causalidade linear e estatística, lda
Isto era pª ser um comentário n’ “O Cachimbo de Magritte” mas estendeu-se e acabei por preferir dizer por aqui o que penso desta análise de Luís Cabral. Assim sendo, peço desculpa do tempo que venham a perder ao ler este post.
Não sendo leitora do Sol fui ler o artigo “O aborto e a condição feminina (O Sol, 17 Março 2007) ao blog pessoal do autor e confesso que não me pareceu muito claro. Ou isso ou, espero ser perdoada se o estiver a interpretar mal, é um artigo tendencioso e falacioso. Vejamos então:
- as mulheres que têm apenas um filho têm piores condições de vida por terem apenas um filho ou será, em vez disso e bem mais plausivelmente, que só têm um filho justamente porque as suas condições de vida são já muito más e até um filho, um único filho com ou sem pai presente, é o suficiente para as piorar?
Talvez não saiba mas no Portugal dos anos 60 mesmo ter apenas um, um só, um único, filho era, para a esmagadora maioria das pessoas da classe média e do proletariado urbanos, um esforço financeiro e pessoal quase incomportável. Muitos dos que emigraram, sobretudo para as colónias, fizeram-no para terem condições de criar mais filhos. Neste caso uma rápida confirmação das estatísticas dar-me-á razão.
Quase me sinto tentada a concordar consigo quando afirma não terem as mudanças conduzido à melhoria da condição das mulheres no mundo actual e tendo mesmo, em muitos casos, conduzido até a alguma degradação face às condições do passado. As mulheres do mundo muçulmano, por exemplo e face ao que se pode retirar do seu texto, representarão a situação ideal? Não abortam, têm casamentos formais com resmas de filhos, estão muito protegidas do assédio masculino e das tentações, raríssimas trabalham “fora de casa” (utilizo um eufemismo propositado). No fundo nada mudou na vida delas desde há muitos séculos (a bem dizer nem na dos homens de culturas igualmente estioladas e anquilosadas, é certo). E não mudar será, assim, condição necessária e suficiente para que nada piore? Nem melhore, já agora? O que de alguma forma,combinado com a sua análise, nos levaria, neste caso, por obrigar a reformular a grande e banalizada máxima de “O Leopardo” de Lampedusa: é mesmo preciso que tudo fique na mesma para que tudo mude?
Desde os anos 60 que há ainda, se bem que cada vez mais raro, felizmente, o “casamento de penalty” (expressão curiosa e acertadíssima que, confesso, não conhecia) devendo-se a sua existência a formas específicas de educação, quase sempre por formatação religiosa de um ou dos dois protagonistas (ou mesmo de actores secundários). Às vezes as coisas correm bem e as pessoas acabam por ser felizes e ter muitos filhinhos e tudo, tal como numa Turandot da vida real. A maior parte das vezes arrastam-se em comodismos vários, filhos de “penalty” e outros incluídos, com maiores ou menores tensões, infelicidades e incumprimentos de projectos de vida pelo que até me atreveria a dizer que ser “mãe solteira” (a propósito, uma associação de conceitos não obrigatoriamente associáveis) pode bem ser a melhor solução, conquanto partilhada e responsável, para todos os envolvidos. Muitas vezes me questionei, quando me deparo com casos de casamentos “de penalty”, se não seria preferível para todos que o divórcio não fosse condicionado pelo mesmo que condicionou o casamento e hipotecou a felicidade. E se me vai responder que o sofrimento é parte da vida e que o facilitismo (ou hedonismo) são ideias da nossa sociedade de superficialidades digo já: estou de acordo consigo e nem por isso cedo um milímetro de mão no que antes disse.
Ser contra o aborto é, em minha humilde opinião, uma posição tão legítima como ser a favor, não sendo, por conseguinte, necessário enviesar interpretações de resultados estatísticos para defender um ou outro ponto de vista. Não sendo economista mas sendo casada e mãe por opção e não vendo no aborto solução para coisíssima nenhuma mas tendo votado “sim” por aquelas para quem o possa vir a ser, só consigo dizer isto a propósito da forma como interpreto a sua leitura das estatísticas:
Não, não me parece que deva ser assacada ao aborto ou à maior ou menor facilidade no seu acesso, a responsabilidade pela eventual ou efectiva diferencial degradação social da mulher (o que na crónica se refere como “feminização da pobreza” e em especial do que designa como “mães solteiras” e que, suponho, designe as mulheres com filhos a cargo exclusivo) ou do seu papel na sociedade. No entanto, se nos pusermos mesmo a fazer perguntas bem intencionadas, não falaciosas nem retóricas, somos capazes de descobrir que a culpa nesta tristeza de factos não morre solteira e até tem muitos filhinhos do tipo “pescadinha de rabo na boca”. Ou então do mordomo. Afinal, como nos ensinou a Miss Marple.
Isto era pª ser um comentário n’ “O Cachimbo de Magritte” mas estendeu-se e acabei por preferir dizer por aqui o que penso desta análise de Luís Cabral. Assim sendo, peço desculpa do tempo que venham a perder ao ler este post.
Não sendo leitora do Sol fui ler o artigo “O aborto e a condição feminina (O Sol, 17 Março 2007) ao blog pessoal do autor e confesso que não me pareceu muito claro. Ou isso ou, espero ser perdoada se o estiver a interpretar mal, é um artigo tendencioso e falacioso. Vejamos então:
- as mulheres que têm apenas um filho têm piores condições de vida por terem apenas um filho ou será, em vez disso e bem mais plausivelmente, que só têm um filho justamente porque as suas condições de vida são já muito más e até um filho, um único filho com ou sem pai presente, é o suficiente para as piorar?
Talvez não saiba mas no Portugal dos anos 60 mesmo ter apenas um, um só, um único, filho era, para a esmagadora maioria das pessoas da classe média e do proletariado urbanos, um esforço financeiro e pessoal quase incomportável. Muitos dos que emigraram, sobretudo para as colónias, fizeram-no para terem condições de criar mais filhos. Neste caso uma rápida confirmação das estatísticas dar-me-á razão.
Quase me sinto tentada a concordar consigo quando afirma não terem as mudanças conduzido à melhoria da condição das mulheres no mundo actual e tendo mesmo, em muitos casos, conduzido até a alguma degradação face às condições do passado. As mulheres do mundo muçulmano, por exemplo e face ao que se pode retirar do seu texto, representarão a situação ideal? Não abortam, têm casamentos formais com resmas de filhos, estão muito protegidas do assédio masculino e das tentações, raríssimas trabalham “fora de casa” (utilizo um eufemismo propositado). No fundo nada mudou na vida delas desde há muitos séculos (a bem dizer nem na dos homens de culturas igualmente estioladas e anquilosadas, é certo). E não mudar será, assim, condição necessária e suficiente para que nada piore? Nem melhore, já agora? O que de alguma forma,combinado com a sua análise, nos levaria, neste caso, por obrigar a reformular a grande e banalizada máxima de “O Leopardo” de Lampedusa: é mesmo preciso que tudo fique na mesma para que tudo mude?
Desde os anos 60 que há ainda, se bem que cada vez mais raro, felizmente, o “casamento de penalty” (expressão curiosa e acertadíssima que, confesso, não conhecia) devendo-se a sua existência a formas específicas de educação, quase sempre por formatação religiosa de um ou dos dois protagonistas (ou mesmo de actores secundários). Às vezes as coisas correm bem e as pessoas acabam por ser felizes e ter muitos filhinhos e tudo, tal como numa Turandot da vida real. A maior parte das vezes arrastam-se em comodismos vários, filhos de “penalty” e outros incluídos, com maiores ou menores tensões, infelicidades e incumprimentos de projectos de vida pelo que até me atreveria a dizer que ser “mãe solteira” (a propósito, uma associação de conceitos não obrigatoriamente associáveis) pode bem ser a melhor solução, conquanto partilhada e responsável, para todos os envolvidos. Muitas vezes me questionei, quando me deparo com casos de casamentos “de penalty”, se não seria preferível para todos que o divórcio não fosse condicionado pelo mesmo que condicionou o casamento e hipotecou a felicidade. E se me vai responder que o sofrimento é parte da vida e que o facilitismo (ou hedonismo) são ideias da nossa sociedade de superficialidades digo já: estou de acordo consigo e nem por isso cedo um milímetro de mão no que antes disse.
Ser contra o aborto é, em minha humilde opinião, uma posição tão legítima como ser a favor, não sendo, por conseguinte, necessário enviesar interpretações de resultados estatísticos para defender um ou outro ponto de vista. Não sendo economista mas sendo casada e mãe por opção e não vendo no aborto solução para coisíssima nenhuma mas tendo votado “sim” por aquelas para quem o possa vir a ser, só consigo dizer isto a propósito da forma como interpreto a sua leitura das estatísticas:
Não, não me parece que deva ser assacada ao aborto ou à maior ou menor facilidade no seu acesso, a responsabilidade pela eventual ou efectiva diferencial degradação social da mulher (o que na crónica se refere como “feminização da pobreza” e em especial do que designa como “mães solteiras” e que, suponho, designe as mulheres com filhos a cargo exclusivo) ou do seu papel na sociedade. No entanto, se nos pusermos mesmo a fazer perguntas bem intencionadas, não falaciosas nem retóricas, somos capazes de descobrir que a culpa nesta tristeza de factos não morre solteira e até tem muitos filhinhos do tipo “pescadinha de rabo na boca”. Ou então do mordomo. Afinal, como nos ensinou a Miss Marple.
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