Adormeci a pensar que detesto comer. Detesto inclusivamente aquela
paneleirice do sabor, do empratamento, da novidade, da experimentação. Da
comida que nos fazia a nossa avozinha! Quero lá saber do que me fazia a minha
avozinha. Até sentir fome me traz desconforto, irritação. E depois de comer: nenhuma
memória, apenas enfartamento. Japoneses, Tailandeses, fusões, michelins, só resta
fastio: puta que os pariu. Acredito na comida apenas como fonte de negócio,
aproveitando as fraquezas humanas: a vaidade, a necessidade de afirmação
social, a necessidade de companhia. Viro-me na cama. São três da manhã e sou
apenas uma concha de espinafres com sésamo ao lado de um bocado de enzimas em
repouso que é a minha mulher. Valeram as
anedotas, apenas as boas anedotas salvam a comida que as acompanha. Detesto
contar anedotas, adoro ouvir. Absurdas, repetidas, básicas, exuberantemente
ordinárias como aquele vison que às mãos do casado de fresco lhe pareceu tudo
cona. Alguma ventresca de atum vale um vison apalpado que nem cona? Assim não
consigo dormir. Tinham posto à prova a minha lendária (auto-apregoada, leia-se) capacidade de aguentar o sarcasmo. Vacilei. O vinho também não me ajuda. É impossível porem-me a falar
muito com álcool. Fico parecido com o cabrão do kierkegaard e à sobremesa já
todos querem que eu lhes informe quando vai ser o fim do mundo. Mas eu digo-lhes
que o fim do mundo não interessa nem ao menino Jesus. Afinal é Natal. Cinco da
manhã e é quase Natal. O primeiro Natal sem a minha Mãe. Não me lembro de nenhum
prato feito pela minha Mãe. Abençoada por me fazer lutar pela sua memória todos
os dias; e noites.
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2 comentários:
hummm, longe vão os tempos em q se gloriava por aqui um arrozinho de ligueirão... :)
Bem...o lingueirão continua com um cantinho no meu coração! :)
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