Conto do por acaso acho que não, joão
( por causa das ‘loiras no mercedes’ e outros engarrafamentos)

Ela ia num renault clio, meio a cair aos bocados, tinha um olhar encantador, perturbador, talvez de cio, mas devia estar isenta de pecados, parou mesmo atrás de mim e vendia felicidade ainda por cima, cheiraria a jasmim ? não sei, mas agora dava-me jeito prá rima, estava ao telefone, tinha mesmo um sorriso lindo, aberto mas não enorme, não sei se estão a ver, cabelos escorridos, envergonhadamente morenos, mal penteados, mas serenos, não falava comigo, não se ria para mim, isso julgava ela claro, ninguém marca o destino do seu riso, friso: ninguém é dono do seu sorriso, mal somos donos da nossa tristeza, e lá estava ela enfiada num banco de espuma já estafada, tão desnecessariamente bonita, sim na verdade um homem não precisa de tanta beleza, mas quem seria o estúpido que açambarcaria a voz dela ao telefone, aquilo não era riso de entre-mulheres, as mulheres entre si não conseguem rir assim, não conseguem abrir tanto os olhos ao mesmo tempo, não mordem a língua daquela maneira, mas não interessa com quem ela falava, era a mim que ela se dava, sem saber, oferecia-me uma frescura que já não se usa, um olhar de fogueira numa calma de freira, só que deixou-me o coração sem pio e ia na merda dum renault clio; cheguei a sonhar que dali nunca mais sairíamos, que em vez do semáforo estava ali uma parede mas a porra do sinal ficou verde, e rezei então uma avé maria, sozinho, porque isto do encantamento não é coisa para multidões, de facto, mas se não fosse aquele cruzamento, aquele aglomerado de gente, parada apenas porque sim, parada por parar, eu não teria sido tocado pelo seu olhar, perdido na inércia dum retrovisor; e ela tinha mesmo um sorriso lindo, mas eu agora vou indo.

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