[1] Genesis

Vai para coisa de 100 mil anos que o Criador, já sem paciência para a evolução das espécies, entendeu reunir de urgência com o Anjo Taxonomista (São Lineu de Toba) para decidirem semi-democraticamente se estava ou não na altura de avançar para o já planeado Processo de Inseminação Transcendente de Almas (PITA) com/em alguma das espécies existente.

Aparentemente os dinossauros tinham falhado redondamente nas componentes emocionais, o chimpazé não se revelara especialmente motivado fora do que o seu rabo pelado alcançasse, os australopitecos apresentaram-se incompetentes para arte em geral e o desenho em perspetiva em particular, o neanderdal fora uma desilusão a trabalhar com o polegar, mas o homo sapiens, mesmo não podendo ver um rabo de saias, parecia cumprir os mínimos.

São Lineu insistia em esperarem mais um pouco para ver se a seleção natural produzia algum milagre, mas Deus Nosso Senhor estava ansioso e com mais que fazer; com o tempo haveria de se ir compondo o que agora resultasse de alguma precipitação, tanto mais que a «cartada da Redenção ainda estava por jogar» ruminava-lhe o Espirito Santo (Íntima Pessoa de infinita paciência mas com combustão de curto pavio)

Foi escolhido rapidamente um exemplar que se dedicava a descascar pistachios ali para o lado da Suméria e que rapidamente – potenciado por uma alma de encomenda e ainda fresquinha - se começou a destacar dos primos face a uma sensibilidade nunca vista para as manifestações mais parvas da natureza, desde o pôr-do-sol ao orvalho matinal, passando pela maçã reineta e as gajas.

Já não havia hipótese de voltar atrás, Lucifer e a sua Corte estavam à espreita de deslizes com olhar maroto, e agora era tentar ir aperfeiçoando a coisa, mais dilúvio menos dilúvio, mais sodoma menos sodoma, mais Lenine menos Lenine.

A maior parte das vicissitudes – nome técnico usado no Paraíso para merdas - da nova espécie estavam mais ou menos previstas no Manual da PITA, e São Lineu foi acompanhando a operação com zelo e pragmatismo. Assim, quando Abraão aparece no cimo do monte pronto a dar uma arrochada no puto o Altíssimo intervém célere e manda-o seguir com a marinha, um dia no olival e outro na vinha (versão agrária de um dia com a noiva outro com a vizinha - porque isto das tribos é bonito mas dá muito trabalho)

Já se sabia que a Inseminação Transcendente de Almas era um processo que apresentava uma vertente mimética bastante acentuada e assim o homem haveria de evoluir para uma, digamos, condição política (como se sabe hoje, no Céu, onde a ciência e a arte são desnecessárias, tudo é politica).

Uma coisa era certa desde o início, Deus Nosso Senhor teria de cá vir porque não se fazem coligações sem ovos. Mas primeiro há que dar lugar aos profetas porque «se já se gastou o dinheiro com eles temos que lhes dar alguma coisa para fazer» avisou Lineu, que era bom Anjo mas sofria de espandilose e era alérgico a pistachio.

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