seria impossível não me envolver na temática que é realmente importante
Modernidade Legislativa
Como é sabido por todos, salvo vagas excepções apenas encontradas na literatura e nos folhetos de imobiliárias, o sexo entre pessoas do mesmo casamento é algo que tem vindo a perder prevalência - definhar seria demasiado ilustrativo - face a outros tipos de sexo que são muito mais acarinhados pela sociedade em geral e pelos motéis em particular. Ora o sexo entre pessoas do mesmo casamento é uma tradição praticamente com milénios, tem inclusivamente trazido ao mundo seres respeitadores da ordem pública e com princípios e custa ver assim dissipar-se por entre modas e questiúnculas várias o quão bonito que pode ser ver duas pessoas devida e cerimonialmente esposadas a rigorosa e estrictamente foderem. Ao ter passado a ser um comportamento em vias de se tornar uma curiosidade antropológica é urgente que o novo governo dê verdadeiras mostras de modernidade e avance com medidas legislativas claras e distintivas.
Assim, a nova e urgente legislação sobre o sexo entre pessoas do mesmo casamento deverá tomar em consideração o seguinte:
1) Marido e mulher devem poder escolher sem quaisquer limitações a utilização de locais como a cozinha, a sala, ou inclusivamente o corredor, no limite a mezzanine, e para isso deve o Estado garantir que os seus filhos tenham zonas protegidas onde se possam entreter no durante, e em perfeita segurança e acompanhamento especializado.
2) Por cada hora de preliminares que o homem tenha de suportar para entreter a mulher que está com a sensualidade em ponto morto certamente por ter servido de cobaia para os lucros do pingo doce, deve o Estado garantir downloads grátis de músicas que incentivem a própria e perspectivada cópula, ou, pelo menos, a necessária lubrificação das zonas em preparo e apreço.
3) Como é sabido, seja pela força aniquiladora do hábito ou por mero cansaço, a instituição do sexo entre pessoas do mesmo casamento tem tendência a ir perdendo incidência estatística e apela a medidas exógenas de encorajamento. A assimilação desta prática a outras de natureza mais estritamente higiénica como sejam a lavagem dos dentes ou o corte simétrico das unhas tem contribuído também para que se desvaneça o grande e decisivo contributo que foi dado pelo ideal romântico, e coloca-nos hoje perante um novo dilema da modernidade: deverá o tráfico sexual intra-matrimonial estar também sujeito às leis da concorrência? Ora sendo o sexo entre pessoas do mesmo casamento um típico caso de monopólio artificial, parece essencial a criação duma entidade reguladora que indique para cada caso o tipo de cópula e respectiva compensação, para além de ir aferindo a evolução do equilíbrio das forças e instintos em presença no mercado, perdão, casal.
4) Uma das questões essenciais a tomar logo em consideração na nova legislação sobre o sexo entre pessoas do mesmo casamento é que esta não deve produzir interferências nos direitos ao sexo entre pessoas de casamentos diferentes, nem mesmo ao sexo entre pessoas sem casamento nenhum, nem obviamente imiscuir-se nas opções assexuais entre pessoas de qualquer casamento, se bem que a assexualidade deverá ser sempre assumida como uma ineficiência em qualquer relação que envolva descendentes de adão, quer seja pela via abélica quer seja pela via caímica.
5) Tomando em consideração que, ao contrário do que toda a literatura recomenda, o sexo entre pessoas do mesmo casamento acaba por resultar apenas duma mera combinação de interesses básicos, que vão desde a 'preservação da espécie' até ao 'espero agora que o gajo não me chateie a mioleira nos próximos 15 dias', deve o Estado garantir que não aparecem interesses alheios ao sistema que o pervertam e criem ineficiências, designadamente a corrupção pela via dos adereços de moda, a chantagem pela via das prateleiras do frigorífico vazias, ou mesmo o clássico abuso de posição dominante, mesmo que, valha-nos isso, ainda sejam o que vai permitindo uma ou outra boa foda intra-matrimonial; há, no fundo, que deixar também a economia paralela funcionar.
6) Sem prejuízo da existência de quaisquer outras formas aristotélicas de satisfação de instintos de contornos carnais, o sexo entre pessoas do mesmo casamento deve ser a forma a privilegiar na conciliação de interesses potencialmente divergentes, e se no direito se tem tentado resolver algumas ineficiências com a denominada 'acção sumária', deverá ser instituída formalmente a figura fiscal das 'senhas-de-rapidinha-intra-matrimonial' como paradigma do comportamento preventivo de anti-risco, e uma forma de aliviar confrontações que muitas vezes acabam no banco dos hospitais ou no contencioso bancário sem se ter produzido qualquer derramamento glandular decente.
Livro do Zénesis
Para castigo, ou mera consequência da precipitação gastronómica, deixou então toda uma genealogia de bons e jeitosos primatas hominídeos, a quem já não lhes bastando a cegada da maçã precipitadamente trincada, ficaram ainda reféns da perversa sedução do vegetarianismo, das virulências pandémicas e dos - esporádicos, vá lá - períodos de euforia dos lampiões.
Chegados a uma suposta fase de maturidade genética são ainda confrontados com a utilização do seu bem mais precioso, - tirando a ejaculação telecomandada - ou seja um tal de livre arbítrio, em escolhas absurdas como entre pandermixes versus tamiflus, gatos fedorentos domesticados em televisão versus feras escanzeladas domesticadas em circos, ou canavilhas versus desidérios, ou mesmo, num desafio indigno da estirpe de David, Jesus versus Jesualdo.
Ao invés, os descendentes desse rebento de soja de seu nome Caim, passeiam-se pelo planeta azul escrevendo livros, dando entrevistas, enrolando papiros com alongamentos do esfíncter, pintando aguarelas e abanando cordas de bandolim como se fossem pintelhos de sereia.
Tudo seria ainda assim sofrivelmente suportável não fora a crueldade do Criador se ter começado a manifestar de forma inapelável para com os seus filhos de alma alagartada (vénia ) , que assim sofrem ignomínias sem nome, quais incompreendidos, e mesmo estupefactos, Abeles.
Ora sendo Deus uma mera criação da sua - d'Ele - própria cabeça ( vénia) não se Lhe pode desculpar que deixe estes seus filhos lagartos desamparados, e entregues ao cajado dum sistema caímico que não lhes reconhece nem penalties, nem offsides, nem golos com o antebraço.
É pois com alguma indignação com este Deus que só pode ter ficado ligeiramente embuchado pelas insinuaçõezinhas indecorosas e dissimuladas daqueles pimentos morrones que habitam as grutas do lado sul da 2ª circular que eu aqui me apresento solicitando um respeitoso rewind ao Senhor do Tempo (vénia).
Os que se agarram à cauda genealógica da geração de Abel exigem uma reparação urgente da situação, sentem que foram vítimas de um combate de round único e pelo menos querem escolher um lugar com janela na arca de noé para serem os primeiros a ver a pombinha.
Las Civias [nota breve e final]
Por curiosidade possuo um dos primeiros esquiços do projecto de arquitectura do edifício, um documento sem qualquer valor artístico ou técnico - tratava-se certamente dum mero e embrionário esboço impressionista, mas , isso sim, com vários detalhes de enigmático interesse.
O arquitecto era, foi, um Espanhol de origem basca, Jaime Olazabal, que se radicara em Portugal na zona de Azeitão nos anos 70 e que chegou a este projecto por ser primo dum dos alfaiates do bispo de Sevilha.
O desenho a que tive acesso - e não hesitei na sua aquisição - apresenta várias singularidades, para além da sua péssima reprodução aqui
A mais relevante deixarei para o fim, mas desde logo a par de algumas incongruências de perspectiva e mesmo de equilíbrio de planos, são evidentes: a ideia de duas plantas (?) separadas (P. A e P. B), desconheço se já resultado dalguma indicação dada pelo eclesiástico dono da obra, e sem forma de comunicação evidente (mas tal poderia dever-se ao facto de estarmos ainda na presença dum esboço rudimentar) , e a existência de vastas zonas envidraçadas , (assim entendo os sombreados) o que se por um lado revela uma certa simbologia de transparência ou abertura, não deixa de arrepiar pelo efeito de estufa a que imediatamente nos faz associar.
No entanto, é impossível não fazer também a associação ao que terá sido certamente a principal fonte de inspiração de Olazabal para o mosteiro de Las Cívias.
Las Civias
Las Civias era um mosteiro na zona de Sevilha que acolhia crentes dispostos a resolver a sua relação com o prazer. Sendo certo que os tradicionais sexo ou comida eram responsáveis pela maior fatia de penitentes, as perturbações de prazer ligadas às artes mostravam um dinamismo singular. Desregulamentos em torno da música folk ou da pintura figurativa eram frequentes, tendo até ficado conhecidos os sermões dum frade sueco sobre os efeitos perniciosos das costas de Ingres, ou os dum pároco de Vichy sobre as deambulações de hormonas ao som dos Fleet Foxes. Surtos relacionados com políticos em crises peri-masturbatórias à conta de reformas fiscais também ocorriam repetidamente. Las Civias era um caso de sucesso, onde o recolhimento e a oração forneciam ao espírito fontes e reservas tão alternativas como duradouras de equilíbrio, mas sempre fora dos malabarismos de índole estóica ou dos espiritualismos. Colocados a meio caminho entre um previsível Sto Agostinho e um arriscado Freud, sem esquecer Pascal, os frades responsáveis pelo mosteiro foram criando uma arte filigrânica de sublimação dos pequenos prazeres, confiando sempre nos valores da eternidade, da misericórdia e da elasticidade do coração humano.
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Em Las Civias não havia compromissos terapêuticos, não se organizavam saunas de almas, nem a purificação era uma sobremesa. Os monges sabiam que os pequenos prazeres deixavam marcas nas virtudes e que a fé se construía entre o enigma da parábola e a força do anúncio da bem-aventurança. As primeiras noções a assimilar eram as de que a verdade pode tornar irritantemente supérflua a aparência, mas a parte deve ser cautelosa na hora de camuflar o todo. A capciosa ideia de que tudo se pode reduzir a um refogado de simbologias seria fervida com a água do primeiro jejum. No mosteiro de Las Cívias percebia-se de imediato que não se podia rezar a um Deus apenas servido na bandeja do pensamento.
Os pequenos prazeres que entravam como grilhetas, fundir-se-iam, e passavam a servir como armaduras; cada um era responsável pelo seu molde no original mano-a-mano fornecido pelo cristianismo: a graça com a razão.
Como seria fácil de prever os primeiros casos que se apresentaram em Las Cívias tinham a ver com um ‘difícil enquadramento dos prazeres carnais no seio duma consciência formada na espiritualidade da generosidade’ para utilizar a terminologia oficial dos documentos do mosteiro. Os monges não exigiam que se entendesse o alcance destas expressões mais canónicas, apenas perguntavam se os crentes estavam com disponibilidade para se colocarem nas mãos de Deus (outra das expressões utilizadas, mas que afinal apenas exigia um pouco mais de poética do que propriamente catequese para ser acolhida sem grandes reservas pelos novos e ainda um pouco ansiosos hóspedes). Uma nota interessante tem precisamente a ver com o nome que se lhes dava: nenhum. Ou seja, os monges faziam questão em não os catalogar de nenhuma forma, poderiam ser crentes, penitentes, hóspedes, residentes, pacientes, malucos, socialmente excluídos, socialmente demasiado incluídos, curiosos, ou simplesmente desesperados, o que cada um quisesse para si, cada alma é um caminho, para utilizar uma noção que parece tão bonita quanto incontroversa. Evitava-se apenas a todo o custo as patologias que apresentassem indícios de violência explícita, pois os monges tinham feito votos de paciência, e não viam com bons olhos ter de apaziguar alguma alma indo-lhe aos cornos. Aceitavam-se todo o tipo de preconceitos excepto contra a pintura abstracta (muito presente em todo o processo) e contra música dita electrónica (menos presente mas ainda assim relevante na reorientação dos prazeres em geral). Cada um mantinha a sua roupa, o seu desodorizante, a sua pasta dos dentes, e dizia-se até jocosamente, julgo que numa brincadeira apócrifa típica dos ambientes circunscritos: a cada bico o seu asseio. Não havia especiais restrições de linguagem e rapidamente todos encontravam os equilíbrios necessários entre a sobriedade e a sinceridade. Não se afirmava que o inconsciente é a fala, mas também não se entregava o recolhimento à artificialidade do silêncio. Até porque o silêncio pode ser um dos mais perversos, grosseiros e nefastos prazeres.
Mas não lhe disse para evitar pôr as mãos na dita e Vargas era um curioso pelas guerras intestinas da consciência. Estava na hora de voltar outra vez à roleta; da vontade. Como já se percebeu não era uma pessoa impetuosa, mas revelava-se um verdadeiro furão atrás da reconstrução da felicidade dos 'seus descompensados'. Corria imensos riscos, driblava anos e anos de espiritualidade conservadora, fazia de cada caso uma mistura de cruzada e de crochet. Adorava reincidentes. É sua a famosa frase: quem não repete a queda não merece levantar-se. Apesar de Las Civias não adoptar estritamente a regra beneditina, a dupla oração e trabalho fazia parte do ácido ribonucleico do mosteiro. Vargas vinha de uma família de preguiçosos compulsivos e só à custa de muita marretada percebeu o valor dessa combinação, mas ali em pleno coração andaluz sentia todas as nervuras dum trabalho, e apesar de ser um dotado para a percepção e persuasão cada caso saia-lhe do corpo. Sabia que era tudo um trabalho-de-penitência-e-graça. Uma coisa deste mundo e do outro. Mas que o levava a mais de uma média de vinte foda-ses por dia. Entendia o trabalho do mosteiro como uma espécie de reciclagem dos mecanismos do prazer, uma ecologia-do-gozo. Quando um dia se escrever a história da alma humana Frei Vargas merecerá um capítulo só para ele.
Viúva-alegre # ponto de ordem
Viúva-alegre #9
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Viúva-alegre #3
Viúva-Alegre #2
A sua primeira extravagância foi ir ao cinema sozinha. Sempre se conseguira esquivar a ir ao cinema em formato casal, temendo que ele exagerasse nas manifestações externas e oficiais de carinho, aproveitando-se do ambiente penumbroso das salas de cinema. Não seria nada de mais, mas ela gostava de apreciar o cinema sem interferências.
No final do filme ficou refastelada na cadeira. Saboreando os créditos finais. Sentia-se bem na sua nova pele de viúva, gozando também de créditos póstumos. Livre de sentimentos banais mas irradiando alguma hipótese académica de sofrimento.
Viúva-Alegre #1
Matara-o apenas introduzindo veneno nuns croquetes que supostamente teriam sido confeccionados pela sua mãezinha. Pelo sim pelo não matavam-se 3 coelhos: o coelho-álibi-perfeito, o coelho-sogra-inconsolável, e, claro, o coelho-marido-defunto. Encerravam-se entre carne picada, por assim dizer, alguns anos de um certo amor, entre outras miudezas, vivido em comum. Foi asseado, - ele não tinha sequer vomitado -, rápido, e aparentemente acompanhado de dor de pouca monta, coisa que qualquer asmático já suportara depois duma corridinha rápida para apanhar um eléctrico.
Tornara-se viúva de plenos direitos. Faltava agora juntar o alegre.