E tudinho drugs free, juro (*)

Um Credo não esgota uma fé, uma teologia não esgota um Deus, uma tábua da lei não esgota uma moral. É este o maior buraco no estômago que o Cristianismo deixa para cada pessoa resolver na sua alma. Daí que a pedra de toque da espiritualidade cristã seja a natureza e a riqueza do diálogo íntimo do homem com Deus.

Os ‘novos’ mercantilismos folclórico-espiritualistas descendem de facto deste património ‘cultural’ do Cristianismo: pôs o homem a falar com Deus como seu ‘semelhante’, como que entregue à intermediação ‘psicológica’, em forte concorrência com a intermediação institucional.

O maior risco do excesso de espiritualização da ‘experiência religiosa’ está precisamente em menosprezar o facto de o ‘Mistério de Deus’ se ter querido revelar duma forma histórica, (inclusivamente banal, salve-se a expressão) e altamente apelativa para a razão, a dúvida e os mecanismos angustiantes da fé.

A transformação progressiva do movimento da reforma protestante numa espécie de world-music-evangélico acabou por ajudar a cavar um fosso naquilo que poderia ter sido o enriquecimento espiritual do homem, ou seja: opôs uma leitura doutrinária, ora mobilizadora, ora orientadora, como incompatível com o discurso interior duma alma ‘suspensa’ pela presença de Deus na sua simplicidade.

O ponto de chegada é, muitas vezes, a própria encruzilhada da nossa condição: queremos ‘fugir’ da tal fé que se esgote num credo, do Deus que se esgote numa teologia, da moral que se esgote numa tábua da lei; mas teremos sempre medo desse abismo.
(*) nem, inclusive, ingestão de 'gafanhotos e mel silvestre'

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