Viúva-alegre #8

A liberdade da mulher pela via do assassínio (não judicialmente provado) do marido é um estado dalguma forma equilibrado. Não produz mais sofrimento que a chamada morte natural, é mais controlável que a chamada morte súbita e violenta, e deixa uma sensação de ‘coisa bem acabada’que como sabemos ajuda à construção da generalidade das personalidades estáveis e saudavelmente previsíveis. Convicta da robustez dos seus poderes de sedução e firme na sua intenção de construir uma vida baseada em médias-altas satisfações reparou que pela primeira vez experimentava serem mais os caminhos que se lhe abriam do que as portas que se lhe fechavam. Tinha sim de se cuidar para não passar directamente do estado sóbrio à ressaca sem desfrutar da bebedeira propriamente dita. Dalguma forma pressentia também que nos últimos anos negligenciara o estado de rigidez do seu rabo, pelo que antes de tudo teria de garantir no seu novo circulo de, digamos, amizades pelo menos alguém com competências firmadas como nadegador-salvador e assim valorizar o seu investimento em saias travadas e encarnadas. Verificou que tinha um caderno de encargos simples e que a missão de auto-alegrar uma viúva se revelava até gratificante, desde que o fenómeno da reencarnação não passasse duma inventona de fanáticos com deficit de proteínas animais, ou de adoradores dissimulados do determinismo histórico.

2 comentários:

maria disse...

cá está como eu gosto - letras miudinhas, muitas.

bjs

maria disse...

e não posso crer - sem moderação de comentários.