma transcendente seria suficiente para manter a população controlada.

Numa primeira contagem ficou alarmado: já eram muitos milhares. Será que a produção de almas acompanha isto, perguntou ele timidamente ao Altíssimo, que pela primeira vez chamou estúpido a um Anjo em plenas funções.

Mas organizam-se em tribos, acrescentou Lineu já a medo e suspeitando que estaria mesmo tudo previsto nas entrelinhas do Plano de Inseminação Transcendente de Almas… e criam relações estranhas entre eles: «amizade», «negócio», «sexo», e inclusive já ouvi uma ou outra referência a um tal de «amor». Será que do habilis para o sapiens deixámos escapar algum pormenor? Não tarda ainda inventam a civilização e nós nem damos por isso.

Cerca de 80% envolviam-se no processo de reprodução. Desses, cerca de metade, envolviam-se de corpo e alma no processo, mas a outra metade envolvia apenas o corpo. Ambos pariam com a mesma eficácia.

A rivalidade é um sentimento comum, cerca de 90% dos homens consideram – intimamente - que têm um rival, mas no que toca às mulheres há referências a um processo reprimido de emancipação. Haverá ajustes a fazer no PITA?

Começam as distinções entre povos escolhidos e povos deixados ao deus dará. Há referências explícitas a uns tais de «pagãos». Serão os que no juízo final vão pagar a conta?

Deixamos isto ir andando ao sabor do vento suão ou avançamos já com o Anjo Charles? Noutro dia lanchei com ele no Beagle e veio-me outra vez com a ideia de introduzirmos a tal de «seleção natural» no Programa.

Estou indeciso entre isso e aquela coisa da «luta de classes» de que fala o Anjo Karl. Mas para já deixamos isto ao Deus dará e pomos o Anjo Malthus a fazer as contas.

[3] Levítico


A vida de primata esclarecido não se apresentava fácil. O grupo de prepúcio free evidenciava comportamentos que não seriam expectáveis depois de tantas provas da presença de Deus. «Ah e que tal dar-lhes umas quantas regras para cumprir», avançou o Anjo Taxonomista.

Não faltará muito para aparecer alguém a dizer com ar de sábio que o homem é o lobo do homem, para já haveria que esgotar as possibilidades de serem todos cordeiros.

Aparentemente a alma transcendente trouxera uma revolução ao corpo mas estava a chegar com mais dificuldade aos apêndices. O diabo está nas extremidades, avançava Lineu.

A espessura da fronteira entre a tolerância e a promiscuidade é uma bênção para os contrabandistas de costumes e o Altíssimo temia que a seguir à criação de qualquer moral aparecessem rapidamente as contrafacções a ocupar uma franja importante de volátil mercado da moralidade.  

Mas é impossível resistir ao impulso legislador e um descendente de macacos com uma arca da aliança ao lombo tem mesmo é de se dedicar à obediência. A profissão mais antiga do mundo é desobedecer ao Criador.

A relação entre o homem e a mulher é do foro político. A sexualidade é apenas uma componente dos acordos de incidência parlamentar: no meio da luta há que estabelecer um mínimo de relaxamento.

A relação entre o prazer e a reprodução é pendular e da mesma natureza que a relação entre o acessório e o essencial. Como estes conceitos estão sempre em movimento estamos impossibilitados de os fixar de forma permanente.

A amizade é um conceito indefinível, nem sequer é circunstancial. Todavia pode abordar-se por defeito: Homem que não fornique com amiga é de homem de desconfiar. Homem que fornique com amiga tem de pagar um preço. A confiança é o bem de mais alto preço

O ciúme é um bem escasso e raramente se encontra em estado puro. Cobiça, inveja, ressabiamento, despeito e desilusão estão sempre à espreita para atacar. A pureza, tal como no diamante, está no sofrimento, na dureza.

Quando a liberdade foi pensada por Deus os homens eram todos lobos. Já com o Processo de Inseminação Transcendental de Almas em pleno funcionamento começaram a aparecer os cordeiros. Não há seleção natural que resista a isto. Apenas Deus pôde garantir que nos aguentássemos.

A mulher é o lobo do homem. Ataca na lua nova.

[2] Êxodo

Já estávamos bem dentro do segundo milénio antes da vinda do Redentor, (para fazer um stress test de campo ao funcionamento do Plano de Inseminação Transcendente de Almas) quando, para as bandas das margens do Nilo, um povo, que estava a servir de amostra numa análise de comportamento levada a cabo por uma comissão de acompanhamento nomeada pelo Anjo Lineu, decidiu armar barafunda.

Em princípio, estava previsto no PITA que, a dada altura, se teria de perceber se o homem tinha capacidade ou não de pôr de lado as evidências e entregar-se – de corpo e alma - àquilo que se chamava ‘Vontade de Deus’. Ou seja, teria a inseminação da alma transcendente colocado o corpo em sentido, ou os resíduos de homo habilis que residiam no sapiens ainda tinham muito peso? Era o homo sapiens ainda um mamífero com uma alma em ovulação, ou estávamos já a falar de potenciais filhos de Deus com algumas reservas de vida selvagem?

A capacidade (tendência) humana de unir esforços seria superior à pulsão de isolamento. Confiar seria mais natural que desconfiar. Resistir seria mais comum que atacar. Mas não havia dúvida que isto de meter ‘uma alma de PITA’ num corpo nunca havia sido testado e eram imprevisíveis as relações que se estabeleceriam nestes novos mamíferos transcendentados (com uma dentada de transcendência) , seja entre eles, seja com os outros animais, fossem estes gatos amestrados, melgas sedentas de plasma, ou serpentes de estômago elástico e contrato assinado com o discovery channel.

Gostariam os homens do jugo protetor de outros homens, prefeririam eles a incerteza da liberdade individual, ou tenderiam apenas para olhar sempre para ver o que estava a fazer o vizinho do lado? Nem uma temporada a banhos no Nilo deu para perceber. Talvez os ares do mediterrâneo fossem melhores que os do mar vermelho.

O aparente Dilema de Deus não era de menor envergadura: mostro-Me mais ou jogo às escondidas? Jogamos às tabuinhas da Lei ou enfio-lhes com meia dúzia de profecias arrasadoras no bucho?

O anjo Lineu ainda desabafou ao Altíssimo: só sei que cada praga está a custar-nos para cima de um dinheirão, sinto que estamos a empurrar o Juízo Final com a barriga. «Não te dei asas para teres sentimentos», foi a Divina resposta.

[1] Genesis

Vai para coisa de 100 mil anos que o Criador, já sem paciência para a evolução das espécies, entendeu reunir de urgência com o Anjo Taxonomista (São Lineu de Toba) para decidirem semi-democraticamente se estava ou não na altura de avançar para o já planeado Processo de Inseminação Transcendente de Almas (PITA) com/em alguma das espécies existente.

Aparentemente os dinossauros tinham falhado redondamente nas componentes emocionais, o chimpazé não se revelara especialmente motivado fora do que o seu rabo pelado alcançasse, os australopitecos apresentaram-se incompetentes para arte em geral e o desenho em perspetiva em particular, o neanderdal fora uma desilusão a trabalhar com o polegar, mas o homo sapiens, mesmo não podendo ver um rabo de saias, parecia cumprir os mínimos.

São Lineu insistia em esperarem mais um pouco para ver se a seleção natural produzia algum milagre, mas Deus Nosso Senhor estava ansioso e com mais que fazer; com o tempo haveria de se ir compondo o que agora resultasse de alguma precipitação, tanto mais que a «cartada da Redenção ainda estava por jogar» ruminava-lhe o Espirito Santo (Íntima Pessoa de infinita paciência mas com combustão de curto pavio)

Foi escolhido rapidamente um exemplar que se dedicava a descascar pistachios ali para o lado da Suméria e que rapidamente – potenciado por uma alma de encomenda e ainda fresquinha - se começou a destacar dos primos face a uma sensibilidade nunca vista para as manifestações mais parvas da natureza, desde o pôr-do-sol ao orvalho matinal, passando pela maçã reineta e as gajas.

Já não havia hipótese de voltar atrás, Lucifer e a sua Corte estavam à espreita de deslizes com olhar maroto, e agora era tentar ir aperfeiçoando a coisa, mais dilúvio menos dilúvio, mais sodoma menos sodoma, mais Lenine menos Lenine.

A maior parte das vicissitudes – nome técnico usado no Paraíso para merdas - da nova espécie estavam mais ou menos previstas no Manual da PITA, e São Lineu foi acompanhando a operação com zelo e pragmatismo. Assim, quando Abraão aparece no cimo do monte pronto a dar uma arrochada no puto o Altíssimo intervém célere e manda-o seguir com a marinha, um dia no olival e outro na vinha (versão agrária de um dia com a noiva outro com a vizinha - porque isto das tribos é bonito mas dá muito trabalho)

Já se sabia que a Inseminação Transcendente de Almas era um processo que apresentava uma vertente mimética bastante acentuada e assim o homem haveria de evoluir para uma, digamos, condição política (como se sabe hoje, no Céu, onde a ciência e a arte são desnecessárias, tudo é politica).

Uma coisa era certa desde o início, Deus Nosso Senhor teria de cá vir porque não se fazem coligações sem ovos. Mas primeiro há que dar lugar aos profetas porque «se já se gastou o dinheiro com eles temos que lhes dar alguma coisa para fazer» avisou Lineu, que era bom Anjo mas sofria de espandilose e era alérgico a pistachio.

Boletim Cínico


O novo dicionário não ilustrado volta após largos meses de ausência para celebrar o nosso primeiro ponto no mundial que, de todo o modo, me parece ferido de inconstitucionalidade; vejamos como, através do nosso onze ideal:

O Ligamento cruzado – Tipo de ligamento que se insere entre a inconstitucionalidade e o mau feitio e que geralmente só descruza quando rompe, mesmo sem acordão.

O Adutor – músculo bastante usado nas exportações e que quando entra em deficit nos faz olhar mais para o lado interior da economia coxa.

O Tendão de Aquiles – Parte mais exposta de qualquer regime politico que sofre bastante com a famosa legitimidade mas que vive protegido por uma espécie de caneleira chamada legalidade.

Os Gémeos – músculos especialmente dedicados à astrologia e que só encontram sossego quando o Emprego estiver em Marte e o Crescimento em Vénus.

O Menisco – Protecções fornecidas pelos mercados para que as eventuais inconstitucionalidades possam ser torneadas sem ter de ajoelhar perante o povo

O Estiramento da coxa – esforço na base, ou tecido, produtivo que, ao insistir na produtividade, acaba agarrado à sobrevivência

A Pubalgia – tipo de inflamação informativa que transforma uma campanha de imagem numa má manobra publicitária
A Contratura – tipo de pancada que faz uma exceção tornar-se num contraciclo

A Rotura – tipo de movimento recessivo que faz uma anemia virar espiral sem passar por bolha.

A Tendinite – tipo de repetição que transforma um acontecimento isolado numa tendência

A Mialgia na região posterior direita  – Falhanço na política de regionalização e consequente viragem à esquerda

Iasnaia Poliana


Ela não precisa sequer que eu a ame, ela apenas precisa de uma coisa: que as outras pessoas pensem que eu a amo.

Mar de azov #10

Vladimir I agora só tem que se preocupar em não apanhar nenhuma pneumonia, como este

Nicolau I

Mar de azov #8


Calma, porque como dizia o bom do já citado WSC, os americanos acabam sempre por escolher a solução correcta depois de ter esgotado todas as outras.

Mar de azov #7


Em Viena, por volta de 1915, corria uma anedota que dizia: apareceu Franz Ferdinand vivo, afinal a guerra foi um erro.

Mar de Azov #6

Para cada sanção haverá uma dalila.

Mar de Azov #5


Quando Catarina a Grande limpou (ou Orlov limpou por ela) o sebo ao marido, fez informar à Europa que ele tinha morrido de hemorroidas. Vinte anos depois, o seu querido Potemkine, de rabinho são, entregava-lhe a Crimeia embrulhada em papel de fantasia.

Mar de Azov #4

"... is a riddle wrapped in a mystery inside an enigma" WSC

Mar de Azov #3

O lado mais sexy da Crimea crisis é ouvir a Amanpour a pronunciar fait accompli.
'What kind of a guy is he" quando se referia a Sergei Lavrov fica logo a seguir.

Mar de Azov #2 - Classificados


Procura-se russo sóbrio e de boa aparência para fazer de franz ferdinand. Bigodes opcionais. Assunto sério.

Mar de Azov #1


Todas as gerações têm direito à sua crise dos mísseis. Poderemos até dizer que a Crimeia é uma promoção face a Cuba. Onde Nicolau sonhou ir passar a sua reforma mais a sua Xaninha depois de abdicar, não fora outro Vladimir, o Ulianov, ter decidido não correr riscos. A partir de agora quem quiser ir a banhos a Yalta e for mascarado de Kerensky na melhor das hipóteses pode acabar a dar conferências na Califórnia.

Freudalismo Mágico #1


As mulheres só dizem a verdade quando estão histéricas

Lou Rita Andreas-Salomé Ferro

Grocery


O regime procura desesperadamente uma nova amália. Depois do falhanço com rosa mota e do eclipse rápido de vanessa fernandes, - esgotando assim o filão da corrida de fundo - nunca tendo chegado a sedimentar a iconografia oxigenada de marisa, assumiu o nosso orfanato musical e virou-se para as artes plásticas. Tenta agora segurar o efeito joana vasconcelos. Tem aparentemente tudo para virar popular, e passar sem envergonhar especialmente as elites, portanto não se pode perder a ocasião de testar o boneco. Queimamos ícones com o mesmo ritmo que se queimam putativos presidentes do bes ou pontas de lança no sporting, mas a vida é mesmo assim, sem se abrir o melão nunca se vai saber se é doce ou não. É muito ingrata a profissão de merceeiros da democracia.

chuva em janeiro amor em fevereiro


An Old Tibetan Carpet

Your soul that's sewn in love and mine
Threads in Carpet-Tibet-Land entwine.
Colours in love, ray within ray,

Stars courting each other across the sky.

Our feet rest on such weaving rare

Thousands-on-thousands-of stitches-far.

On musk-plant-throne, sweet Lama's son,

How long do my lips kiss your lips

And cheek to cheek as brightly-buttoned seasons run?


Else Lasker-Schüler  vivia já na indigência após divórcios sucessivos arrastando o seu filho, quando Franz Marc e Karl Krauss organizaram em Munique um leilão com pinturas oferecidas pelas nata expressionista da época (estamos em fevereiro de 1913), EL Kirchner, E Nolde, K Schimidt-Rottluff, O Kokoschka, P Klee, A. Macke, A Jawlensky, Kandinsky, etc. Ninguém comprou nada. Os artistas, para evitar o embaraço, e sem tempo para solicitar os serviços da Christie’s, licitaram as obras uns dos outros e reuniram à volta de 1.600 marcos para a rapariga. Hoje valeriam 50 mirós, 100 vá.
 

Os Escuteiros Mirós


Huguinho, Zézinho e Luisinho tinham como missão ajudar países em dificuldades a atravessar as troikas. Um dia viram Portugal a tentar passar pelo euro fora da passadeira e decidiram emprestar-lhe uma bengala feita de tsu’s entrelaçados em ratings. Mas nada feito, iria ser atropelado. Já no chão, apiedaram-se do pobre país e decidiram ajudá-lo fazendo uns trabalhos manuais no intervalo da catequese para que os missionários da austeridade os levassem e vendessem nos países dos ricos. Huguinho fez uma nossa senhora de Fátima em cortiça encastrada num mini altar de latas de sardinha, Zezinho fez um cristiano Ronaldo com restos de bolachas maria que sobejaram do banco alimentar, amassadas em molho coalhado de bitoque, e Luisinho pintou umas naturezas mortas com peras rocha vestidas de minhota. Teria sido um sucesso não fora uma providência cautelar de mme canavilhas dizendo com a arte não se brinca.

Clownfunding


Depois do sucesso da operação de crowdfunding que se mostrou ser o nosso irs para a fazenda nacional, e face aos últimos desenvolvimentos da realidade, também chamados de actualidade, penso que se abriu o caminho para criar uma nova forma de financiamento ligada à palhaçada produzida constantemente pela bolha das notícias. Descoberta a nossa vocação científica mais recente, a panteaologia, cada português deve agora dedicar uma parte do seu tempo e talento a discernir quais os féretros que merecem ou não arrendamento vitalício em local de pompa & destaque. Depois de dada esta contribuição para o bem-estar da nação consigo própria (todos podemos ser alain’s botton da pátria), devemos concentrar a nossa wisdom of the crowds no discernimento de todas as possibilidades (versão moderna de direitos) ainda não totalmente ao dispor da paneleiragem, para que estes se sintam benzinho, confortáveis e inclusivamente sem necessidade de planos cautelares. Sendo certo que esta será uma batalha sem fim, pois haverá sempre um paneleiro que se sentirá marginalizado por não estar a ser sodomizado em condições pelos do seu género, julgo que para intercalar poderemos dedicar-nos a decidir quais os meios de transporte que um chefe de estado poderá usar com dignidade para uma escapadela da primeira dama e, se é certo que a lambreta está completamente afastada, apanhar a carreira 28 ou o cacilheiro ainda parecem opções perfeitamente referendáveis. E como não há palhaçada que sobreviva sem drama, a realidade encarregou-se de o ir desencantar nas praxes das ondas do mar. Mas nada disto faria sentido se Rebelo de Sousa não nos brindasse ainda com mais uma pirueta, tendo inclusivamente prometido que se tiver amantes as leva todas as tardes aos pastéis de belém e de mão dada. O povo então que decida: ou quer uns gatafunhos do miró na mão ou dois paneleiros a voar. Valha-nos Sãoramago, agora entre os anjos a amaldiçoar as forças do mercado.