A day at the races
Entrámos em Junho e eu não ia a uma feira do livro há prai 10 anos; sem mais explicações inúteis: fui. Levava um propósito quase de escuteiro: livro-de-blogue-em-livro que visse, comprava, nem olhava ao custo per página, não seria o mesmo que ajudar uma velhinha a atravessar uma rua, ou dar banhinho a um leproso, mas ainda assim era um alento. E um acto de justiça, de camaradagem. Acho que até me fica bem e praticamente somos todos irmãos.
E então se eu já tivesse dito mal dele, até lhe pediria um autógrafo, tal fosse proporcionado, numa espécie de via crucis blogo-expiatoris; o serviço é para se fazer bem feito.
Mas eis que quando ia quase liturgicamente comprar o último livro traduzido do Roth, porque é o melhor representante daquelas gajos que ainda não perceberam que os romances acabaram há mais de 100 anos e que mesmo assim se esmeram por nos tentar desinquietar - como se alguém trocasse umas ostras com MUM por uma angústia ficcionada - e, vai daí, encontro o quê, o quê: uma bicha para autógrafos; e de quem, de quem: do inevitável Lobo Antunes; ora eu achava, basicamente, que as pessoas compram os livros do Lobo Antunes para oferecer; ele, o Saramago, as edições Inapa e a Vista Alegre, vivem disso: de festas de anos, natais, pós operatórios, e de amigos armados ao pingarelho e com pouca imaginação. Mas enganei-me, Lobo Antunes vive dum outro filão inesgotável: a mulher de meia idade que usa blusa cintada ao fim de semana; e, por isso, ele será sempre um caso de sucesso crescente: as mulheres de meia idade não param de aumentar, e são claramente as novas balzaquianas - hoje a mulher de trinta anos é apenas uma fornecedora de romances sobre call centers.
Só que o meu coração ficou praticamente manteiga quando reparo que, ao lado da bicha soviética para o Lobo Antunes, lá estava Pepetela, solitário, olhar fixado na banca das farturas - já praticamente tinha arrumado com todas aquelas peles desagradáveis que crescem e aparecem logo ali na zona em que acabam as unhas, acho que estão a ver onde é - e, bolas, eu fiquei com pena, não terei chegado a lacrimejar, mas acho que se pode chamar pena. E sim, fiz o que estão a pensar, fiz, tive uma queda praticamente cristã em versão franciscana reformada (capuchinho); eu, que na minha santa vida nunca tinha lido, nem tocado, um livro de Pepetela – comprei logo um ao calhas - nem nunca tinha pedido uma porra dum autógrafo, nem sabia como isso se fazia, se tinhamos de rir, de lhe dizer coragem, de dizer que era para a nossa avó, ou assim - foi praticamente como usar o cartão multibanco pela primeira vez – avancei; mas, confesso, foi insosso, estava realmente à espera duma cara de enjoo, do desinteresse agónico de alguém a quem ninguém ligava um caralho, mas foi uma desilusão, ele foi medianamente simpático - com um bocadinho mais de tempo até me tinha perguntado que lâminas para barba é que eu usava - e então, para não ficar com essa desagradável imagem de proximidade, fui a correr à esquina do pavilhão onde atacava o Saramago – e o que eu gosto genuinamente do Saramago, ateenção! – e aí sim, previsivelmente, não fui defraudado, ele autografou-me ( salvo seja) – outro livro comprado ao calhas - e fez aquela cara de lanzarote que eu adoro e que a minha alma já não dispensa. Confesso que acabei por me afeiçoar à coisa dos autógrafos e ainda voltei à D. Quixote, mas já não tinham autógrafos do Cardoso Pires, nem da Natália Correia, o que eu achei de bastante mau gosto, e para me desforrar comprei um livro daquele gajo brazuca que derrete os corações das trintonas a fugir para os quarenta - mas com música - e que um dia ainda será cabeça de cartaz do carnaval de Buarcos, e que inesperadamente nem escreve mal, mas que eu, obviamente, não lerei; ao Agualusa já não arrisquei porque havia manadas de gajos a tirar fotografias e vocês haviam de ver a t'shirt do gajo, que nem tem blog nem nada, como agora até tem o Rui Zinc e tudo.
Entretanto começaram os inevitáveis, mas dalguma forma salvadores, espirros, lembrei-me de um dos aforismos do ‘Melancómico’, que trazia comigo ( coisa de 8 euros - 80 páginas, até me pareceu justo, já tinha pago mais por um Partagas noutro dia em Burgos e nem estava grande espingarda ), ‘Deus nunca deve ter tido sinusite’ e, já de nariz seco, olhos tolhidos (parecem melancólicos mas estão apenas em rescaldo) reparo numa miúda bem gira, - vocês não a estão a ver mas podem pôr-se a imaginar se fazem favor - gira mesmo, e com um vestido alaranjado que nem lhe caia mal, mas não é que, grande porra, encarapuçava, atentem nisto: um daqueles chapéu de cowboy (!) em palha (!!) e uns brincos (!!!) que mais pareciam duas hóstias penduradas(!!!!) Valha-me Deus. Trinta anos, de certezinha, e com dois ou três livros autografados da Rosa Lobato Faria no bucho. É das que quando chegar à meia idade só compra livros nas edições Afrontamento.
Entrámos em Junho e eu não ia a uma feira do livro há prai 10 anos; sem mais explicações inúteis: fui. Levava um propósito quase de escuteiro: livro-de-blogue-em-livro que visse, comprava, nem olhava ao custo per página, não seria o mesmo que ajudar uma velhinha a atravessar uma rua, ou dar banhinho a um leproso, mas ainda assim era um alento. E um acto de justiça, de camaradagem. Acho que até me fica bem e praticamente somos todos irmãos.
E então se eu já tivesse dito mal dele, até lhe pediria um autógrafo, tal fosse proporcionado, numa espécie de via crucis blogo-expiatoris; o serviço é para se fazer bem feito.
Mas eis que quando ia quase liturgicamente comprar o último livro traduzido do Roth, porque é o melhor representante daquelas gajos que ainda não perceberam que os romances acabaram há mais de 100 anos e que mesmo assim se esmeram por nos tentar desinquietar - como se alguém trocasse umas ostras com MUM por uma angústia ficcionada - e, vai daí, encontro o quê, o quê: uma bicha para autógrafos; e de quem, de quem: do inevitável Lobo Antunes; ora eu achava, basicamente, que as pessoas compram os livros do Lobo Antunes para oferecer; ele, o Saramago, as edições Inapa e a Vista Alegre, vivem disso: de festas de anos, natais, pós operatórios, e de amigos armados ao pingarelho e com pouca imaginação. Mas enganei-me, Lobo Antunes vive dum outro filão inesgotável: a mulher de meia idade que usa blusa cintada ao fim de semana; e, por isso, ele será sempre um caso de sucesso crescente: as mulheres de meia idade não param de aumentar, e são claramente as novas balzaquianas - hoje a mulher de trinta anos é apenas uma fornecedora de romances sobre call centers.
Só que o meu coração ficou praticamente manteiga quando reparo que, ao lado da bicha soviética para o Lobo Antunes, lá estava Pepetela, solitário, olhar fixado na banca das farturas - já praticamente tinha arrumado com todas aquelas peles desagradáveis que crescem e aparecem logo ali na zona em que acabam as unhas, acho que estão a ver onde é - e, bolas, eu fiquei com pena, não terei chegado a lacrimejar, mas acho que se pode chamar pena. E sim, fiz o que estão a pensar, fiz, tive uma queda praticamente cristã em versão franciscana reformada (capuchinho); eu, que na minha santa vida nunca tinha lido, nem tocado, um livro de Pepetela – comprei logo um ao calhas - nem nunca tinha pedido uma porra dum autógrafo, nem sabia como isso se fazia, se tinhamos de rir, de lhe dizer coragem, de dizer que era para a nossa avó, ou assim - foi praticamente como usar o cartão multibanco pela primeira vez – avancei; mas, confesso, foi insosso, estava realmente à espera duma cara de enjoo, do desinteresse agónico de alguém a quem ninguém ligava um caralho, mas foi uma desilusão, ele foi medianamente simpático - com um bocadinho mais de tempo até me tinha perguntado que lâminas para barba é que eu usava - e então, para não ficar com essa desagradável imagem de proximidade, fui a correr à esquina do pavilhão onde atacava o Saramago – e o que eu gosto genuinamente do Saramago, ateenção! – e aí sim, previsivelmente, não fui defraudado, ele autografou-me ( salvo seja) – outro livro comprado ao calhas - e fez aquela cara de lanzarote que eu adoro e que a minha alma já não dispensa. Confesso que acabei por me afeiçoar à coisa dos autógrafos e ainda voltei à D. Quixote, mas já não tinham autógrafos do Cardoso Pires, nem da Natália Correia, o que eu achei de bastante mau gosto, e para me desforrar comprei um livro daquele gajo brazuca que derrete os corações das trintonas a fugir para os quarenta - mas com música - e que um dia ainda será cabeça de cartaz do carnaval de Buarcos, e que inesperadamente nem escreve mal, mas que eu, obviamente, não lerei; ao Agualusa já não arrisquei porque havia manadas de gajos a tirar fotografias e vocês haviam de ver a t'shirt do gajo, que nem tem blog nem nada, como agora até tem o Rui Zinc e tudo.
Entretanto começaram os inevitáveis, mas dalguma forma salvadores, espirros, lembrei-me de um dos aforismos do ‘Melancómico’, que trazia comigo ( coisa de 8 euros - 80 páginas, até me pareceu justo, já tinha pago mais por um Partagas noutro dia em Burgos e nem estava grande espingarda ), ‘Deus nunca deve ter tido sinusite’ e, já de nariz seco, olhos tolhidos (parecem melancólicos mas estão apenas em rescaldo) reparo numa miúda bem gira, - vocês não a estão a ver mas podem pôr-se a imaginar se fazem favor - gira mesmo, e com um vestido alaranjado que nem lhe caia mal, mas não é que, grande porra, encarapuçava, atentem nisto: um daqueles chapéu de cowboy (!) em palha (!!) e uns brincos (!!!) que mais pareciam duas hóstias penduradas(!!!!) Valha-me Deus. Trinta anos, de certezinha, e com dois ou três livros autografados da Rosa Lobato Faria no bucho. É das que quando chegar à meia idade só compra livros nas edições Afrontamento.
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