É por todos sabido que Jesus (pelo menos aparentemente) nada escreveu, que aquilo que vem escrito nos evangelhos canónicos foi o que alguns acharam por bem relatar por escrito, (e outros conservar e difundir) num grego arredondado, pelos mais diversos motivos, (excluindo-se aqui talvez a publicação em rubricas de frases da semana e as canções do Roberto Leal) , incluindo o nobre de cativar, que os textos definitivos foram sendo fixados ao longo dos primeiros tempos com as previsíveis hesitações, mas certamente com oração, sobriedade e um cestinho das boas intenções que por vezes até enchem um local que não vem aqui ao caso.
A vida e a figura de Jesus não são algo de definitivo ou fechado, sem que isto queira dizer forçosamente problemático ou controverso, mas antes algo que se coaduna com o simples facto d’Ele ser Deus, e inesperadamente, tão Deus quanto homem - coisa que nem Homero sacou da imaginação entre duas drunfadas à beira mar - e vir dizer para amarmos como Ele nos amou (algo que só sabemos por aproximação) e para ser perfeitos como o Pai Celestial. Se eu ainda pudesse dizer aqui palavrões, diria que isto era uma grande foda, assim digo só que estamos prejudicados por causa da falta de informação. Perfeito homem, sim, esta atravessa agora a ironia de muito boa gente que busca ‘intercourses’ (gostou assim, mme?) e suores e descargas hormonais afins em todas as entrelinhas bíblicas; e, acrescento agora: com a sua sexualidade bem vincada, tendo ido para o deserto mas não querendo lá ficar, e deixando os seus discípulos sem reacção quando, quase no princípio da sua vida pública, falou a sós com a samaritana; sim, um judeu não dirigia palavra a uma mulher sozinha e até esta se espantou com o atrevimento.
Verificaremos então agora alguns dos reais, constitutivos e distintivos elementos da sexualidade masculina, sem o patrocínio de nenhum after-shave, nem de nenhuma marca de produtos para a queda do cabelo, mas retidos da vida de Jesus. Igualmente sem malabarismos, nem analogias demasiado alucinadas, mas sem receio das generalizações abusivas a pedir o ‘vê se te enxergas, meu’, nas entradas do dicionário não ilustrado nºs 1179 a 1186, e ainda sem saber ao certo qual o preço que vou pagar por isto.
(A figura da) mãe – Mesmo antes de Freud ter avisado as hostes, os filhos varões sempre colocaram as mães num pedestral desligado de tudo o resto. Uma mãe pode até ‘ter de ser posta no lugar’, contrariada, enfrentada, quando está em jogo o crescimento e a liberdade, pode chagar-nos o juízo numa qualquer boda de Canã, pode oferecer-nos uma camisola que já nem se usa no Sri Lanka, mas o ‘masculino’ revela-se definitivamente quando uma Mãe, mais que referência, representa para ele uma presença constante, desejada e quase inexplicável na alma, mesmo sem édipos à perna.
(A gestão da) virilidade – O chamado ‘acto viril’ é um conceito ambíguo e perigoso por estar sempre em contacto com as suas deturpações ou com a demasiada abertura das suas expectativas. O que é realmente constitutivo da sexualidade masculina é a noção de que a fragilidade deve ser evitada à exposição pública, e de que para um homem sexualmente convicto (belo conceito) os assuntos estão todos sob controlo. Sejam eles a Redenção de toda a humanidade, seja a porra dos focos de halogéneo no tecto falso.
(O comportamento face ao) ‘pecado feminino’ – A verdadeira sexualidade masculina leva a que qualquer mulher que lhe desabafe um 'pecado da carne' passa logo a ser como uma irmã mais nova que deve ser protegida. O uso do corpo como moeda de troca será sempre visto pelo homem – que não tenha interesses no negócio, claro - como uma oportunidade de demonstrar ao mundo que para ele nem tudo é sexo, nem para o bem nem para o mal. Só o homem relativiza o sexo verdadeiramente, deve ser por também ter pêlos no peito.
(O gosto em ser) acarinhado pelas mulheres – Este é um constituinte clássico da sexualidade masculina; as cenas em Betânia com Maria e Marta ilustram definitivamente o fenómeno: uma gajita gasta o subsídio de natal todinho num frasco de perfume caro e com os seus cabelos faz o que nem Cleópatra com… ó meu Deus eu agora tenho mas é de fazer uma pausa para respirar fundo. Penso que esta passagem dos evangelhos até deve ter levantado alguma celeuma entre as feministas das catacumbas, mas venceu a versão pré Kim Bassinger, até porque depois em Hollywood poderia chegar a não haver verbas para mais efeitos especiais em milagres, e o Ben-Hur já andar a cansar um bocadinho.
(A necessidade de actos de alguma) ‘violência’ – Pode custar a entender, mas a violência, a necessidade de actos bem expressivos e peri-agressivos, como Transfigurações, Ressuscitações, expulsões de demónios, é própria duma afirmação intrinsecamente masculina. Não pretendo descortinar simbolismos eróticos no fenómeno, mas a haver hormona na coisa é a testosterona. Para gerir esta situação e sobreviver, a mulher corrente inventou a água na fervura, o beicinho e as amigas vagamente confidentes, mas a Igreja, esposa mística de Cristo, mais liturgicamente manietada, teve de se render à água benta, ao incenso e às velinhas, tudo elementos de afrodidisismo periclitante, como sabemos.
(O uso da) sedução em parábola – A ideia de que a masculinidade se revela numa natureza mais básica, frontal e directa é uma falácia inventada pelas marcas de anti-celulíticos, implantes mamários e a Inês Pedrosa. O homem é um caçador que rodeia sempre a presa em movimentos pouco óbvios, ameaça que quer uma gazela esguia e acaba por arrefinfar numa zebra rechonchuda, faz-se parecer interessado numa lebre fugidia mas afinal apenas queria passar um bom bocado com uma esquila de pêlo suave. A formulação parabólica da mensagem é a afirmação duma desinibição retórica e está apenas ao alcance do sexo masculino, e é obviamente transferível para todas as suas atitudes, sejam elas mais ou menos físicas. A mulher seduz antes numa ululância de ventre, ou em elipses decorativas diversas, ou com a banda desenhada da Maitena, ou directamente com as pernas à mostra.
(A natureza da) camaradagem masculina – O homem é um ser sexualmente segregativo e discriminativo por natureza: ele há coisas para gajos e há coisas para gajas. Uma comezaina, seja para falar de bola, seja para combinar uma caçada, seja para contar anedotas porcas, seja para decidir uma traição ou uma paixão, para ser uma coisa bem feita, não pode meter gajas. Elas iriam logo bufar tudo às amigas. Jesus jamais faria a última Ceia com mulherio por perto, ia dar merda certinho, e depois lá tinha de começar tudo outra vez com o Moisés a vir de charter pró Egipto, e o Salomão a aguentar mais umas gajas aos berros. Quanto muito trataria, como tratou, de que elas estivessem por perto no momento de mudar o penso ou desinfectar as feridas, pois, lá está, os homens nessa altura teriam bazado todos. De cagaço, claro.
(A gestão do) contacto físico – Fala-se de vez em quando muito de que Jesus tocava e deixava-se tocar; no âmbito seu ministério, nos seus milagres e no etecetera. Ora, definitivamente, só o instinto sexual masculino sabe medir o tempo, a forma e a intensidade do contacto físico; se for apenas para um carinho desinteressado é duma maneira, se for para combinar algo para depois é doutra, e se for o caso de tratar do assunto logo ali será doutra diferente. Jesus estava sempre em cima dessa fronteira do gesto no ponto certo, fosse com a pecadora, fosse com a viúva a quem tinha morrido o filho, fosse junto do ceguinho ou do leproso: juntava o charme à eficiência. Uma mulher, por exemplo, se fizesse um milagre, mais ou menos orgásmico, entusiasmava-se logo e aquilo ainda podia correr o risco de voltar tudo para trás. Já, há atrasado, vi acontecer isto num bacalhau à Zé do Pipo.