and morguínias

Pura e simplesmente morreu de amor. Desde a juventude que o tinham convencido que não havia amores sublimes, definitivos, absolutos e únicos. Por isso andou descontraído. Leu com distanciamento crítico, viu filmes com sorrisos amarelos, escutou desabafos com a frieza dum general, caminhou de braço dado com peles de seda sem batidas especiais do miocardio. Era o equilíbrio perfeito entre o que tinha de ser e o que devia ser feito. A vida jogava-se nos valores seguros e numa ou outra carta na manga. Do que chamavam coração retirou apenas os afectos imprescindíveis para o investimento e a poupança. Os chamados prazeres da vida chegavam-lhe como numa matriz: entradas de energia e hormona, saídas de espasmo e suspiro. Preparava-se para morrer de doença não especificada, quanto muito acidente. Mas num dia, sem característica nenhuma especial, nem de clima, nem de santo de calendário, tudo mudou. Ela. Onde antes lhe apareciam causas e efeitos agora apareciam revelações. Ela. Onde antes estava um relógio agora só havia um cuco. Ela. Experimentou nós na garganta que não eram caroços de ameixa, ardor no estômago que não era do mau champanhe e formigueiro nas mãos sem estar sentado em cima do braço. Ela. A aurículas olhavam para os ventrículos e não encontravam explicações para aquilo. As urticárias lutavam com as hemorróidas. O corpo estava em cisma com a mente. Durou quinze dias, tendo-lhe sido diagnosticado uma irreversível falta de preparação para as ondas da frequência do amor. Estava totalmente dependente da vida flat. Foi reconhecido na gaveta pelos olhos ainda esbugalhados. Esteve a milímetros de ser embalsamado. Lindo e com algodão, mortalha de.

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