Podia ser desilusão, ou frustração, ou engano, despeito até,
ou desespero, ou raiva, mera irritação, mas nenhuma destas explicações cobria os
seus reais sentimentos. Rodrigo não sabia o que fazer com o que sentia depois
de tantos anos para descobrir que afinal Sofia não o queria. Era um botânico
afamado, tinha revelado ao mundo muitas novas espécies, aromas, cores, até
havia uma forma geométrica que se tinha apropriado do seu nome, o rodriguezio, duma
pétala de cinco lados rectos e quatro curvos que ele tinha encontrado numa planta
moçambicana, até aí desconhecida, e quase parecia uma pétala que se podia
vestir, nuns dias armadura, noutros dias corpete.
Fechou-se na sua estufa e procurou a resposta naqueles seres
que, mesmo fustigados pelas intempéries, sabiam adaptar-se às circunstâncias,
mais ou menos clorofila, mais ou menos polinização, mais ou menos enxerto.
Certamente as flores seriam capazes de lhe dar a resposta.
Pegou no exemplar de malmequer mais antigo que tinha e pediu-lhe para se
transformar em apenas não-me-quer. Regou-o, mudou de terra, testou vários
fertilizantes, diferentes tempos e ângulos de exposição ao sol, níveis de
humidade, e rezou ao tempo, o deus das flores.
Algumas semanas depois Rodrigo tinha a flor que lhe mostrava
o não-me-quer de Sofia. Umas pétalas brilhantes dum lado e baças de outro, numas
zonas enroladas para dentro, afastando-o, noutras com um recorte laminado,
ameaçando fatiá-lo em postas se lhe pusesse as mãos sem perguntar primeiro.
Olhou para elas com cuidado, procurando os segredos do não-querer e tentando
descobrir como lidar com eles. Pegou em cada uma das pétalas com um cuidado
dessexuado mas lúbrico, depositou-as em cima dum papel de branco lunar e
apontou-lhes uma luz arroxeada, pascal, plena de intensidade curiosa e fatal como
só a luz religiosa consegue ter.
E viu então o não-te-quero de Sofia. Ali explicado tim-tim
por tim-tim, numa eloquência vegetal, imóvel como uma metafisica medieval: faltava
a Rodrigo substância para atrair Sofia, todo ele era forma, estilo, simples desconteúdo,
todo ele era um apenas apenas, um insuficiente.
Já não precisava de se sentir nem desiludido, nem irritado,
nem frustrado, nem enganado, nem abandonado, nem sequer havia receio de ser mal
parecido, bastava sentir-se desaparecido.
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