Conto das fadas descalças

Sempre que se descalçavam, os feitiços saíam-lhes mais rápidos e perfeitos, mesmo que depois corressem o risco de perder o controlo à dimensão dos efeitos. Eram fadas de imprevisto, tinham bom jogo de pernas, benziam com a planta dos pés, punham os joãos a sentirem-se que nem josés, faziam desenhos no céu com as varinhas entrelaçadas nas falangetas, punham os anjos a gritar olés e os centauros a tocar cornetas, e saltavam ao eixo com homens de peito feito transformados em anões a preceito. Gostavam de caminhar por cima da serrilha medular dos seus melhores enfeitiçados, brincavam aos pêlos eriçados, rodopiavam com o calcanhar naquela zona em que as epidurais entram ao serviço, faziam as concorrentes tailandesas parecerem-se com varinas de pregão lamuriado, e, sendo preciso, casavam princesas em qualquer lado. Mas cada nova magia era diferente como da noite para o dia. Dispensavam os cheirinhos, bastava-lhes aquele suave pisar, dispensavam música ambiente, bastava-lhes aquele balançado olhar e punham-nos o corpo dormente; ora nos faziam sentir deuses, ora nos faziam sentir gente. Foi assim um dia, que, de repente, apareceram, e com o feitiço ainda quente, voaram, descalças e leves, e um coração levaram para que se derretessem as neves.

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