Um dos mais prosaicos e simultaneamente misteriosos enunciados da nossa sofisticada condição é o: ‘cá se fazem cá se pagam’. É um conceito de certa forma vazio de moralidade mas prenhe dum equilíbrio ontológico ( e até de síntese fenomenologico-existencialista pelo mesmo preço) e ao certo não sabemos bem a sua origem, apresentando-se repleto duma transversalidade que arrepia: passa pelo amor, pelos negócios, pela família e pelos mais diversos vícios de boca e espinha, e restantes binómios de corpo & alma.
Hoje teremos a companhia da engenharia financeira básica ao serviço da alta mística no regresso do dicionário não ilustrado, a dedicar-se às diversas 'moradas da alma' que, no fundo, vive sitiada num ser em eterno e inexorável pagamento. A blogosfera já tinha direito a este tratado de mística renovadora e alternativa nas entradas 1173 a 1178 , que vão fazer parecer aquela outra excursão do Ulisses uma promoção da Halcon viagens em regime de meia pensão.
(Alma em) dívida – Este conceito está bastante ligado às circunstâncias fundadoras da espécie mas acaba por não ser um tema tão clássico como o incesto, o extermínio de amantes, ou o apalpanço de ninfas. Revela-nos essencialmente o nosso estatuto de animais menos auto-suficientes do universo ( daí a existência duma camufladora racionalidade e da cena da arca de Noé) e só quem não alcança que toda a vida é devida é porque se julga parido por dois fiadores atrás do balcão duma casa de penhores. É um estado da alma iniciático, e dalguma forma recorrente, mas tão imprescindível para a vida interior como a Autoridade da Concorrência será para analisar a potencial OPA da Lusomundo aos campos de milho de Samora Correia.
(Alma em) período de carência – A nossa natureza ficou avessa a despachar os assuntos às primeiras quando se apercebeu que o próprio processo criativo demorou 7 dias e que nem o género feminino saiu na fornada inicial de costelas. Toda a alma precisa dum aquecimento antes de começar a bombar o cashflow purgante e precisa igualmente de ir preparando as suas várias camadas de desgaste, tomando consciência que é no palimpsesto que está a sua sobrevivência e a sua potencialidade. Constatemos neste contexto que mais grave que Édipo ter casado com a mãe seria se, por exemplo, ele não tivesse limpo primeiro o sebo ao pai daquela maneira, preparando o caminho para um regime de prestações adequadamente trágicas. É um estado da alma absolutamente crucial, e pode ser tão determinante para a sua pujança e liberdade como seria para a República a colocação do busto do Afonso Costa ( em gesso marmoreado) como 3º figura do protocolo de Estado ( todo ele também muito carente como se sabe)
(Alma em ) prazo de pagamento – A nossa natureza (aquela mistura mais ou menos explosiva de sistemas nervosos e urinários) vive, como sabemos, duma ilusão de continuidade e duma ansiedade de recomeços ( ou vice-versa conforme o lado para onde tenhamos dormido). Um dos equilíbrios possíveis ao dispor encontra-se na costumeira divisão do tempo. Reparemos a este titulo que a invenção da roda não nos trouxe a descoberta do movimento mas sim a da circularidade. E foi assim que depois do ‘Tirésias’ veio o ‘Mickey’, depois veio o ‘Senhor dos Anéis’, depois veio o ‘Priorado do Sião’, depois virá o romance entre a Morgadinha dos Canaviais e o Apóstolo S. Tiago, e depois Steiner ainda descobrirá que Paulo Coelho afinal era duma linhagem canónica de grandes contadores de fábulas a par de Borges e da astróloga Maia numa sequência inscrita indelevelmente no nosso código genético ( e no da pescadinha de rabo-na-boca). Uma alma nesta fase tem de estar concentrada em todos os sinais exteriores e não pode desperdiçar energias a sonhar com amores impossíveis, ou com massagens esfoliantes e reflexologias diversas, ou com a ansiedade de saber se Freitas do Amaral anda a tomar os comprimidos a horas. No entanto, deverá aproveitar muitos dos mecanismos de escape com que se depare; e convenhamos que, por exemplo, antes uma histeria de registo alienante com o mundial de futebol, do que com uma marca de vaselina.
(Alma com) plafond esgotado – Nenhuma alma vem fornecida com a corda toda. Isso poderia dar azo a situações da família metafórica da erecção permanente e o Criador achou por bem pôr-nos uma rédea controlada. É pois bastante frequente a alma sentir que já deu o que tinha a dar e que o melhor então seria entregar-se ao alzheimer moral, uma espécie de ‘que se foda daqui a pouco já nem me lembro do nome dos sacramentos’. Mas Deus é essencialmente um negociador e jamais deixa uma alma cair na esparrela do desespero se ela se demonstrar ainda com alguma vontade para o negócio ( vidé exemplos como Ribeiro e Castro, Europa em geral, e Penélopes em período fértil). A relação com o divino é também uma gestão de expectativas, com a pequena nuance de que quem fornece a amostra para brincarmos é também o dono do universo. Nesta fase, a alma, refém da estatística do seu comportamento e da sua margem de manobra, o melhor que tem a fazer é treinar as piruetas e rezar para a rede esteja no sítio certo e que lhe achem graça: só assim voltará a ter corda. Depois só tem de lhe dar o uso certo.
(Alma em) mora – A entrada nesta fase por parte da alma pode parecer mais periclitante do que é efectivamente. A alma é inesperadamente um órgão muito bem talhado para a multa, para a coima, para a contra-ordenação, e até para o próprio emolumento. A alma foi pensada para ter de se estar sempre a justificar, para meter os pés pelas mãos de vez em quando, ela é mesmo um órgão político por excelência. No entanto, a alma – e especialmente nesta fase – gosta de se medir insolentemente com os Deuses, fazendo lembrar Agamémnon saído duma telenovela Esquiloniana depois de ter levado uma abada ao sete e meio da Cassandra. A alma tem o gene do atrevimento e é este o momento em que o deve levar a jogo, fazendo ver ao Altíssimo Credor: isto paga-se, mas calminha, que eu também tenho uma palavra a dizer, uma ropinha a secar, um bacalhau a acabar de demolhar, e o Tipo que ressuscitou o Lázaro também fazia as coisinhas lá muito à maneira dele e até chegou a dizer: ‘ainda não chegou a minha hora’. ( mas não chegou foi a dizer ‘eu vou andar por aí’... ora tu queres ver que o Santana...adiante)
(Alma em) valor residual – Sendo o desgaste uma evidência da nossa condição, e face a não sabermos ao certo como é que se nos aplica a fórmula da ‘renda perpétua’, o melhor que podemos garantir a título de consolo estratégico é que a nossa alma poderá valer mais que a mera avaliação decorrente da percepção dos especialistas do mercado. Mas uma alma quando chega à fase em que está obcecada com o seu ‘valor residual’ é porque afinal passou mas foi ao lado duma grande carreira no ‘aluguer operacional’ ( estou a começar a preocupar-me porque se calhar vocês não estão a acompanhar bem isto). Só uma alma de aluguer é que está totalmente dependente do seu valor no final do contrato; a alma que foi um investimento toda a vida chega ao fim mirradinha que nem um Benard da Costa a atribuir prémios de carreira ao Tom Cruise, parecendo que ainda pode dar mais duas voltas ao carrocel sem que tenham de lhe meter moedas e terá sempre uma corte de Antígonas Sofoclianas a lutarem por lhe dar uma sepultura digna.
Hoje teremos a companhia da engenharia financeira básica ao serviço da alta mística no regresso do dicionário não ilustrado, a dedicar-se às diversas 'moradas da alma' que, no fundo, vive sitiada num ser em eterno e inexorável pagamento. A blogosfera já tinha direito a este tratado de mística renovadora e alternativa nas entradas 1173 a 1178 , que vão fazer parecer aquela outra excursão do Ulisses uma promoção da Halcon viagens em regime de meia pensão.
(Alma em) dívida – Este conceito está bastante ligado às circunstâncias fundadoras da espécie mas acaba por não ser um tema tão clássico como o incesto, o extermínio de amantes, ou o apalpanço de ninfas. Revela-nos essencialmente o nosso estatuto de animais menos auto-suficientes do universo ( daí a existência duma camufladora racionalidade e da cena da arca de Noé) e só quem não alcança que toda a vida é devida é porque se julga parido por dois fiadores atrás do balcão duma casa de penhores. É um estado da alma iniciático, e dalguma forma recorrente, mas tão imprescindível para a vida interior como a Autoridade da Concorrência será para analisar a potencial OPA da Lusomundo aos campos de milho de Samora Correia.
(Alma em) período de carência – A nossa natureza ficou avessa a despachar os assuntos às primeiras quando se apercebeu que o próprio processo criativo demorou 7 dias e que nem o género feminino saiu na fornada inicial de costelas. Toda a alma precisa dum aquecimento antes de começar a bombar o cashflow purgante e precisa igualmente de ir preparando as suas várias camadas de desgaste, tomando consciência que é no palimpsesto que está a sua sobrevivência e a sua potencialidade. Constatemos neste contexto que mais grave que Édipo ter casado com a mãe seria se, por exemplo, ele não tivesse limpo primeiro o sebo ao pai daquela maneira, preparando o caminho para um regime de prestações adequadamente trágicas. É um estado da alma absolutamente crucial, e pode ser tão determinante para a sua pujança e liberdade como seria para a República a colocação do busto do Afonso Costa ( em gesso marmoreado) como 3º figura do protocolo de Estado ( todo ele também muito carente como se sabe)
(Alma em ) prazo de pagamento – A nossa natureza (aquela mistura mais ou menos explosiva de sistemas nervosos e urinários) vive, como sabemos, duma ilusão de continuidade e duma ansiedade de recomeços ( ou vice-versa conforme o lado para onde tenhamos dormido). Um dos equilíbrios possíveis ao dispor encontra-se na costumeira divisão do tempo. Reparemos a este titulo que a invenção da roda não nos trouxe a descoberta do movimento mas sim a da circularidade. E foi assim que depois do ‘Tirésias’ veio o ‘Mickey’, depois veio o ‘Senhor dos Anéis’, depois veio o ‘Priorado do Sião’, depois virá o romance entre a Morgadinha dos Canaviais e o Apóstolo S. Tiago, e depois Steiner ainda descobrirá que Paulo Coelho afinal era duma linhagem canónica de grandes contadores de fábulas a par de Borges e da astróloga Maia numa sequência inscrita indelevelmente no nosso código genético ( e no da pescadinha de rabo-na-boca). Uma alma nesta fase tem de estar concentrada em todos os sinais exteriores e não pode desperdiçar energias a sonhar com amores impossíveis, ou com massagens esfoliantes e reflexologias diversas, ou com a ansiedade de saber se Freitas do Amaral anda a tomar os comprimidos a horas. No entanto, deverá aproveitar muitos dos mecanismos de escape com que se depare; e convenhamos que, por exemplo, antes uma histeria de registo alienante com o mundial de futebol, do que com uma marca de vaselina.
(Alma com) plafond esgotado – Nenhuma alma vem fornecida com a corda toda. Isso poderia dar azo a situações da família metafórica da erecção permanente e o Criador achou por bem pôr-nos uma rédea controlada. É pois bastante frequente a alma sentir que já deu o que tinha a dar e que o melhor então seria entregar-se ao alzheimer moral, uma espécie de ‘que se foda daqui a pouco já nem me lembro do nome dos sacramentos’. Mas Deus é essencialmente um negociador e jamais deixa uma alma cair na esparrela do desespero se ela se demonstrar ainda com alguma vontade para o negócio ( vidé exemplos como Ribeiro e Castro, Europa em geral, e Penélopes em período fértil). A relação com o divino é também uma gestão de expectativas, com a pequena nuance de que quem fornece a amostra para brincarmos é também o dono do universo. Nesta fase, a alma, refém da estatística do seu comportamento e da sua margem de manobra, o melhor que tem a fazer é treinar as piruetas e rezar para a rede esteja no sítio certo e que lhe achem graça: só assim voltará a ter corda. Depois só tem de lhe dar o uso certo.
(Alma em) mora – A entrada nesta fase por parte da alma pode parecer mais periclitante do que é efectivamente. A alma é inesperadamente um órgão muito bem talhado para a multa, para a coima, para a contra-ordenação, e até para o próprio emolumento. A alma foi pensada para ter de se estar sempre a justificar, para meter os pés pelas mãos de vez em quando, ela é mesmo um órgão político por excelência. No entanto, a alma – e especialmente nesta fase – gosta de se medir insolentemente com os Deuses, fazendo lembrar Agamémnon saído duma telenovela Esquiloniana depois de ter levado uma abada ao sete e meio da Cassandra. A alma tem o gene do atrevimento e é este o momento em que o deve levar a jogo, fazendo ver ao Altíssimo Credor: isto paga-se, mas calminha, que eu também tenho uma palavra a dizer, uma ropinha a secar, um bacalhau a acabar de demolhar, e o Tipo que ressuscitou o Lázaro também fazia as coisinhas lá muito à maneira dele e até chegou a dizer: ‘ainda não chegou a minha hora’. ( mas não chegou foi a dizer ‘eu vou andar por aí’... ora tu queres ver que o Santana...adiante)
(Alma em) valor residual – Sendo o desgaste uma evidência da nossa condição, e face a não sabermos ao certo como é que se nos aplica a fórmula da ‘renda perpétua’, o melhor que podemos garantir a título de consolo estratégico é que a nossa alma poderá valer mais que a mera avaliação decorrente da percepção dos especialistas do mercado. Mas uma alma quando chega à fase em que está obcecada com o seu ‘valor residual’ é porque afinal passou mas foi ao lado duma grande carreira no ‘aluguer operacional’ ( estou a começar a preocupar-me porque se calhar vocês não estão a acompanhar bem isto). Só uma alma de aluguer é que está totalmente dependente do seu valor no final do contrato; a alma que foi um investimento toda a vida chega ao fim mirradinha que nem um Benard da Costa a atribuir prémios de carreira ao Tom Cruise, parecendo que ainda pode dar mais duas voltas ao carrocel sem que tenham de lhe meter moedas e terá sempre uma corte de Antígonas Sofoclianas a lutarem por lhe dar uma sepultura digna.
Sem comentários:
Enviar um comentário