Poesia

Deus, duas ou três luas novas antes do big bang, (antes deste sofisticado fenómeno pirotécnico era sempre lua nova) terá logo suspeitado que a rapaziada iria alimentar alguma tendência para complicar as coisas. Ainda houve ali uns momentos de vai-não vai, com a cena do Abraão, mas o tipo já estava velho e, ainda para mais sem nenhuma mulher tesa por perto, não foi capaz de pedir justificações, explicações, nem sequer varinar um bocado com Deus, perdendo-se assim uma oportunidade soberana para deixar esta cena toda mais esclarecida e simplificada. Depois é o que se tem visto, atraídos por uma merda chamada gravidade, vivemos agarradinhos a uma massa de ferro e silício e galileicamente às voltas duma bavaroise plasmosa, distraindo-nos com a realidade, que a uns dá para fazer poemas, a outros dá para foder tudo, a outros dá para fazer puzzles, e outros até desconfiam que ela exista mesmo. Ou seja, isto ficou mais em aberto do que a defesa do Sporting com o Gladstone, e deixou o semáforo verde para as duas maravilhas da criação: a curiosidade e a ânsia de poder.

Montaigne enquadrou anatomicamente bem esta cegada do poder quando nos avisou que no trono mais alto do mundo continuamos a estar sentados no nosso cu, mas a sofisticada curiosidade humana nunca teve um tratamento literário semelhante, pois, tirando os relativismos espiritualistas, - mais ou menos piedosos - ninguém se atreve decentemente a menosprezar as bondades do conhecimento, do estudo, da investigação, no fundo, da bolha da sabedoria.

O pensamento especulativo, esse inquestionável talento humanóide a par do uso de chinelos, aparece assim como um misto de missão e de fatalidade, que o famoso eterno retorno em versão soft se encarrega de colocar no devido lugar, mas que não logra, por pudor certamente, nem a promover alternativa, nem a justificar.

Então, por muito que custe às academias, foi novamente o cristianismo, na Pessoa que lhe deu o nome, a ter de vir dar um ar de estrutural dignidade a esta coisa de rentabilizar o circuito neuronal juntamente com o uso do polegar opositor. Se atentarmos bem, é da cirúrgica combinação da ‘parábola do trigo e do joio’ com a ‘parábola dos talentos’ que radica uma das melhores contribuições epistemológicas para a justificação da ciência e do conhecimento como as formas adequadas de complicarmos tudo, mas com norma, método, critério e até uma moral suavezinha, de bónus.

Assim, a 'Parábola dos talentos' diz-nos que é um crime de lesa humanidade não pormos a render as nossas capacidades, (que podem incluir, como sabemos, desde montar prateleiras do ikea, até desconfiar que a velocidade da luz foi sempre constante, passando por ganhar $ 2,6 Billion em futuros das subprime - como ganhou um tal de John Paulson só em fee’s (é um record, hem !!!) de hedge funds, que apostaram no crash do mortgage credit desde meados de 2006) enquanto que, por sua vez, a 'Parábola do trigo e do joio' diz que não nos devemos precipitar a cortar logo o joio (leia-se o ‘erro’) pela raiz, porque podemos correr o risco de o trigo (leia-se a ‘verdade’) vir também atrás. Temos pois de deixar a asneira medrar devidamente e, quando já tiver bem espigadota e seca, chamar os inquisidores, pois gente de boas intenções e danada por fazer fogueiras é o que nunca faltará.


Prevista e constatada a humana vertigem para a complicação, a Santíssima Trindade, assim, achou por bem dar-lhe uma certa dignidade e sustentação; é essa, aliás, a principal razão pela qual se inventaram as cuecas.

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