Vai para coisa de 100 mil anos que o Criador, já sem
paciência para a evolução das espécies, entendeu reunir de urgência com o Anjo
Taxonomista (São Lineu de Toba) para decidirem semi-democraticamente se estava
ou não na altura de avançar para o já planeado Processo de Inseminação Transcendente
de Almas (PITA) com/em alguma das espécies existente.
Aparentemente os dinossauros tinham falhado redondamente nas
componentes emocionais, o chimpazé não se revelara especialmente motivado fora
do que o seu rabo pelado alcançasse, os australopitecos apresentaram-se incompetentes
para arte em geral e o desenho em perspetiva em particular, o neanderdal fora uma desilusão a trabalhar com
o polegar, mas o homo sapiens, mesmo não podendo ver um rabo de saias, parecia
cumprir os mínimos.
São Lineu insistia em esperarem mais um pouco para ver se a
seleção natural produzia algum milagre, mas Deus Nosso Senhor estava ansioso e
com mais que fazer; com o tempo haveria de se ir compondo o que agora resultasse
de alguma precipitação, tanto mais que a «cartada da Redenção ainda estava por
jogar» ruminava-lhe o Espirito Santo (Íntima Pessoa de infinita paciência mas
com combustão de curto pavio)
Foi escolhido rapidamente um exemplar que se dedicava a
descascar pistachios ali para o lado da Suméria e que rapidamente – potenciado por
uma alma de encomenda e ainda fresquinha - se começou a destacar dos primos face a uma sensibilidade nunca
vista para as manifestações mais parvas da natureza, desde o pôr-do-sol ao
orvalho matinal, passando pela maçã reineta e as gajas.
Já não havia hipótese de voltar atrás, Lucifer e a sua Corte
estavam à espreita de deslizes com olhar maroto, e agora era tentar ir
aperfeiçoando a coisa, mais dilúvio menos dilúvio, mais sodoma menos sodoma,
mais Lenine menos Lenine.
A maior parte das vicissitudes – nome técnico usado no Paraíso
para merdas - da nova espécie estavam
mais ou menos previstas no Manual da PITA, e São Lineu foi acompanhando a
operação com zelo e pragmatismo. Assim, quando Abraão aparece no cimo do monte
pronto a dar uma arrochada no puto o Altíssimo intervém célere e manda-o seguir
com a marinha, um dia no olival e outro na vinha (versão agrária de um dia com
a noiva outro com a vizinha - porque isto das tribos é bonito mas dá muito
trabalho)
Já se sabia que a Inseminação Transcendente de Almas era um
processo que apresentava uma vertente mimética bastante acentuada e assim o homem
haveria de evoluir para uma, digamos, condição
política (como se sabe hoje, no Céu, onde a ciência e a arte são
desnecessárias, tudo é politica).
Uma coisa era certa desde o início, Deus Nosso Senhor teria
de cá vir porque não se fazem coligações sem ovos. Mas primeiro há que dar
lugar aos profetas porque «se já se gastou o dinheiro com eles temos que lhes
dar alguma coisa para fazer» avisou Lineu, que era bom Anjo mas sofria de espandilose
e era alérgico a pistachio.
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