Bum.



Roy Lichtenstein, Tate, Londres

Luna Park (hors serie 3/9)

«tento ser fiel ao sonho e não às circunstâncias» , Jorge Luis Borges, ‘Este ofício de poeta’, Teorema


030707
Luna Park (hors serie 2/9)

«Tudo se penetra.», F. Pessoa, 'Livro do Desassossego', ed Assírio & Alvim - nº 228


020707
Luna Park (hors serie 1/9)

« a maior virtude é a necessidade» , Shakespeare, 'Ricardo II'



010707
Luna Park

«naquela altura, a infelicidade significava alguma coisa. Agora é só uma chatice»
Nick Hornby, 'Alta Fidelidade', Teorema
Diálogos da praceta mole

Acetila Salicílica – Tens a noção de que o sucesso é sempre uma combinação de tamanho com aspecto?

Benzodio Zepino - Catalogas por necessidade ou por capricho?

Acetila Salicílica - mero impulso telecomandado

Benzodio Zepino – a sofisticação dum inconsciente treinado?

Acetila Salicílica - não chega a ser inconsciente porque o mantenho de rédea curta

Benzodio Zepino – dominas por convicção ou acaso?

Acetila Salicílica - agora deste em fazer apenas perguntas?

Benzodio Zepino – foi a maneira que encontrei para que não adormecesses comigo

Acetila Salicílica - Confias tão pouco nas tuas capacidades intrínsecas?

Benzodio Zepino – não tenho nada de propriamente intrínseco

Acetila Salicílica - isso é alarmante: vampirizas, ou camaleonizas?

Benzodio Zepino – mais simples: apenas evito ser demasiado específico comigo próprio

Acetila Salicílica – Receio de que te comparem?

Benzodio Zepino - Não. Adoro ser comparado. Apenas receio que me comparem com a imagem que construíram de mim.

Acetila Salicílica – Mas provocas os outros constantemente procurando que se lembrem de passados irrepetíveis...

Benzodio Zepino – sou absolutamente incapaz de agarrar o presente...

Acetila Salicílica - ...isso é como ter uma motoserra na mão e usá-la para varrer o chão...

Benzodio Zepino – ... e tenho apenas pânico de que ele para ti seja somente uma passagem

Acetila Salicílica – preocupas-te demasiado com coisas que não dominas

Benzodio Zepino – chamam-lhe ansiedade

Acetila Salicílica – acho que inflamas demasiado a memória, e depois oscilas entre uma permanente insatisfação e uma obstipação da vontade

Benzodio Zepino – Apenas por vezes julgo ser-me impossível satisfazer-te totalmente - a ti; é isso, uma espécie de: estar-me vedado.

Acetila Salicílica – Devias pensar menos e actuar mais

Benzodio Zepino – combinas acidez com dureza: nunca te conhecerei; mas vou assumir que isso é giro – para me defender.

Acetila Salicílica – mesmo assim és mais presumido que assumido. Quem estava combinado fazer de defensiva era eu.

Benzodio Zepino – és uma falsa defensiva, sabes bem. Repara como começaste esta conversa.

Acetila Salicílica – quis apenas inflamar-te um pouco para depois poder actuar

Benzodio Zepino – sinto que esta praceta faz-me ficar assim - mas é - um pouco mole

Acetila Salicílica – nem tanto. Nem tanto. Mas agora cumpre a tua real função e adormece-me.


280607
Luna Park ilustrado




«Salomé, dança para mim!
Se dançares para mim,
podes pedir-me tudo o que quiseres.»


in 'Salomé', libreto de R. Strauss

(240607)

Dona Portela Maizum e dona Alcocheta Maizena

Numa tarde soalheira a dona Alcocheta e a dona Portela foram passear à serra da Ota à cata dum tal de aquífero que lhes tinham dito era muito bom para esfregar nas costas por causa da espandilose, dos fungos subventrais e da má circulação.

Dona Alcocheta – Filha, talvez seja melhor pararmos numa sombrinha a ver se aparece algum avião com pernas e pêlos no peito

Dona Portela – Olha, eu lá para os meus lados cada vez mais embarco tudo o que aparece, mas tenho que começar a ser mais selectiva porque o meu cais já não dá vazão a tudo

Dona Alcocheta – Mas tu até há pouco tempo eras aquela miúda que dizias te caber sempre mais um na pista desde que viesse com hora marcada!?...

Dona Portela – Outros tempos, querida. Isto agora está é para miúdas como tu, que andaram a poupar-se nos campos de recuo de culatra e agora bem podem aguentar umas mangas mais avantajadas

Dona Alcocheta – Ah, mas isto do serviço completo não é para todos os mangas, também não penses!

Dona Portela – Não te sabia tão sofisticada e selectiva. Cobras à hora ou ao metro de pista?

Dona Alcocheta – Vou começar a trabalhar à base de fee’s fixos no check in e rappels no check out

Dona Portela – Modernaça. E o catering vai ser de bónus?

Dona Alcocheta – Não há aterragens grátis, já devias saber. Quem vier com velocidade a mais arrisca-se a ficar a fazer massagens no Poceirão.

Dona Portela – Convencida, tu já nem equacionas que, para ti, alguém vá com velocidade a menos…

Dona Alcocheta – Filha, comigo, ninguém se arrisca a ficar a bater hélices na segunda circular…

Dona Portela – ah tu és das que confias mais no efeito do jacto do que propriamente na propulsão…

Dona Alcocheta – Amor, eu deixo que descolem de qualquer sítio desde que não me exijam que lhes ajude a tomar balanço

Dona Portela – Uau. Que dominadora. E low costs, nada, certamente…

Dona Alcocheta – Bem, eu também tenho o meu lado de missionária. Por cada três jumbos dou serviço a um low cost desde que depois me dê uma esfoliaçãozinha às costas.

Dona Portela - És mesmo uma querida. E tens tarifas especiais para controladores?

Dona Alcocheta – Desde que não sejam muito possessivos; tenho um pacote de fim-de-semana: se me puserem aqueles pompons nos ouvidos até deixo que me façam loopings nas salinhas de espera.

Dona Portela – És tão moderna e completa que me deixas meio invejosa, meio confusa. A mim agora andam a tentar-me com o esquema do ‘mais um’, mas eu acho que sou moça para um homem de cada vez…

Dona Alcocheta – ó mulher, isso já lá vai! Então se não param de aumentar os pedidos de aterragem, também é de mau tom ir mandá-los aterrar para o campo, ou até com outras que não sejam tão asseadas, não achas?

Dona Portela – Pois, tens razão, e depois ainda o vão gastar todo nessas porcas das free shops…

Dona Alcocheta – Ai comigo não vai haver nada dessas coisas: nada de delayed’s e tudo nos boarding’s

Dona Portela – Olha filha, agora temos que regressar porque estão-me a avisar que estou a ficar com os boarding’s muito assados, perdão, atrasados.

Dona Alcocheta –Querida, fazes como eu: bezuntas com maizena, tapas poros com nestum, e depois até embarcam a saber a mel.


(220607)
Conto que não inclui colchão ortopédico


Tinham combinado preparar a velhice a escrever cartas de amor à porta de um lar de idosos. Sentavam-se no banco dum jardim defronte, olhavam um para o outro, trocavam um sorriso cúmplice e começavam a escrever. Ele era levemente repetitivo, ela era suavemente lacónica. De cinco em cinco minutos trocavam os dizeres para contabilizar sorrisos amarelos. Ele adorava as palavras explícitas, ela repelia-as; ela adorava as subliminaridades, ele as sobreposições de ideias; «mas se calhar somos mais parecidos do que pensamos» disse ela, sacudindo o mesmo cabelo pelo qual ele se tinha apaixonado anos antes – mesmo sem lhe tocar, mesmo sem nunca o ter visto. «escrevo para te amar mais e melhor» dizia ele, brincando às fitas métricas com os dedos; «é o melhor que fazes com os dedos?» ironizava-lhe ela; «testa-mos» respondia ele, ensaiando o trejeito dos pianistas; «viemos aqui com o propósito de preparar a velhice, e não para dar espectáculo» corrige ela, pondo a saia em posição de combate. «coitados, a misericórdia não lhes dá dinheiro para irem ao cinema» dizia ele, que, no fundo – informa-se o leitor inexistente – era um doce de homem. «Para a próxima trazemos uma banquinha e vendemos umas farturas nos intervalos da lírica» propôs ela, que tinha andado a treinar ironia fina numa carta curta em que o agape fazia de farinha e o eros de fada madrinha. «Acho que eles dariam metade da reforma por um cancan seguido dum número de álgebra anatómica» insinuou-se ele, na esperança de que das graçolas pudesse resultar ao menos uma fatia de fruto proibido. «sinto-te com pouco mais capacidade do que umas palavritas encarreiradas entre o belo efeito e a rima fatela» rematou ela, já com vontade de ir apanhar ar e ver homens a sério. « se encontrares alguém que te ame melhor acho que nem deves olhar para trás» arriscou ele a meio caminho entre a insegurança e a vitimização; «os amores não são para se comparar, são para se desfrutar e retribuir a gosto», responde ela em modo tiro e queda, naquele estilo que, se ainda não lhe tinha provocado uma úlcera, pelo menos já lhe tinha calcinado metade da parede do esófago. «quando formos velhos o que te tornará mais aconchegadas as noites serão as memórias das palavras que te disse e do calor desta minha mão incapaz, vais ver» deixou-lhe ele – já em versão de gladiador fracassado de sentimentos – para o resto do serão. Os velhotes do lar entretanto fecharam as persianas; eles olharam para as mãos, elas para as franjas, e assinaram uma petição à misericórdia para que aquelas tardes se repetissem muitas e muitas vezes; e fornecessem um divã decente aos artistas.
Luna Park

«A ironia consiste em se ter uma personalidade efectiva por cima da qual alguém se dá ao luxo de montar outra, fictícia, da sua própria invenção.»

Baroja, "Diálogo sobre a nova arte", in "A Desumanização da Arte e outros Ensaios de Estética", Ortega y Gasset (p. 136)
Luna Park

«A morte não nos diz respeito» Epicuro, Carta a Meneceu
sinfonia nº 6, em si menor

«tudo se nota, quando é escrito»(*), como se ainda impressão digital
Luna Park

Far away / This ship has taken me far away / Far away from the memories / Of the people who care if I live or die - in Starlight, Muse: Black Holes And Revelations, 2006
help yourself, please

Conversas de Massamá e Molhobom


She – Novas danças?

He – Não tenho jeito. O mais que alcanço são pequenas mudanças

She – Aforismo?

He – Trocadilho

She – Então se os filhos são cadilhos..

He – ...as palavras também têm direito a ser trocadilhos

She – Tiraste-me as palavras de boca

He – Estraguei-as portanto

She – Por tão pouco, adiantaria eu

He – Sou de fraco alcance

She – Antes isso que uma desfocagem

He – Posso considerar isso um pequeno elogio?

She – Por aproximação, apenas

He – Há gente que chega a ser feliz apenas por aproximação

She – São as melhores felicidades

He – Fel e cidade é também uma boa combinação

She – Por isso não sou uma mulher doce do campo

He – Uma strawberryfieldica woman?

She – Este já te saiu rebuscado de mais

He – Mas olha que busquei-o apenas uma vez e saiu-me à primeira

She – Os melhores amores não são os primeiros

He – Posso considerar isso uma palavra de esperança?

She – Quem espera nunca alcança

He – Voltamos à dança?

She – É a versão caseira do eterno retorno

He – Antes isso que entornar o caldo

She - Por vezes maças-me

He - Estica as pernas, relaxa, e depois faz uma esparguetada

She – E por vezes cansas-me

He – Um homem que não consiga cansar uma mulher não presta

She – O que conheces tu das mulheres?

He – O suficiente para que elas nunca me conheçam a mim

She – Não passas dum dissimulado, serei levada a concluir

He – Não és mulher de te deixar levar

She – Toda mulher espera pelo seu tapete voador e mágico.

He – Isso é quase romantismo. Estás em processo de conversão?

She – Gosto mais em prosa

He – Brincas com as palavras; estás a usar as minhas armas

She – Só se vence verdadeiramente quando se acaba com as armas do inimigo

He – Eu nunca devia ter saído das trincheiras

She – Assim nunca terias aprendido a trinchar-me - não te entusiasmes é uma figura de estilo

He – Geralmente apanho-te a zona das nervuras - entusiasma-te pois não é uma figura de estilo

She – Não abuses dos calmantes

He – Antes calma que sofreguidão

She – Nem pareces tu.

He – Chamam-lhe osmose

She – Será a tal de química em versão aplatonada?

He – Estou proibido pelo médico de fazer trocadilhos filosóficos

She – Perversão ou mera dependência?

He – Nada disso, apenas pouca queda para a virtude.

She – Chegas ao vício?

He – Mas nunca em circulo nem em ciclo

She – Um homem recto, então?

He – Mas intermitente

She – Tentador...

He – Mas olha eu sou homem de poucas tentativas

She – Mas algumas evasivas

He – Bachiano na fuga, mas Pessoano na presença

She – Uau. Cultura.

He – Tanto bate até que fura

She – Antes isso que mexilhão

He – Pronto, então fico quieto que nem água mole

She – E calado para fazeres o pleno

He – Mas muitas vezes o melhor é irmos por partes

She – Os bois comem-se às postas, não é?

He – Sim, e não se tem sorte sem apostas

She – Com batota?

He – Sem batota o jogo não passa duma distracção com a sorte

She – Não te queria para consorte

He – Oh minha rainha!

She – Oh minha graínha!

He – És tão polposa quanto sulfurosa

She – Chemistry, again?

He – No fundo tenho espírito de cientista

She – Estás a meio caminho entre a pose e a verborreia, mas vestes-te excessivamente bem

He – Nem sempre está um crime onde está um colarinho branco

She – Se não há crime não há castigo. E sem castigo a vida não tem piada

He – A filosofia cedeu o seu lugar no vão da escada à moral, foi?

She – Não se deve invocar o nome da moral em vão

He – Legisladora?

She – Dou apenas o que tenho

He – Mas a muito mais és obrigada

She – Serei inclusivamente o teu porto de abrigo se não me maçares mais

He – E lota? Já sabes que a mulher e a sardinha...

She – Julgo que te ias referir às mulheres sardentas

He – Claro. Sou demasiado tímido para falar sobre as sedentas.

She – A tua timidez é um embuste

He – Administro-a como um tesouro

She – Pose, again?

He – Pause, now.
good news

O regresso desta senhora.
Círculos Amorosos




The nine point circle





La femme avant Roland Garros



Rubens, 'As três graças'. Óleo s/ madeira, 221 x 181 cm. Madrid: Museo del Prado
Luna Park

N'atteignent à la folie que les bavards et les taciturnes: ceux qui se sont vidés de tout mystère et ceux qui en ont trop emmagasiné. - Cioran, Syllogismes de l'amertume (p. 145)
I don't know when I've been so blue

O pais é demasiada camioneta para a areia que vai na cabeça destes gajos

Sócrates tinha decidido receber pinho e lino em privado. Apenas o seu confessor - Freitas do Amaral, como sabemos - estaria presente. Pediu que o tratassem somente por eminência e para não perderem tempo em detalhes. Haveria que combinar rapidamente as gaffes até às férias, mas estava fora de questão não apertar a mão a Carmona, inclusivamente eram bem vindos - e inclusivamente benvindos - abraços, e inclusivamente ao zé, mas que não era ele, ao outro, o que inclusivamente faz falta; para animar a malta, claro.
Estariam proibidas gaffes com os incêndios, o Costa, antónio, tinha deixado isso bem claro quando condescendeu em ir para chefe dos calceteiros, também não seriam mais apreciadas as que se relacionassem com diplomas e caixas de bancos, porque o armando vara estava à beira duma depressão, e deveria poupar-se a mizé nogueira pinto porque nunca se sabe o dia de amanhã. Pinho propôs que mário lino fizesse um lifting porque corria nos bastidores dos gabinetes que ele era o 2º homem mais feio de portugal depois dum tal de wallenstein, mas lino ripostou que os homens querem-se feios, para bonitos já bastava o joão baião e aquela mulher a dias da DREN. Nesse momento Freitas interveio dizendo solenemente que a escolha da gaffe é uma prerrogativa do mestre. Mas os assessores e outros clones do mestre tinham-lhe sempre dito para só falar em caso de necessidade. Aliás Pinho até chegou a sugerir que ele se mudasse para o Palácios das ditas. Lino ripostou sugerindo que o cérebro de Pinho fosse considerado uma das sete maravilhas de Portugal, mas Freitas avisou logo que ele nesse assunto estava em conflito de interesses. Sócrates aí viu-se na necessidade de intervir: ele estava acima de quaisquer interesses: uma lei, um rei, uma fé; sentia-se um novo Richelieu mas sem Maria de Médicis a chatear-lhe a peúga. E assim teve uma iluminação repentina: já não precisava mais da gaffe alheia. Bastava-lhe o tal deserto à volta. Em terra de beduínos quem tem unhas é escorpião.
sinfonia nº 6, em si menor

escrevia para acalmar o prurido, como se ainda candida
Luna Park

«A fim de que de modo algum permanecesse irresoluto nas minhas acções, enquanto a razão me obrigasse a sê-lo nos meus juízos, e de que não deixasse de viver do modo mais feliz que pudesse, formei para mim, provisoriamente, uma moral.»

in ‘Discurso do Método, III’. Descartes
plus parvínias

Diva. Susto. Perca de voz. Vida quase sem sentido. Opções; um: compor. Impossível, o som despedaçava-lhe a alma pela sinistra via da saudade; dois: letrista. Sucesso. Quem as cantava encantava, que nem chuva deus a dava; qualquer que fosse a música corações dilacerava, a todos garantia bons momentos, só casamentos de noivas de sto antónio foram mais de 500. Até mambos, até modinhas, até tangos. Era o tal chamado «ninguém ficava indiferente». E escrevia as letras compulsivamente; inventou sentimentos que ninguém ainda tinha experimentado. Chamaram-lhe mistura de Afrodite com Freud. Até deu em canção: ‘Afreudite’. E de bónus ainda curava da artrite. Novo susto. Voz de volta. Apenas tinha passado um mau bocado, era diva agora ao quadrado. Novo e inesperado dilema: cantar as suas letras? Tentou; não conseguiu. Sentia-se sempre a cantar num divã. Sentia-se livro aberto. Tinha de optar: ou voz, ou letras. Confiou na providência. Procurou um novo susto para ver o que perderia dessa vez. Deu um passo a mais. Morte tecnicamente estúpida, a providência já não é o que era. A camioneta não teve tempo de parar. Asfalto, diva no.
Luna Park

«La vita... che importa?... / E' il racconto d'un povero idiota; / Vento e suono che nulla dinota!»

Macbeth, ópera «Macbeth», Acto IV, Cena VI. Música de Giuseppe Verdi, libretto de Francesco Maria Piave
and morguínias

Pura e simplesmente morreu de amor. Desde a juventude que o tinham convencido que não havia amores sublimes, definitivos, absolutos e únicos. Por isso andou descontraído. Leu com distanciamento crítico, viu filmes com sorrisos amarelos, escutou desabafos com a frieza dum general, caminhou de braço dado com peles de seda sem batidas especiais do miocardio. Era o equilíbrio perfeito entre o que tinha de ser e o que devia ser feito. A vida jogava-se nos valores seguros e numa ou outra carta na manga. Do que chamavam coração retirou apenas os afectos imprescindíveis para o investimento e a poupança. Os chamados prazeres da vida chegavam-lhe como numa matriz: entradas de energia e hormona, saídas de espasmo e suspiro. Preparava-se para morrer de doença não especificada, quanto muito acidente. Mas num dia, sem característica nenhuma especial, nem de clima, nem de santo de calendário, tudo mudou. Ela. Onde antes lhe apareciam causas e efeitos agora apareciam revelações. Ela. Onde antes estava um relógio agora só havia um cuco. Ela. Experimentou nós na garganta que não eram caroços de ameixa, ardor no estômago que não era do mau champanhe e formigueiro nas mãos sem estar sentado em cima do braço. Ela. A aurículas olhavam para os ventrículos e não encontravam explicações para aquilo. As urticárias lutavam com as hemorróidas. O corpo estava em cisma com a mente. Durou quinze dias, tendo-lhe sido diagnosticado uma irreversível falta de preparação para as ondas da frequência do amor. Estava totalmente dependente da vida flat. Foi reconhecido na gaveta pelos olhos ainda esbugalhados. Esteve a milímetros de ser embalsamado. Lindo e com algodão, mortalha de.
& fodassários

Pele e osso. O coração já só trabalhava pedindo licença. Mas falava pelos cotovelos. Os pulmões tinham-se habituado a funcionar de memória e nem precisava de fazer pausas para respirar. Cada hemograma era um poema que ele recitava com música dos Nocturnos do Debussy de fundo. Na sua exposição dos electrocardiogramas, o Berardo tinha-lhe comprado dois e o Guggenheim apalavrara-lhe meia dúzia que tinham umas arritmias parecidas com uma mistura de Fontana com Hartung. Vendeu a próstata para uma instalação do Bill Viola mas já não teve clientes para os tendões de Aquiles. O clássico passara de moda. E a ciência experimental desinteressara-se dele num último momento porque havia saldos no canil. O seu último capricho foi mão de vaca num restaurante muito asseado chamado Pilatos. Para o testamento restou-lhe a dentadura com um molar de quilates, uma carrada de
Cardápios, infratáfios & avatários

Ficara-se. Ali, no meio da procissão. Nem o andor carregava, nem sequer rezava. Nem tinha um olhar doce. Tinham-lhe dito apenas para ir. Com os outros. A fé carregava-se melhor acompanhado, desde que tinham terminado as verbas para eremitas. Sempre o confundiram com a necessidade de separar a fé do sentimento, numa espécie de mundana exigência de separação de poderes. Mas agarrava-se desesperadamente a todos os sentimentos que lhe aconchegassem a razão. Por momentos perdera a visão da cruz num dos cruzamentos. Ia no meio da procissão, entre uma francesa de carrapito e uma freira. Ambas lhe sorriam como semáforos. Ora uma, ora outra. Nunca chegou a saber se estavam combinadas. Ambas vestiam mal mas apenas a freira tinha desculpa. Não chegou a ter tempo para desenvolver essa ideia frívola. Deus levou-o num momento de distracção para não destoar do resto da vida. Quando o descobriram estava de rosas, coberto de.
Infratáfios, cardápios & avatários

Tinha sido uma vida repleta de sexo e esparguete. Declinara ejaculação com parmesão num roteiro de satisfação e deleite . Fizera da manteiga uma companheira fiel e com ela tornara os dias mais fáceis de passar. As mulheres e o amido tinham-lhe fornecido o guião a que ele permaneceu fiel sem um queixume nem uma desilusão. Durante uns tempos metonimizou em fuzillis e platonismos afins, chegou a viciar-se em raviolis e em dançarinas de rumba, mas acabava sempre por voltar sempre aos corpos de movimentos conhecidos e ao macarrão. Nos últimos tempos deixara-se seduzir pela tagliatelle e com ela vieram de arrasto mulheres magras e esguias. O seu corpo não admitia contradições. Nem condimentos exagerados. Nem visões místicas. Foi descoberto consolado, junto a uma adida comercial Bolonhesa, agarrado a uma cama em ferro decapado e carbonara, banhado a .
Luna Park

A wise old owl lived in an oak / The more he saw the less he spoke / The less he spoke the more he heard. / Why can't we all be like that wise old bird? - «A wise old owl», http://www.rhymes.org.uk
Luna Park

«Dança comigo a primeira valsa da Primavera: dança sem sonhos, esquece as promessas, ninguém nos espera. Já enchi os dias de lutas vazias: estou gasto, cansado, dormente. E a um pouco de sexo, ou muita poesia, ainda não fico indiferente. Fala comigo na palavra falsa da fantasia (…). É certo que as flores parecem maiores que toda a virtude do mundo: com um pouco de sexo, ou muita poesia, ainda me sinto profundo. Se este mundo fosse feito para ser doce eu seria doce fosse eu quem fosse.(…) Já deixei as asas na cave da casa e as chaves no fundo do mar: com um pouco de sexo, ou muita poesia, ainda nos vamos casar»

In ‘Valsa quase anti-depressiva’ , do Quinteto Tati. ‘Exílio’, 2004
Avatários

Vida farta. De todos credor. Moral definida à partida, lucro obtido à posteriori. Fraquezas feitas forças. Amores que nunca falharam: todos possíveis, todos decoráveis, todos transaccionáveis; todos fogos que ardiam sem atrapalhar. Perfeição desnecessária tal a evidência da eficiência. Desconhecimento da dor de corno e bons abat-jours para as luzes da ribalta. Pulso e pescoço fortes: só vergavam para descontrair e aquecer. Coração de ferro. Olho clínico. Alma de cristal. Nem a terra o haveria de comer. Morreu Conde de Lapidado. Feito em cacos patinando em Carrara, mármore de.
cardápios

Chamavam-lhe o serial kinder. Prometeu e fez: teve uma ninhada de filhos. Foi atrás do mandato bíblico, certificou-me da canonicidade do mesmo na Ordem dos Hermeneutas e entremeou meninos com meninas num fantástico determinismo cromossómico apenas ao alcance dos predestinados da genitália. Um frade, uma florista, um lenhador, uma fadista, um leiteiro e uma jornalista. Hesitou no último, mas tinha um mandato preciso: teria de fechar com um ciclista pois sobravam-lhe dois boiões de lubrificação. Demonstrada a pedalada haveria que amadurecer serenamente dando noções básicas para a vida, ensinando a separar o trigo do joio, a papoila do malmequer, o lugar do homem e o lugar da mulher. Nenhum lhe tresmalhou verdadeiramente, tirando o leiteiro que chegou a fermentar com duas padeiras diferentes, e a jornalista que trocava de editor como quem escolhia frases do dia. Do lenhador e do frade recebeu o combustível para as noites frias, da fadista e da florista a iluminação para as noites escuras, e o ciclista treinava a montanha indo-lhe buscar o diurético à farmácia do jardim da Estrela. De todos os filhos retirou enlevo, a todos transmitiu zelo e fortaleza. Agradeceu sempre a Deus a sua fertilidade e a anuência do útero em condomínio; nunca se deixou seduzir pela poligamia nem pelo in vitro, e o seu maior pecadilho foi não gostar de brincar às cavalitas por fragilidade lombar hereditária. Chegou a engarrafar o seu próprio moscatel e a tocar gaita. Deixou prol, rótulo e fole. Acabou numa cinza, vasilha de.
quem oferece o que pode...

Renée Fleming, Song to the Moon ("Měsíčku na nebi hlubokém", ópera Rusalka, Antonín Dvořák)

(Nota interna - no catálogo de futons apenas isto.)
Infratáfios

Um suor repentino tinha-lhe agarrado a história à pele. Um emaranhado de equívocos, coisas deixadas a meio, indecisões. Más decisões. Mas tudo colado com cuspo. Impossibilidade de aplicar a técnica da tábua rasa e abuso das associações livres. Caprichos que afinal nunca deixaram de ser entusiasmos passageiros. Incapaz de se arrepender verdadeiramente; mais incapaz ainda de se surpreender. Amuos. Auto comiserações. Ensimesmamentos. Labirintos. Falta de exemplo e incapacidade do transmitir. Biografia sem bio, nem brio; e excesso de grafia. Irrelevante. Rezou, mas não chegou sequer a saber se esteve lá perto. Amou, mas sem saber se tinha sido amado. A sua maior glória foi ser incompreendido, mas acabou compreendido entre seis placas de mogno, folheadas a.
quem oferece o que pode...

Anna Netrebko, Song to the Moon ("Měsíčku na nebi hlubokém", ópera Rusalka, Antonín Dvořák)

(Nota interna - de colchões foi o que se arranjou.)
Chegam à zona dos pastéis de Belém, viram à direita, sobem um bocadinho, e é logo ali numa esplanada em relvado panorâmico com vista para o Tejo, e frequentada designadamente por tipos com idade de profetas e que derretem de forma pacata o orçamento da segurança social que tanto nos custa a esfolar aos imigrantes ucranianos.


Tentava eu consolar um adepto do Belém – que escreve sobre assuntos semi esotéricos num blog de reminiscências surrealistas - e ao mesmo tempo felicitá-lo pela forma digna e pundonorada como abrilhantaram a vitória dos lagartos na taça, quando sou presenteado por mail com esta pérola (parte até publicada no seu blog miniformalista de expatriado saxofonista, aguarelista da teoria dos jogos e poeta da economia industrial), assumindo, das vísceras, uma revolta da qual só me lembro de lhe ver semelhante quando eu lhe dava fortes cabazadas aos matrecos no Jardim Cinema e a resolver integrais duplos de cabeça.


«Vi agora o resumo do jogo no YouTube. O Belém teve sobejas e soberanas oportunidades de golo. Mas enfim, o futebol é isto; a bola é redonda, e uma carreira de sacrifício, entrega e humildade, com muito trabalho ao longo da época, é reduzida a nada por um pequeno pormenor. Não houve justiça no resultado e há circunstâncias que não vou referir agora que altamente influenciaram esta situação.
Por outro lado, embora não tenha informações detalhadas, não me restam dúvidas de que o árbitro foi comprado, aliás isto virá tudo ao de cima quando for apurada a questão do apito dourado, aliás, apito verde-e-branco. É tudo o que tenho a dizer para já, mas o Clube de Futebol Os Belenenses não vai deixar de considerar outras formas de acção nesta situação, incluindo meios judiciais se necessário. É preciso trazer a verdade de volta ao futebol, e o desfecho deste desafio não reflecte a verdade do que se passou dentro das quatro linhas.
O que está em causa não é somente a atribuição de um troféu, o que está em causa é a justiça no desporto-rei, é a honra de 11 profissionais -- superiores intérpretes da modalidade -- que vêem defraudados os seus direitos pela forma irregular com que se deram os acontecimentos no Jamor, que aliás contrariam as mais básicas regras da ética desportiva.»

Gostava de salientar as principais frases, de apuradíssimo, refinado mesmo, bom gosto, como não podia deixar de ser.

‘sobejas e soberanas’ – Gosto. Seria um bom anúncio para farturas ou para queijadinhas de Sintra, no fundo as verdadeiras razões que podem levar cidadãos normais e pagadores de impostos a passarem umas horas em ansiolíticas meditações ali um pouco acima do túmulo do Camões.

‘há circunstâncias que não vou referir’ - Eu penso que a vida é essencialmente determinada por circunstâncias que um tipo nunca refere. É da nossa natureza, temos todos um pouco os nossos momentos de toupeira, muitas vezes não sabemos é em que buraco estamos metidos. Aliás, ser do ‘CF Os Belenenses’ (o nome já encerra uma certo amor à gramática, por exemplo) é certamente um desses fenómenos que nem uma combinação de genética com antropologia criativa consegue explicar decentemente. E seria mesmo uma tragédia, não fora a frase seguinte:

‘isto virá tudo ao de cima’ – expressão verdadeiramente apocalíptica e de ligeiro pendor escatológico mas que apresenta uma pequena réstia de esperança à condição humana: um dia saber-se-á tudo. É bonito. É a vitória do azeite a caminhar sobre as águas. Ou, no fundo, a libertação da canela face ao pastel. Ou mesmo o domínio de J.Jesus sobre o plantel.

‘É tudo o que tenho a dizer para já’ – Ficar sempre com algo para dizer é um tradicional sinal de sabedoria. Pode ser também gaguez, entalanço de qualquer croquete no goto como já aconteceu ao teu anfitrião mor (o de cá foi apenas com bolo rei – tu não apanhas algumas piadas, mas depois eu explico-te por mail se não isto nunca mais acaba) mas se for acompanhado por um respirar meio tuberculoso e um olhar distante é garantia de auditório e royalties para mais de 20 anos.

‘É preciso trazer a verdade de volta’ – É um dos problemas para aqueles que deixaram a verdade ir-se embora por falta de verba. Uns puseram-na a render, outros no prego, mas para um clube pequeno entre Monsanto e o Dafundo será sempre difícil manter a verdade. No caso dos lagartos é diferente porque só vendemos as verdades ainda tenrinhas para depois as trocarmos por grande galgas, o que, como se sabe, resulta em meias verdades, provada garantia de sucesso em qualquer ramo de actividade, microeconomia e decoração de interiores incluídas.

‘pela forma irregular com que se deram os acontecimentos’ – Estamos agora a entrar pela via da fenomenologia criativa. Os acontecimentos são o que nós queremos que eles sejam, isto é uma conquista da Física quântica e da CNN; no fundo o que distingue o CIF, do Club de Belém é que o restaurante deste tem melhor vista, tirando, claro, o dia em que a Sharapova fosse lá bater bolas e comer saladinha de polvo. Pior que um acontecimento ocorrido de forma irregular só mesmo um bacalhau à Brás sem o próprio Brás estar presente, ou com o Zé do Pipo armado ao pingarelho.


‘mais básicas regras da ética’ – Estamos certamente na presença dum novo decálogo, desta vez gravado e inscrito numa base de massa folhada com três de farinha, uma de gema e duas de hermesetas, em que os mais fracos têm direito a lixar os mais fortes em vão, a prescindir da castidade em caneladas e carrinhos, e a amar a falta de jeito acima de todas as coisas.

E que jamais se vejam ‘defraudados dos vossos direitos de forma irregular’, nem ‘reduzidos a nadas por pequenos pormenores’ é o meu desejo.
Luna Park

«O cómico é a intuição do absurdo, e parece-me que conduz melhor ao desespero que o trágico.» Eugène Ionesco, a propósito de «A Lição» (1951)
Mas não podia deixar de dizer isto no domingo da Santíssima Trindade

Uma das fontes de sabedoria que encerra o Novo Testamento é a epistemológica. Muita tinta correu e correrá sobre a ‘fiabilidade’ da fé como fonte de conhecimento, no entanto, julgo ser de elementar justiça científica (just a smile, please) recordar que Jesus mostrou que o conhecimento de Deus se tem de se basear na ‘união’ com Ele. É este o elemento constitutivo e distintivo da fé como conhecimento: exige a união (*) com o objecto a conhecer. Facto esse de que ficaram, felizmente, dispensadas as, ditas, ciências experimentais, e, infelizmente, as, ditas, sociais.

(*) nota técnica interna: diferente de 'chocar com Ele'

A day at the races


Entrámos em Junho e eu não ia a uma feira do livro há prai 10 anos; sem mais explicações inúteis: fui. Levava um propósito quase de escuteiro: livro-de-blogue-em-livro que visse, comprava, nem olhava ao custo per página, não seria o mesmo que ajudar uma velhinha a atravessar uma rua, ou dar banhinho a um leproso, mas ainda assim era um alento. E um acto de justiça, de camaradagem. Acho que até me fica bem e praticamente somos todos irmãos.

E então se eu já tivesse dito mal dele, até lhe pediria um autógrafo, tal fosse proporcionado, numa espécie de via crucis blogo-expiatoris; o serviço é para se fazer bem feito.

Mas eis que quando ia quase liturgicamente comprar o último livro traduzido do Roth, porque é o melhor representante daquelas gajos que ainda não perceberam que os romances acabaram há mais de 100 anos e que mesmo assim se esmeram por nos tentar desinquietar - como se alguém trocasse umas ostras com MUM por uma angústia ficcionada - e, vai daí, encontro o quê, o quê: uma bicha para autógrafos; e de quem, de quem: do inevitável Lobo Antunes; ora eu achava, basicamente, que as pessoas compram os livros do Lobo Antunes para oferecer; ele, o Saramago, as edições Inapa e a Vista Alegre, vivem disso: de festas de anos, natais, pós operatórios, e de amigos armados ao pingarelho e com pouca imaginação. Mas enganei-me, Lobo Antunes vive dum outro filão inesgotável: a mulher de meia idade que usa blusa cintada ao fim de semana; e, por isso, ele será sempre um caso de sucesso crescente: as mulheres de meia idade não param de aumentar, e são claramente as novas balzaquianas - hoje a mulher de trinta anos é apenas uma fornecedora de romances sobre call centers.

Só que o meu coração ficou praticamente manteiga quando reparo que, ao lado da bicha soviética para o Lobo Antunes, lá estava Pepetela, solitário, olhar fixado na banca das farturas - já praticamente tinha arrumado com todas aquelas peles desagradáveis que crescem e aparecem logo ali na zona em que acabam as unhas, acho que estão a ver onde é - e, bolas, eu fiquei com pena, não terei chegado a lacrimejar, mas acho que se pode chamar pena. E sim, fiz o que estão a pensar, fiz, tive uma queda praticamente cristã em versão franciscana reformada (capuchinho); eu, que na minha santa vida nunca tinha lido, nem tocado, um livro de Pepetela – comprei logo um ao calhas - nem nunca tinha pedido uma porra dum autógrafo, nem sabia como isso se fazia, se tinhamos de rir, de lhe dizer coragem, de dizer que era para a nossa avó, ou assim - foi praticamente como usar o cartão multibanco pela primeira vez – avancei; mas, confesso, foi insosso, estava realmente à espera duma cara de enjoo, do desinteresse agónico de alguém a quem ninguém ligava um caralho, mas foi uma desilusão, ele foi medianamente simpático - com um bocadinho mais de tempo até me tinha perguntado que lâminas para barba é que eu usava - e então, para não ficar com essa desagradável imagem de proximidade, fui a correr à esquina do pavilhão onde atacava o Saramago – e o que eu gosto genuinamente do Saramago, ateenção! – e aí sim, previsivelmente, não fui defraudado, ele autografou-me ( salvo seja) – outro livro comprado ao calhas - e fez aquela cara de lanzarote que eu adoro e que a minha alma já não dispensa. Confesso que acabei por me afeiçoar à coisa dos autógrafos e ainda voltei à D. Quixote, mas já não tinham autógrafos do Cardoso Pires, nem da Natália Correia, o que eu achei de bastante mau gosto, e para me desforrar comprei um livro daquele gajo brazuca que derrete os corações das trintonas a fugir para os quarenta - mas com música - e que um dia ainda será cabeça de cartaz do carnaval de Buarcos, e que inesperadamente nem escreve mal, mas que eu, obviamente, não lerei; ao Agualusa já não arrisquei porque havia manadas de gajos a tirar fotografias e vocês haviam de ver a t'shirt do gajo, que nem tem blog nem nada, como agora até tem o Rui Zinc e tudo.

Entretanto começaram os inevitáveis, mas dalguma forma salvadores, espirros, lembrei-me de um dos aforismos do ‘Melancómico’, que trazia comigo ( coisa de 8 euros - 80 páginas, até me pareceu justo, já tinha pago mais por um Partagas noutro dia em Burgos e nem estava grande espingarda ), ‘Deus nunca deve ter tido sinusite’ e, já de nariz seco, olhos tolhidos (parecem melancólicos mas estão apenas em rescaldo) reparo numa miúda bem gira, - vocês não a estão a ver mas podem pôr-se a imaginar se fazem favor - gira mesmo, e com um vestido alaranjado que nem lhe caia mal, mas não é que, grande porra, encarapuçava, atentem nisto: um daqueles chapéu de cowboy (!) em palha (!!) e uns brincos (!!!) que mais pareciam duas hóstias penduradas(!!!!) Valha-me Deus. Trinta anos, de certezinha, e com dois ou três livros autografados da Rosa Lobato Faria no bucho. É das que quando chegar à meia idade só compra livros nas edições Afrontamento.
The dissembled side of the wool #10

Ticket to dye
dúvida metódica

Plágio não é o nome daquele godo (de resto praticante de métodos de "colheita" e diplomacia muito politicamente incorrectos nos dias de hoje) que fundou o Reino das Astúrias algures pelo século VIII?

E pelágio não é o nome que se dá ao acto de surripiar ideias alheias sem referir a fonte (seja por mero chico-espertismo ou por violação dos nºs 1 dos Artigos 26º e 34º da CRP)?

Ah, é ao contrário? E nota-se muito a diferença? É que no fundo este será sempre um dos menos acautelados riscos do autodidacta acrítico. Como se tocar rabecão com a sovela. Ou como se youtube.
The chill out side of the wool #9

Let it bleat
The luxurious side of the moon #8

Octopus’s hands knits delightfully at the sheep’s garden
The Freudian side of the wool #7

Across the universe the shepherd is tending with a Norwegian crook
The Soft side of the moon #6

The wool on the hill
The Cheeky side of the wool #5

With a little help from my wrists
The Twisted side of the moon #4

Sgt. Shearer’s lonely hearts sheep band
The Red side of the wool #3

Strawberry flocks forever
The Bright side of the moon #2

Dolly is in the skein with diamond buds