A salvação está ao alcance de qualquer bolsa, basta pôr a cabecinha a render nos conceitos mais em conta; hoje o dicionário não ilustrado até acaba por entrar na 2ª milena e apresenta soluções para todos os gostos recolhidas nas mais cristalinas hermenêuticas; há sempre uma ou outra em promoção, e com o acompanhamento certo marcham todas muito bem. Eu aconselhava tinto, mas não faço questão. Há alturas em que até é melhor a seco. ( entradas 1.001 a 1.009)

(e começo logo por uma muito original)

A Relativização – Descobrir a excepção que pode safar a regra de ser violada, tornando-se até emancipada

Os Pormenores – Estão para as chamadas coisas importantes como a lubrificação para o coito

O Espirito Santo – Ser que vive temporadas na orelha mas que não precisa de se pendurar em brincos de argolas para dar nas vistas

A Intimidade - Aquilo que é verdadeiramente incompatível com as molas da roupa, mas dá-se lindamente com o ferro de engomar

A Ilusão – Produto químico produzido numa zona de entroncamento mal iluminado de neurónios, mas que vai-se a ver tem sempre prioridade

O Direito – Célebre invenção de quem tinha comichão mas a borbulha fora do alcance da mão

A Natureza Humana – O melhor fantasma para o caso de não termos uma ópera em casa

A Tolerância – O amor ao próximo em versão para bisca lambida

O Pessimismo – Comportamento de registo anoréxico, mas sem o aborrecimento de levar a mão à boca para vomitar
Conto deles de lado ali

Ela acabou por se sentar num banco de jardim. Praticamente já não há contos em que elas se sentam em bancos de jardim, ali, assim, para ser admiradas de perfil, mas eu vou dar um jeito nisso, vou-me sentar ao lado dela, mas calma vou ter juízo, e até fica mais genuíno, torna as coisas mais fáceis, eu faço de beduíno e ela será o oásis, só os separa o olhar, o deserto do olhar, é ondulante o olhar, como as dunas, claro, só que eles estão num jardim, e vão ter de falar de pombos, já me esquecia, ele hoje sou eu, para variar, dá-me jeito, aconchega-me o peito, vocês vão-me desculpar, mas vocês não existem, claro, isto sou eu a sonhar, mas as coisas agora vão acelerar, ela é muito bonita e ele nunca a tinha visto de perfil, é daquelas coisas nunca tinha calhado, mas ele, que sou eu, não era de ficar engasgado, fingia olhar para as pombas, armava-se em engraçado, sacudia-se um bocado – ainda tombas, praí – isto foi o meu lado narrador a dar de si, atormentado pelo ciúme, de não poder ser olhado por ela, és narrador, lavas mas não fazes parte da barrela, deixemo-lo e voltemos ao jardim, aí sim, um sítio em condições, mas ela ainda tinha as mãos meio escondidas, e ele já não passava sem as mãos dela, sem milho mas com brilho, rima fatela, os pombos que se lixassem, ela era tão gira de perfil, mas agora não me macem , destes contos escrevia uns mil, mas depois vocês não davam vazão, é que basta-me um olhar e um coração, sim esse lugar distante, que transforma o pouco em bastante, longínquo se calhar, gémeo do luar, mas ali à mão de semear.
Fase enzimática

Um homem já tem muitas razões para ficar a pensar na vidinha mas escusava agora era de ser confrontado com a fragilidade da sua condição à conta de conferir aquilo que os filhos andam a estudar. Eis senão pois que sou confrontado com a fantástica ‘respiração aeróbia’, um tal de método que os seres vivos têm para produzir energia (abençoados sejam os calhaus). A primeira coisa que me deu logo uma carga de nervos foi ter percebido que a glicose é fosforilada! Eu já suspeitava que a gaja não se dava com a fermentação mas também bolas chegar ao ponto de se fosforilar para que depois na rua lhe chamassem «ó minha rica frutose», sinceramente, acho que não abona nada, e como se não bastasse nem perde tempo e arrefinfa logo com outra fosforiladela rapidinha perdendo os poucos electrões que ainda lhe restavam. Não é pois de estranhar que no final desta cegada já ande ácido pirúvico a rondar por tudo que é sítio, ora esse tipo não é de intrigas e tem energia para todas, mais fosforiladas ou menos, marcha tudo. Mas Deus castiga, já se sabe, e já o pirúvico se andava a gabar quando lhe cai em cima uma descarboxilação que até anda de lado. Nesta altura eu fiquei com pena dele, tenho de confessar, um tipo às vezes anda carente, e também não é preciso virem de enzima em riste a criar-lhe pesos na consciência que um gajo até fica que nem ácido acéptico, mais oxidado que um átomo de hidrogénio num banho de espuma. E depois é por essas e por outras que aparecem os ácidos oxolocépticos e aproveitam-se claro, aquilo torna-se a bandalheira e o descrédito total, a glicose já nem sabe de que terra é, e é uma tristeza pois ela parecia ter a vida já tão encarrilada. A culpa disto, está mais que visto, é das biólogas, que não se contentam com umas singelas fotossínteses e têm de passar o tempo a engendrar nuances clorofílicas, a largar ferridoxinas por todo o lado, não vão fotofosforilarem-se à toa e depois nem há brincos de argolas que as valham. Cheira-me que vem aí uma reacção da fase escura. Lagarto, lagarto.
La vieille cuisine
Agora voltou à moda tratar do prato do relativismo’ como sendo o grande amigo do fiel da balança. Quando se confunde o joker com o duque de paus geralmente acaba-se de mãos a abanar e a jogar a feijões com a avozinha mexendo-lhe o chá.

Sem rede, mas o post vai ser sintético (para desenjoar) e absolutamente a borrifar-se para os trejeitos da argumentação retórica ou não.
Organizem-se pá, toda a mensagem do cristianismo é um hino à decente relativização, mas dentro duma criação em que no final tudo será ‘ou sim ou sopas’. Jesus relativizou com o seu nascimento, relativizou com Marta, relativizou com o papel fascinante que tem N. Senhora na história e nos desígnios de Deus, relativizou com os milagres, relativizou com o poder, relativizou com os Judeus, relativizou com as angústias da alma (as d’Ele na morte por exemplo), fez jogo de cintura com as profecias, as parábolas são tão óbvias como as tácticas do Peseiro, a unicidade e a trindade de Deus revela-se como um autêntico bailareco às heresias simplórias e absolutizantes, relativizou com as negas de Pedro, sacudiu a consciência dos atiradores de pedras e obrigou-os jogar à cabra cega, e se há igreja que tenha sabido viver no equilíbrio entre a sua grandeza e a sua fraqueza é a católica. Quando Jesus põe a supremacia no amor ao mesmo tempo que pede a perfeição aos homens, está pura e simplesmente a dizer que vale mais a doçura da salvação que o equilíbrio culinário da lei. Deus criou-nos, está absolutamente dentro de nós, e sabe que só podemos viver relativizando, mas relativizar não é misturar tudo, isso é uma omoleta. Deus criou foi a galinha; ou o ovo, pronto.
Every string ao molho moment

Da tensão. Uma corda esticada, um coração aos pulos, uns nervos de aço temperado à pressa, uma desculpa baralhada num ora essa, uma ausência notada, uma ideia mal abortada, um Charlie Parker cantado, um útero raspado, sentir-se mal amado, um satanás que não vai de rectro, um centímetro que nunca mais chega a metro, um passado que mora ao lado, uma procissão que não sai do adro, um nariz que se esqueceu de franzir, uma princesa que preferiu ficar a dormir, depois do beijo, quando pressinto mas o não vejo, um claninete perdido num quarteto de cordas, como encostado nas bordas elásticas do ringue, e uma torneira que só pingue, que nem faça o pong, and aquela so beautiful song, que nunca mais oiço como deve de ser, perdido que estou no parecer, no belo efeito de quem não vendeu a alma mas emprestou o peito, para que respirassem por ele, tal o medo que tinha de que quando respirasse fundo, no final já não houvesse mundo, e o arco ficasse ali a abanar, a vibrar, sem ter ninguém em quem acertar, como numa fantasia para piano, ou num ‘raisparta uma vida assim’, mesmo que inspirada na ‘Safo’ de Mengin que não pára de olhar para mim, fingindo que não sabe que é a mulher mais atraente da terra, mas faz de conta que eu sou um violoncelo e tu és uma serra.
Lassie in de skay withe almondegas

A união dos sindicatos dos anjos da guarda teve de se reunir de emergência; já não se dava uma crise tão grande desde que, por causa de Freud, passaram a ter de fazer horas extraordinárias à noite por conta dos sonhos marados do pessoal. Agora tinha-se instalado um tumulto do tamanho duma montanha-movida-a-fé-de-primeiro-cristão-catacumbico por causa da escolha do novo papa. Havia inesperadas crises de vocação, havia paramentos deitados ao chão como toalhas em balneários, havia beatas a bichanar aos gritos e arremessando terços, havia sacristães a exigir semana inglesa, havia comunas a bater no peito em ritmo hip hop e jacobinos a ameaçar enforquilhar peregrinos que ainda tivessem a supina lata de rezar umas avé marias pela saúde e esclarecimento do novo pontífice; estava mesmo montada uma grande Las Vegas global no reino da igreja militante, e a corporação angélica achava que as 60 horas de formação anual- da lei do fiel Bagão - não eram suficientes. Deus nosso Senhor tinha arranjado a bonita com a famosa inspiração do Espírito Santo, essa é que é essa, e o próprio S. Pedro estava com uma enxaqueca do caraças por Ele lhe ter edificado a Igreja por cima (chegou-se a pensar que era o efeito dalguma sinusite dos bispos mas afastou-se a hipótese depois dum tratamento de vick vaporucs benzido mas mal sucedido)
Os anjos da guarda exigiam agora o ‘subsídio de risco’ devidamente consagrado no dogma, pois temiam novas heresias apenas por pirraça ao novo papa. Havia mesmo gente danada para a brincadeira, e desde que Vasco Pulido Valente se assumira caridosamente como o intelectual católico não tinham mãos a medir na missão de tranquilizar as consciências mais débeis e flutuantes que construiram a sua fé em torno de panteísticas catequistas – vulgo gajas que engatam ensinando que Deus está em toda a parte no intervalo dos responsos que levavam dos pais delas. Esfumavam-se novamente as hipóteses da semana das 150 horas, e a ligação com o paraíso mantinha a sua precaridade porque a quantidade de pessoal que iria dar com os costados no purgatório preparava-se para galopar ao ritmo da labareda da nova fogueira inquisitória: o povo de Deus estava em brasa; eram precisos reforços, os querubins que tinham sacado pré reformas à má fila tinham de se chegar à frente e mainada, e as potestades que se deixassem de mariquices o caso podia ficar feio.
Mas não estava a ser fácil a concertação; os anjos especializados em carmelitas descalças tinham alcançado o topo da carreira e não estavam dispostos a descontar mais anos, nem a fazer reconversão de funções numa segunda leva de teólogos da libertação, e por outro lado os anjos que andavam há anos a aguentar a barra de 'socialistas republicanos e laicos' já equacionavam uma greve de zelo, o que poderia significar uma série de peregrinações a Fátima do Sérgio Souza Pinto e da Jamila Madeira acompanhados por Ana Gomes cantando gregoriano polifónico. Como se vê a coisa não estava mesmo fácil. Havia mesmo demasiados pesos na consciência para tantas doenças de coluna. Deus estava à beira de ter de intervir directamente outra vez, e ainda só tinham passado pouco mais de 2000 anos. Uma maçada.
Yesterday builders

O passado é a maior invenção do homem. É uma espécie de desforra da nossa condição de seres reféns da imaginação, dum sentido para a vida, e dum tal de fio condutor. (Não me refiro à memória, essa tem um carácter instrumental, e é um assunto estafado, ora mitificado, ora metaforizado, ora neuro-biologicamente modificado à base de rodriguinhos experimentais)
Falo mesmo do ‘passado’, dessa construção humana, do resultado dessa poção mágica que o criador nos deixou à mão de semear: podermos escavar um terreno que já foi drenado, assoreado, seco e inundado, pasto e poisio, aplainado e esburacado, e de lá sacar fósseis que ainda se riem ou choram à mercê das cócegas que lhes façamos com o pincel arqueológico da nossa mente.

O passado é uma ficção mais ou menos plausível que vive da manobra daquelas sensaçõezinhas de fotonovela, dos odores, dos sons, das cores, dos floreados de alma, dessas brincadeiras de deuses que fazem de figura de artistas de circo na constante festa de natal & carnaval & páscoa que é a ‘recordação’. A etimologia nem engana: trazer de novo ao coração só pode dar numa realidade até então inexistente, pois se até o sistema urinário inventa líquidos todos os dias, quanto mais a famosa bomba dos aurículos dançantes assim agarradinha na cintura pelos enzimas calçados duma vontade também chamada memória.

A inevitável característica retalhada e fantasiosa que tem o passado permite um conjunto de combinações que só encontro paralelo na culinária, onde podemos pôr a carne picada a fazer de hambúrguer ou de esparguete à bolonhesa, depende de como a amassamos e da companhia mais ou menos picante que lhe damos; só que de qualquer forma ela no final pouco tem a ver com a vaca que deu a alcatra ao manifesto. Ou com a minhoca.

O passado é pois uma espécie de código genético virtual, tricotado que nem uma botinha para a bébé bastarda da memória, depois desta ter passado uma noite com um viajante atrevido, necessitado de consolo e au naturel. Na verdade o passado nem sequer é algo que já passou, o passado é algo a precisar ser criado, inventado pois; é aquilo a que qualquer futuro ainda pode almejar: poder vir a ser passado, e é só nessa altura que se realiza verdadeiramente, é a nossa vez de sermos deuses por aproximação, sem ninguém nos contestar, sem ninguém nos pedir contas, fabricando ‘ontens de glória’ que nem gente grande, ou ‘ontens de estimação’ que nem velhas jarretas.

Há até uma outra ideia estafada de errada, filha dum pragmatismo bacoco: a de que não devemos pensar ‘no que teria acontecido se…’ porque isso não levaria a lado nenhum, e nos esgotaria em fantasias inúteis; ora se todo o passado é inventado, tanto faz repescar e ‘apropriarmo-nos’ de algo que supostamente aconteceu como de algo que supostamente não aconteceu; se ‘somos o que esquecemos’, como tanto parteiro de aforismos já disse, também somos o que não fomos, claro, e isso nem precisa de ser sacado a ferros a uma memória preguiçosa, para nos safarmos em condições basta termos cuidado para não cair dentro do caldeirão alquímico que nem Joãos ratões da imaginação.

Por isso, se vos der jeito, e alguma vez tiverem sido esgrouviadas eu faço-vos Natalie Imbruglias num instantinho, ou faço-vos com que aquele ‘King Edward’ meio adocicado tenha sabido a um ‘Epicure’ da Hoyo de Monterrey, fosse ele comprado em Madrid, ou em Genéve, ou numa tabacaria de Fernão Ferro e já cheio de verdete.

Felizmente o homem não precisa de grandes mutações genéticas para construir o seu passado aparentemente mais inacessível, e assim podemos facilmente ‘polinizar’ os lugares mais recônditos da nossa alma, que vivem escondidos tal qual o pólen duma orquídea de Madagáscar como se ele estivesse tão alcançável as in a marigold. E se calhar é por isso todos sonhamos em ser botânicos reformados.
Um post liberal daqueles à antiga, praticamente ângulo-saxofónico e tudo

Ontem ouvi o ministro da saúde ameaçar que já não informava mais o povo das suas brilhantes medidas porque haveria gente que tinha o desplante de se pôr a «especular com exemplos» ( sic). Eu também acho isso duma indelicadeza extrema, a política não deve ser conspurcada com a realidade porque senão qualquer dia ainda vêm com a maçada de ter de fazer sentido. O tema teria a ver com as famosas ‘taxas moderadoras’ e com o enriquecimento da sua função; é um assunto que me encanta, porque é uma expressão composta por duas palavras que podem significar tudo aquilo que nós quisermos, se bem que, diga-se em abono da verdade, nunca vi chamarem isso nem ao carapau de escabeche, nem ao elevador da Bica; mas vou directo ao assunto e de rebarbadora em riste porque um homem que se preze pelo menos uma vez na vida deve mostrar que tem umas mãos de oiro sem ser a afastar um rendilhado, ou a desabotoar um corpete, ou a destravar uma saia (o efeito de revirar olhos é opcional). O dicionário não ilustrado mostra que também é um jeitoso na política – bricolage, mas hoje sem muitos torneados porque o black & decker está com pouca bateria.( entradas 994 a 1000)

Efeito moderador – Quando uma taxa não é de modas e lixa a todos por igual

Efeito financiador – Tipo de taxa que duma face arranha e da outra puxa o lustro

Efeito paliativo – Tipo de taxa que lixa à mesma mas dá a sensação de polimento

Efeito especulador – Sofisticada taxa que lixa como as outras mas faz-se pagar como esfoliação

Efeito camuflador – Tipo de taxa que aparenta o efeito do estuque mas não passa dum tapa poros

Efeito dissuasor – Género de taxa que lixa ao ponto de deixar a realidade ainda mais abrasiva

Efeito de diversão – Taxa brincalhona que ameaça lixar e polir por um lado e vai-se a ver está a comer a tinta toda por outro.
Beautiful words

O ‘enamoramento’ é uma palavra de facto muito bem conseguida. Incorpora o ‘amor’ adverbalizando-se sem ser ostensiva, acolhe singularmente o prefixo ‘en’, o que lhe confere uma noção de movimento, de continuidade e até de quantidade ao mesmo tempo, e esconde qual biombo lacado o incomodativo kitschismo do ‘namoro’.
A languidez do termo ajuda a afastá-lo conceptualmente da brusquidão própria das paixões desgovernadas e um certo arrastamento fonético permite-lhe o ar blazé que fica bem a qualquer palavra que se queira dar com as boas famílias. A tendência para se consumir o final na economia da dicção – o ‘to’ não precisa de todo de ser bem vincado – confere-lhe uma terminação com a suavidade das ondas a bater na areia como na maré vazia: isto não é exacerbamento lírico mas a simples constatação dum facto de registo analógico que nem sequer aspira a metáfora.
É além disso uma palavra da ordem meramente laboratorial: ou seja, ninguém diz na linguagem corrente «estou enamorado por ti»; por isso nunca será uma palavra que deva nada à realidade, ficará para sempre virgem da experiência do contacto com a crueza despudorada do discurso directo.
Ao ser mais um estado de alma que propriamente um sentimento alivia imenso a exigência que estes acarretam. Não entra em conflito com outros, não é agressivo, não é redutor e não desertifica à sua volta deixando espaço em aberto para outras palavras mais comezinhas, mais terra a terra, mais dadas ao simples paleio por assim dizer.
O serpentear da língua no ‘n’ , no ‘r’, e no ‘t’ fazem com que transporte a dose certa de sensualidade, o suficiente para distrair e não ficar refém do sexo, tanto mais que a língua nunca chega a enrolar totalmente, e se nos afastarmos de boquinhas desnecessárias os lábios também pouco mais fazem que castas intermitências. A ausência dos inestéticos ‘i’ & ‘u’ garantem-lhe a dignidade das palavras mais nobres, e a discreta repetição do ‘n’ e do ‘m’ realçam o teor ondulante deste estado de alma que nos faz a todos sentir como barquinhos de papel; esta imagem é também encantadora (outra palavra gira mas para hoje já não há verba) e mostra que não há que ter medo dum coração derretido desde que se tenha condições de pressão, temperatura e humidade controladas. E um recipiente ajustado, claro.
Outra constatação final, mas que não pode deixar de ser sublinhada, é a deliciosa absorção semântica que esta palavra faz do termo ‘mora’. Se atentarmos bem e sem preconceitos, o conceito de ‘enamoramento’ encerra sempre um certo atraso, melhor dizendo, uma certa suspensão do tempo, aquele eterno e ambivalente ‘perdidamente’ quase estragado pela voz diarreica do Represas, mas que se poderá finalmente recuperar nesta piedosa análise de sintaxe metonímica, sem coimas.
‘Enamoramento’ é pois uma palavra que deve ser acarinhada e mantida entre a redoma platónica, a plaqueta mística, e eventualmente ir passar uns fins-de-semana fora com eros, mas só nos casos em que haja a certeza de não enjoar com o já eventualmente menos interessante ‘rame’ ‘rame’.
No fundo é esta palavra que nos garante a todos uma espécie de contínuo barco do amor, mas em doca seca para não ir oxidando muito o casco.
O iníçio dum nôvo siclo de mudanssa

nota técnica:

Primeiro ministro: josé sócrates
Líder do psd – marques mendes
Líder do pcp – jerónimo de sousa
Líder do pp – (provavelmente) telmo correia

Sendo o mano oliveira já dono da lusomundo, cá por mim narciso miranda pode avançar para presidente da caixa geral de depósitos, e vasco pulido valente pode então assumir finalmente o papel de intelectual católico do regime para sossego de todos.
Quem ficasse com comichões poderia ir para a frente da casa fernando peçonha. E filomena mónica para busto da república, já. Isto é um país cério, ora eça.
Conto do por acaso acho que não, joão
( por causa das ‘loiras no mercedes’ e outros engarrafamentos)

Ela ia num renault clio, meio a cair aos bocados, tinha um olhar encantador, perturbador, talvez de cio, mas devia estar isenta de pecados, parou mesmo atrás de mim e vendia felicidade ainda por cima, cheiraria a jasmim ? não sei, mas agora dava-me jeito prá rima, estava ao telefone, tinha mesmo um sorriso lindo, aberto mas não enorme, não sei se estão a ver, cabelos escorridos, envergonhadamente morenos, mal penteados, mas serenos, não falava comigo, não se ria para mim, isso julgava ela claro, ninguém marca o destino do seu riso, friso: ninguém é dono do seu sorriso, mal somos donos da nossa tristeza, e lá estava ela enfiada num banco de espuma já estafada, tão desnecessariamente bonita, sim na verdade um homem não precisa de tanta beleza, mas quem seria o estúpido que açambarcaria a voz dela ao telefone, aquilo não era riso de entre-mulheres, as mulheres entre si não conseguem rir assim, não conseguem abrir tanto os olhos ao mesmo tempo, não mordem a língua daquela maneira, mas não interessa com quem ela falava, era a mim que ela se dava, sem saber, oferecia-me uma frescura que já não se usa, um olhar de fogueira numa calma de freira, só que deixou-me o coração sem pio e ia na merda dum renault clio; cheguei a sonhar que dali nunca mais sairíamos, que em vez do semáforo estava ali uma parede mas a porra do sinal ficou verde, e rezei então uma avé maria, sozinho, porque isto do encantamento não é coisa para multidões, de facto, mas se não fosse aquele cruzamento, aquele aglomerado de gente, parada apenas porque sim, parada por parar, eu não teria sido tocado pelo seu olhar, perdido na inércia dum retrovisor; e ela tinha mesmo um sorriso lindo, mas eu agora vou indo.
Byron at stock exchange market

Take a shower
Dress a flower
Look at me
What you see?

«I see a guy
Asking why
God bless him
Over his sin»

Take a towel
Inspire well
Close your eyes
Break your ties

Take a chair
And look at there:
He's making those smiles
That never wiles.
‘So long’
(mas também se um blog não serve para isto serve para quê?)

A primeira vez que estive com João Paulo II foi em Roma em 1980. Nessa altura vivia-se ainda um ambiente de novidade, recheado de sinais duma fé – que até parecia diferente - viril e piedosa ao mesmo tempo, dum papa que fazia ski, falava do comunismo sem travões, rezava a Nossa Senhora ora como um menino ora como um teólogo austero, e gostava de dar a cara dizendo até o que lhe iria no coração.

Inesperadamente encontrei-me nessa altura com um grupo não muito grande, numa audiência improvisada para rapaziada ávida de estar com esse Papa que parecia tão perto de nós e ao mesmo tempo tão lá ‘longe’ ao pé d’Ele. Ao meu lado nesse momento, recordo-me, estava um brasileiro, recém convertido, meio esgazeado, daqueles que nos fazem exercitar logo a inveja porque o imaginávamos a descobrir Deus entre duas miúdas no Leblon e uma descida em parapente pelo morro do corcovado, intervalando as avé marias com umas caipirinhas:«ora assim também eu»; íamos e vínhamos de junto de João Paulo II alimentados por manifestações de carinho mais ou menos inflamado, uns contavam coisas mais íntimas, outros diziam banalidades, uns abraçavam-no com força, outros faziam figura de aparvalhados, mas ele continuava ali , disponível, e mantendo aquele ar que mais me marcou : sempre tão próximo e sempre tão distante, como que a querer demonstrar com o seu olhar uma das mais misteriosas riquezas da nossa condição: somos do mundo, mas estamos marcados pela transcendência. E esta conciliação é uma carga de trabalhos.

Conhecedor do molho de bróculos em que nos metera, o Criador sabia que tinha de safar a coisa com o melhor dos recursos: o amor gratuito, misericordioso ( sim, existem almoços grátis, claro) e insondável qb, dum Deus que - vai-se a ver - nunca nos abandona, que nunca nos deixa um bilhetinho lacónico, como aquela miúda da canção dos Fisher Z, que eu me fartei de ouvir nesse ano de 1980, em ‘So long’ e que ontem fui ouvir outra vez, e que bem me fez ouvi-la outra e outra vez, 'revivendo' uma juventude se calhar meio esquecida, mas lembrando-me ao mesmo tempo que apesar de tudo não foi este Papa que me deu a fé e que esta felizmente nunca esteve muito dependente nem da virtude alheia nem da própria, senão estaria bem tramado, pois faço parte daquela multidão dos que acredita sem ter visto nenhuma luz, nenhum sacana dum efeito especial, nem um logaritmozito tirado de cabeça ao pôr do sol, nem um big bang filosófico.

João Paulo II ‘acompanhará’ bem Jesus como figura histórica cheia de leituras e descodificações, mas também será para muitos alguém que ajudou a ligar o corrente ao transcendente, alguém que sempre gostou mais de mostrar Deus como ‘amor’ do que como ‘poder’.

E será curiosamente um Papa que terá três mulheres bem, bem diferentes intimamente ligadas aos seu magistério: Edith Stein, Madre Teresa, e irmã Lucia. Por isso, das imagens que melhor retenho dele são aquelas, absolutamente carregadas de ternura, em que ele esteve de mão dada com a vidente de Fátima, como dois amantes, possuídos por mais um amor que não vem nos tratados.
O homem, o orgulho de existir
The love as we will know it


«A verdade que a Revelação nos dá a conhecer não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum pensamento elaborado pela razão. Pelo contrário, apresenta-se revestida de gratuitidade, obriga-nos a pensá-la, e exige ser acolhida, como expressão de amor. »

‘Fides et ratio’, encíclica de João Paulo II
Mas há uma expressão que eu gramo

‘Estado de graça’; assenta sempre bem, tanto aos parvos como às eminências pardas.