Vidas à la carte
Nunca consegui ter um sacana dum amor platónico. Passei anos a fio a preparar-me para ele, fiz investigações de carácter filosófico, estudei a estrutura das hormonas que nem um jardineiro, reli a cena da caverna dezenas de vezes, acompanhada de massagens, de música erudita, de gambas al ajillo, procurei analogias com os mais diversos mitos literários incluindo príncipes encantados, arrisquei a desenhar ninfas de cócoras com lápis nº3, fiz com que me contassem histórias reais de amores obsessivos e doentios, de traições violentas motivadas pela luxúria da desgovernada posse carnal, treinei sonhos e batimentos de coração, afastei-me criteriosamente da leitura de revistas pornográficas, fiz de tudo para que quando chegasse o momento eu estivesse convenientemente preparado para esse amor, e não o comprometesse com afãs desmedidos de fornicação, ou estabelecimento de laços logistico-familiares ou mesmo de idas ao cinema. Mas o cabrão (palavra d’honra que é o ultimo palavrão) desse malvado desse amor nunca apareceu.
E eu digo-vos, eu estava mesmo preparado para aquilo; parecia já talhado para amar uma sombra, para perder o olhar numa ténue idealização, para construir torres de marfim erotizadas, até um ou outro fado soube de cor – mas confesso que isso foi já numa fase terminal e praticamente era já o mecanismo do religioso, não sei se conhecem, a funcionar – e cheguei ao ponto de conseguir sentir a pele duma mulher mesmo que separados pela blindagem dum cofre forte de indiferenças e rejeições.
Mas a verdade é esta: nunca tive essa oportunidade. Inventei, talvez já já numa fase pré-decadente e desesperada, algumas mulheres imaginárias, escrevi textos que nem terapias de menopausa conseguem alcançar, aprendi palavras e caligrafias que poriam guttenberg a babar-se, treinei suspiros abafados, cheguei a levar sereias a almoçar ali ao mercado do peixe para ver se lhes ficava com o grito da alma, mas nada, em nenhuma esquina me calhava um amor platónico, tudo muito explícito e nada de lanterna, nada de sombra, tudo real, nada sublimado, nada idealizado, nada que me fizesse voltar para casa com o coração ao pé do baço, nem sequer um daqueles fechar d’olhos, com as narinas a alargar e a deixar a cabecinha cair para trás eu consegui alcançar.
Nunca consegui ter um sacana dum amor platónico. Passei anos a fio a preparar-me para ele, fiz investigações de carácter filosófico, estudei a estrutura das hormonas que nem um jardineiro, reli a cena da caverna dezenas de vezes, acompanhada de massagens, de música erudita, de gambas al ajillo, procurei analogias com os mais diversos mitos literários incluindo príncipes encantados, arrisquei a desenhar ninfas de cócoras com lápis nº3, fiz com que me contassem histórias reais de amores obsessivos e doentios, de traições violentas motivadas pela luxúria da desgovernada posse carnal, treinei sonhos e batimentos de coração, afastei-me criteriosamente da leitura de revistas pornográficas, fiz de tudo para que quando chegasse o momento eu estivesse convenientemente preparado para esse amor, e não o comprometesse com afãs desmedidos de fornicação, ou estabelecimento de laços logistico-familiares ou mesmo de idas ao cinema. Mas o cabrão (palavra d’honra que é o ultimo palavrão) desse malvado desse amor nunca apareceu.
E eu digo-vos, eu estava mesmo preparado para aquilo; parecia já talhado para amar uma sombra, para perder o olhar numa ténue idealização, para construir torres de marfim erotizadas, até um ou outro fado soube de cor – mas confesso que isso foi já numa fase terminal e praticamente era já o mecanismo do religioso, não sei se conhecem, a funcionar – e cheguei ao ponto de conseguir sentir a pele duma mulher mesmo que separados pela blindagem dum cofre forte de indiferenças e rejeições.
Mas a verdade é esta: nunca tive essa oportunidade. Inventei, talvez já já numa fase pré-decadente e desesperada, algumas mulheres imaginárias, escrevi textos que nem terapias de menopausa conseguem alcançar, aprendi palavras e caligrafias que poriam guttenberg a babar-se, treinei suspiros abafados, cheguei a levar sereias a almoçar ali ao mercado do peixe para ver se lhes ficava com o grito da alma, mas nada, em nenhuma esquina me calhava um amor platónico, tudo muito explícito e nada de lanterna, nada de sombra, tudo real, nada sublimado, nada idealizado, nada que me fizesse voltar para casa com o coração ao pé do baço, nem sequer um daqueles fechar d’olhos, com as narinas a alargar e a deixar a cabecinha cair para trás eu consegui alcançar.
E eu estava preparado, pá, se havia gajo que estivesse preparado era eu, e ninguém ia sofrer nada, ia ser uma coisa limpinha, não seriam necessárias aquelas maçadoras morais à façon, o sonho comandaria a vida, andaria com a pedra filosofal a fazer de fivela do cinto, pariria versos que teriam feito desistir da estiva literária metade dos poetas que para aí andam, cheguei a dar explicações a escritoras de fim de semana mas enervava-me tanto sucesso alheio, olhem, acho que foi uma perda, mas agora também já não há nada a fazer, afeiçoei-me demasiado a uma ou outra apalpadela mais atrevida e já apanho torcicolos com a dificuldade em acompanhar o passo a divas metonimizadas. E claro, deixei-me consumir pelo voragem do paleio.
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