Mas a pêra rocha pode ter razões para se queixar.

Julgo que uma das minhas ‘vocações’ perdidas deve ser a de diletante teológico. Algo ali entre a devoção mística aldrabada e a heresia descomprometida, e que consiste em falar sobre a natureza de Deus sem ter a mais pequena preocupação em acertar. Mas como, e à semelhança de 99,9% dos degredados filhos de Eva, tive de arranjar algo mais decente para me sustentar, acabo por exercer esta ‘vocação’ de forma intermitente, sendo, por assim dizer, um teolabarista em regime de precariedade pois não consigo nenhum vinculo duradoiro com qualquer dogma com credenciais, sendo certo, contudo, que a precariedade é uma condição bem ajustada no que diz respeito ao conhecimento, se não mesmo à convivência, com Deus.

O abstraccionismo teológico (tal como alguma literatura, as pinturas do mestres flamengos, os pistachos do lidl, e acompanhar os filhos a andar de patins em linha) é, antes de mais, uma verdadeira vacina contra o vão deslumbramento que as coisas do mundo nos podem causar, mas, creio, a sua via ortodoxa apenas constitui um instrumento de congregação apostólica e nunca, em última análise, de salvação. No entanto, a Igreja católica soube construir, naquele instável equilíbrio que será certamente a sua dupla condição de Corpo Místico de Cristo e de Instituição de Poder, um património doutrinário, que, a par de manter a consciência de qualquer católico permanentemente à brocha, dá-lhe (dá-me) a convicção – real ou não, saberemos mais tarde – de que tudo acontece por e com o amor de Deus.

O grande erro em que, por exemplo, foi evoluindo a reforma protestante, constituiu em ter desvalorizado a riqueza ficcional e simbólica da Mensagem Revelada e ter caído na esparrela de transformar a palavra de Deus numa espécie de mistura do Corão com os Estatutos da Associação de Socorros a Náufragos, como se o tecto da Capela Sistina pudesse ser substituído por um sombrero às riscas com versículos de S.Paulo aos Coríntios na franjinha.

Assim, se tomarmos como ponto assente que Deus se quis revelar da forma tão sui generis como o fez, e sem estar condicionado pela agenda mediática…

(se a sic notícias fizesse uma sondagem, género: ‘se você fosse Deus e não estivesse com azia como escolheria revelar-se?’… julgo que mais de 80% das pessoas diria que chamaria o Santana lopes e o punha a dar beijinhos na boca à Ferreira leite)

… o passo seguinte será considerarmos que a floresta de imaginativas verdades que nos é proposta em torno da Entidade de Deus deverá ser cientificamente honrada, acreditando pelo menos nalgumas delas; ou seja, … há, no mínimo, uma plausibilidade estatística de que, por exemplo, entre a transubstanciação, a Imaculada Conceição, o livre arbítrio, a ressurreição da carne, o purgatório, o pecado original, a graça sacramental da unção dos doentes, etc, 50% delas estejam correctas. (Fala alguém que até já recebeu a extrema unção, registe-se).

Julgo, à laia de primeira síntese teolabarista, que devemos, portanto, ter três atitudes razoáveis perante aquelas ‘verdades de fé’ das quais até possamos sentir menos necessidade para a nossa vida concreta do que como saber em que cores se dá a cisão do núcleo do átomo do volfrâmio, ou mesmo porque é que uns tupperwares azuis jeitosos que eu tinha lá em casa não se podiam levar ao cabrão do microondas:

A primeira é o clássico tríptico teológico: (1) Deus podia dispô-lo assim; (2) apeteceu-lhe; (3) fez assim.

A segunda será de mera dignidade: Deus não se poderia dar ao luxo de que os mistérios da criação viessem a ser ultrapassados por um jogo da playstation da 3ª geração

E a terceira é puramente utilitarista: Deus, sabendo da mente imaginativa que o homem haveria de desenvolver, tinha de arranjar uma manta teológica rica para que não nos distraíssemos totalmente com o arraiolosado fenomenológico da criação.

(Mas, se, por exemplo, a Zazie descobrir um baixo-relevo com umas freiras a serem sodomizadas por um papa-formigas albino nalguma abadia normanda, aí sim, todo o corpo doutrinal em que assenta a minha fé correrá o risco de desabar como um castelo de cartas, dois de copas incluído, e poderei ter de me dedicar a tempo inteiro a ganhar dinheiro com posições curtas em futuros com fundos de sub-prime)


No entanto, ao haver um novo post dentro desta dinâmica teolabarista procurarei responder à sempre pertinente dúvida: quando é que foder pode ser pecado.

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