Q’ridacionismo
Deus foi sempre um querido desde o princípio. Deixou primeiro o homem espalhar-se ao comprido e, só depois lhe fazer ver que da sua costela nunca mais iria sair um chispe em condições, mas antes moça atrevida e insinuante, fez dele um objecto para constante invenção (apesar do Foucault, julgo, ter dito que o homem é uma invenção recente) e intermitente condimentação.
Esta ideia divina dum casal primordial acho boa demais para ser apenas metafórica. Penso que a meio dos sete dias, da meia noite de quarta para quinta feira, aproximadamente, Deus terá chegado a congeminar uma comunidade de sexo e amor livre ali entre o corno de África e a virilha do Golfo Pérsico, tendo feito o primeiro teste com duas nederdalas, três cromagnons, quatro bambis e uma ninhada de cabras montesas, mas a imaginação e vitalidade da espécie em formação mostrou-se logo apurada e o resultado foi um fascinante rebanho de capri sapens e simius fabers, que acabaram por se desavir por causa duma discussão de cariz epistemológico em torno do genoma da batata doce que revelava uma enorme parecença com um penduricalho que os machos transportavam entre as pernas e que os atrapalhava na apanha da hortelã (por causa da curiosidade dos mosquitos) e na cultura do bichos da seda (as fêmeas rapidamente começaram a exigir cortinados nas grutas).
Nesta altura Deus foi mais uma vez um querido, pensou imediatamente nos biólogos, achou aquilo diversidade e riqueza de espécies a mais, a futura ciência da bricolage da célula e da fotosintese do bróculo nunca estaria preparada para tamanha profusão de dados e combinações genomeicas e, depois dum churrasco de codornizes, organizou um degelo rápido, mais uma daquelas deslocações de placas na subcave dos oceanos (género botox geológico, porque os geólogos também são gente) e passou a uma nova fase que achou mais segura, levando consigo um dos cromagnons enxertado a papa fomigas que se tinha mostrado mais tímido e amante de borboletas e sudokus.
O esquema que Deus tinha preparado para a dita criatura era uma coisa calma, depilada, com pequeno almoço a horas fixas e reprodução com base em esperma recolhido quinzenalmente e envelhecido em cascos de carvalho, juntamente com um cheirinho de moscatel da arrábida (serra entretanto descoberta pelo cromagnon, onde aproveitou para tirar cimento e reparar as fissuras nas grutas) e ovulada em casulos de abelha africana. Não era nada que Deus Nosso Senhor não estivesse à espera, mas a dita criatura foi-se afeiçoando à boa vida e a certa altura era já o Criador que andava a toque de caixa a fazer-lhe a papinha toda, e a satisfazer-lhe as paneleirices mais refinadas. No fundo aquilo era a natureza humana num estádio mais avançado; havia que recuar, notava-se que faltava qualquer etapa no processo, tinha-se passado do bairro da badalhoquice para o da paneleirice sem passar pela rua augusta. Poderia dizer-se que sim, que já batia um coração, mas mais parecia um aspirante a imperador de bizâncio, do que um ser que pudesse vir a ter a benção da fernanda câncio.
O lado querido de Deus veio então novamente a revelar-se nesse momento crítico para a human kind. Olhou para o espécime que tinha à sua frente e tentou descortinar-lhe um órgão que se apropriasse ao servicinho que tinha em mente. Este apresentava mão na anca, queixo empinado, o rabo ligeiramente pelado e um órgão periférico, flácido, de aparência inútil e de facto muito pouco usado, tirando, em momentos de excitação, servir de marcador nos livros do saramago. A escolha parecia lógica, mas, lá está, Deus é por isso que é Deus, e foi-lhe à costela, num acto de magnanimidade que nunca saberemos agradecer devidamente.
O primeiro objectivo era um refogado simples, ali algo entre o entrecosto e a rinzada, mas Deus, atento e preocupado, tinha reparado que com uma das nederdalas e um cabrito montês se tinha proporcionado um momento de confraternização de registo enternecedor e talvez estivesse aí a chave do sucesso para a espécie, que não havia maneira de estabilizar, e ainda não se tinham inventado nem luta de classes nem as tampas de sanita.
O famoso ‘plano divino do casal de pombinhos’ – como depois se veio a chamar, até ao dia em que Abraão deu um enxerto na mulher pois esta não havia maneira desta parir nem à porrada – que inclusive teve de ser bem negociado com a corte de querubins ( que em troca exigiram poder aparecer sem prepúcio cortado nos frescos da Renascença) visava criar uma traçabilidade na espécie - um Deus moderno, registe-se - por forma a que qualquer defeito posterior pudesse ser devidamente analisado e corrigido e não se diluísse, face à endémica necessidade de bodes expiatórios, por um emaranhado de tribos distribuidoras de coliformes fecais pelos entrefolhos das cordilheiras mais recônditas da pangeia. Este processo ficou conhecido como a norma ISO Genesis do 7º dia, mas um contador de búzios frustado chamado darwin (que apenas conseguiu vender um único colar – e ainda teve de lhe enfiar dois ossos de leão marinho - por três xelins a uma viúva estrábica em Camberra) veio a chamar-lhe origem das espécies/selecção natural, ou seja, um género de pauta de exame ad hoc para licenciaturas em engenharia civil.
Voltando ao casalinho. Deus, querido, mas querido mesmo, podia ter aperfeiçoado a nederdala logo no refogado inicial, mas não, pôs à solta um ser curioso, cromossomaticamente monocórdico, mas que pudesse colocar ao descosteletizado macho desafios paradoxais de índole psicossomática, ou seja: nunca a entenderia, mas isso também nunca chegaria a ser preciso, tal a velocidade com que o homem atingia a fase espumante do seu peculiar processo de fermentação hormonal. Entre eles nunca haveria selecção natural, tal como nunca poderia haver o bitoque sem o bife e sem o ovo a cavalo, e viveriam sempre um para o outro, sob a ameaça do croquete do dia seguinte, é certo, mas libertos daquela ansiedade de que uma orangotanga gaiteira ou um gorila gingão lhes viessem tirar o lugar de primogénitos à mesa da criação.
Esta ideia querida do casal fundador e fecundador, da cópula prima da espécie, parece-me perfeitamente plausível - tal como qualquer família tem o seu pão de ló seminal, ou as suas primeiras iscas – ainda para mais se considerarmos então que o Criador chegou a testar as outras hipóteses intermédias, mas terá verificado que, ao deixar a alma humana para uma fase posterior à dos vulcões, das anémonas, do ácido sulfúrico e das pétalas de rosa, esta, inevitavelmente, poderia assimilar um pouco de tudo, ou seja: seria explosiva, mas acomodada, enxofrada, mas sedutora.
Deus foi sempre um querido desde o princípio. Deixou primeiro o homem espalhar-se ao comprido e, só depois lhe fazer ver que da sua costela nunca mais iria sair um chispe em condições, mas antes moça atrevida e insinuante, fez dele um objecto para constante invenção (apesar do Foucault, julgo, ter dito que o homem é uma invenção recente) e intermitente condimentação.
Esta ideia divina dum casal primordial acho boa demais para ser apenas metafórica. Penso que a meio dos sete dias, da meia noite de quarta para quinta feira, aproximadamente, Deus terá chegado a congeminar uma comunidade de sexo e amor livre ali entre o corno de África e a virilha do Golfo Pérsico, tendo feito o primeiro teste com duas nederdalas, três cromagnons, quatro bambis e uma ninhada de cabras montesas, mas a imaginação e vitalidade da espécie em formação mostrou-se logo apurada e o resultado foi um fascinante rebanho de capri sapens e simius fabers, que acabaram por se desavir por causa duma discussão de cariz epistemológico em torno do genoma da batata doce que revelava uma enorme parecença com um penduricalho que os machos transportavam entre as pernas e que os atrapalhava na apanha da hortelã (por causa da curiosidade dos mosquitos) e na cultura do bichos da seda (as fêmeas rapidamente começaram a exigir cortinados nas grutas).
Nesta altura Deus foi mais uma vez um querido, pensou imediatamente nos biólogos, achou aquilo diversidade e riqueza de espécies a mais, a futura ciência da bricolage da célula e da fotosintese do bróculo nunca estaria preparada para tamanha profusão de dados e combinações genomeicas e, depois dum churrasco de codornizes, organizou um degelo rápido, mais uma daquelas deslocações de placas na subcave dos oceanos (género botox geológico, porque os geólogos também são gente) e passou a uma nova fase que achou mais segura, levando consigo um dos cromagnons enxertado a papa fomigas que se tinha mostrado mais tímido e amante de borboletas e sudokus.
O esquema que Deus tinha preparado para a dita criatura era uma coisa calma, depilada, com pequeno almoço a horas fixas e reprodução com base em esperma recolhido quinzenalmente e envelhecido em cascos de carvalho, juntamente com um cheirinho de moscatel da arrábida (serra entretanto descoberta pelo cromagnon, onde aproveitou para tirar cimento e reparar as fissuras nas grutas) e ovulada em casulos de abelha africana. Não era nada que Deus Nosso Senhor não estivesse à espera, mas a dita criatura foi-se afeiçoando à boa vida e a certa altura era já o Criador que andava a toque de caixa a fazer-lhe a papinha toda, e a satisfazer-lhe as paneleirices mais refinadas. No fundo aquilo era a natureza humana num estádio mais avançado; havia que recuar, notava-se que faltava qualquer etapa no processo, tinha-se passado do bairro da badalhoquice para o da paneleirice sem passar pela rua augusta. Poderia dizer-se que sim, que já batia um coração, mas mais parecia um aspirante a imperador de bizâncio, do que um ser que pudesse vir a ter a benção da fernanda câncio.
O lado querido de Deus veio então novamente a revelar-se nesse momento crítico para a human kind. Olhou para o espécime que tinha à sua frente e tentou descortinar-lhe um órgão que se apropriasse ao servicinho que tinha em mente. Este apresentava mão na anca, queixo empinado, o rabo ligeiramente pelado e um órgão periférico, flácido, de aparência inútil e de facto muito pouco usado, tirando, em momentos de excitação, servir de marcador nos livros do saramago. A escolha parecia lógica, mas, lá está, Deus é por isso que é Deus, e foi-lhe à costela, num acto de magnanimidade que nunca saberemos agradecer devidamente.
O primeiro objectivo era um refogado simples, ali algo entre o entrecosto e a rinzada, mas Deus, atento e preocupado, tinha reparado que com uma das nederdalas e um cabrito montês se tinha proporcionado um momento de confraternização de registo enternecedor e talvez estivesse aí a chave do sucesso para a espécie, que não havia maneira de estabilizar, e ainda não se tinham inventado nem luta de classes nem as tampas de sanita.
O famoso ‘plano divino do casal de pombinhos’ – como depois se veio a chamar, até ao dia em que Abraão deu um enxerto na mulher pois esta não havia maneira desta parir nem à porrada – que inclusive teve de ser bem negociado com a corte de querubins ( que em troca exigiram poder aparecer sem prepúcio cortado nos frescos da Renascença) visava criar uma traçabilidade na espécie - um Deus moderno, registe-se - por forma a que qualquer defeito posterior pudesse ser devidamente analisado e corrigido e não se diluísse, face à endémica necessidade de bodes expiatórios, por um emaranhado de tribos distribuidoras de coliformes fecais pelos entrefolhos das cordilheiras mais recônditas da pangeia. Este processo ficou conhecido como a norma ISO Genesis do 7º dia, mas um contador de búzios frustado chamado darwin (que apenas conseguiu vender um único colar – e ainda teve de lhe enfiar dois ossos de leão marinho - por três xelins a uma viúva estrábica em Camberra) veio a chamar-lhe origem das espécies/selecção natural, ou seja, um género de pauta de exame ad hoc para licenciaturas em engenharia civil.
Voltando ao casalinho. Deus, querido, mas querido mesmo, podia ter aperfeiçoado a nederdala logo no refogado inicial, mas não, pôs à solta um ser curioso, cromossomaticamente monocórdico, mas que pudesse colocar ao descosteletizado macho desafios paradoxais de índole psicossomática, ou seja: nunca a entenderia, mas isso também nunca chegaria a ser preciso, tal a velocidade com que o homem atingia a fase espumante do seu peculiar processo de fermentação hormonal. Entre eles nunca haveria selecção natural, tal como nunca poderia haver o bitoque sem o bife e sem o ovo a cavalo, e viveriam sempre um para o outro, sob a ameaça do croquete do dia seguinte, é certo, mas libertos daquela ansiedade de que uma orangotanga gaiteira ou um gorila gingão lhes viessem tirar o lugar de primogénitos à mesa da criação.
Esta ideia querida do casal fundador e fecundador, da cópula prima da espécie, parece-me perfeitamente plausível - tal como qualquer família tem o seu pão de ló seminal, ou as suas primeiras iscas – ainda para mais se considerarmos então que o Criador chegou a testar as outras hipóteses intermédias, mas terá verificado que, ao deixar a alma humana para uma fase posterior à dos vulcões, das anémonas, do ácido sulfúrico e das pétalas de rosa, esta, inevitavelmente, poderia assimilar um pouco de tudo, ou seja: seria explosiva, mas acomodada, enxofrada, mas sedutora.