Beautiful words
O ‘enamoramento’ é uma palavra de facto muito bem conseguida. Incorpora o ‘amor’ adverbalizando-se sem ser ostensiva, acolhe singularmente o prefixo ‘en’, o que lhe confere uma noção de movimento, de continuidade e até de quantidade ao mesmo tempo, e esconde qual biombo lacado o incomodativo kitschismo do ‘namoro’.
A languidez do termo ajuda a afastá-lo conceptualmente da brusquidão própria das paixões desgovernadas e um certo arrastamento fonético permite-lhe o ar blazé que fica bem a qualquer palavra que se queira dar com as boas famílias. A tendência para se consumir o final na economia da dicção – o ‘to’ não precisa de todo de ser bem vincado – confere-lhe uma terminação com a suavidade das ondas a bater na areia como na maré vazia: isto não é exacerbamento lírico mas a simples constatação dum facto de registo analógico que nem sequer aspira a metáfora.
É além disso uma palavra da ordem meramente laboratorial: ou seja, ninguém diz na linguagem corrente «estou enamorado por ti»; por isso nunca será uma palavra que deva nada à realidade, ficará para sempre virgem da experiência do contacto com a crueza despudorada do discurso directo.
Ao ser mais um estado de alma que propriamente um sentimento alivia imenso a exigência que estes acarretam. Não entra em conflito com outros, não é agressivo, não é redutor e não desertifica à sua volta deixando espaço em aberto para outras palavras mais comezinhas, mais terra a terra, mais dadas ao simples paleio por assim dizer.
O serpentear da língua no ‘n’ , no ‘r’, e no ‘t’ fazem com que transporte a dose certa de sensualidade, o suficiente para distrair e não ficar refém do sexo, tanto mais que a língua nunca chega a enrolar totalmente, e se nos afastarmos de boquinhas desnecessárias os lábios também pouco mais fazem que castas intermitências. A ausência dos inestéticos ‘i’ & ‘u’ garantem-lhe a dignidade das palavras mais nobres, e a discreta repetição do ‘n’ e do ‘m’ realçam o teor ondulante deste estado de alma que nos faz a todos sentir como barquinhos de papel; esta imagem é também encantadora (outra palavra gira mas para hoje já não há verba) e mostra que não há que ter medo dum coração derretido desde que se tenha condições de pressão, temperatura e humidade controladas. E um recipiente ajustado, claro.
Outra constatação final, mas que não pode deixar de ser sublinhada, é a deliciosa absorção semântica que esta palavra faz do termo ‘mora’. Se atentarmos bem e sem preconceitos, o conceito de ‘enamoramento’ encerra sempre um certo atraso, melhor dizendo, uma certa suspensão do tempo, aquele eterno e ambivalente ‘perdidamente’ quase estragado pela voz diarreica do Represas, mas que se poderá finalmente recuperar nesta piedosa análise de sintaxe metonímica, sem coimas.
‘Enamoramento’ é pois uma palavra que deve ser acarinhada e mantida entre a redoma platónica, a plaqueta mística, e eventualmente ir passar uns fins-de-semana fora com eros, mas só nos casos em que haja a certeza de não enjoar com o já eventualmente menos interessante ‘rame’ ‘rame’.
No fundo é esta palavra que nos garante a todos uma espécie de contínuo barco do amor, mas em doca seca para não ir oxidando muito o casco.
O ‘enamoramento’ é uma palavra de facto muito bem conseguida. Incorpora o ‘amor’ adverbalizando-se sem ser ostensiva, acolhe singularmente o prefixo ‘en’, o que lhe confere uma noção de movimento, de continuidade e até de quantidade ao mesmo tempo, e esconde qual biombo lacado o incomodativo kitschismo do ‘namoro’.
A languidez do termo ajuda a afastá-lo conceptualmente da brusquidão própria das paixões desgovernadas e um certo arrastamento fonético permite-lhe o ar blazé que fica bem a qualquer palavra que se queira dar com as boas famílias. A tendência para se consumir o final na economia da dicção – o ‘to’ não precisa de todo de ser bem vincado – confere-lhe uma terminação com a suavidade das ondas a bater na areia como na maré vazia: isto não é exacerbamento lírico mas a simples constatação dum facto de registo analógico que nem sequer aspira a metáfora.
É além disso uma palavra da ordem meramente laboratorial: ou seja, ninguém diz na linguagem corrente «estou enamorado por ti»; por isso nunca será uma palavra que deva nada à realidade, ficará para sempre virgem da experiência do contacto com a crueza despudorada do discurso directo.
Ao ser mais um estado de alma que propriamente um sentimento alivia imenso a exigência que estes acarretam. Não entra em conflito com outros, não é agressivo, não é redutor e não desertifica à sua volta deixando espaço em aberto para outras palavras mais comezinhas, mais terra a terra, mais dadas ao simples paleio por assim dizer.
O serpentear da língua no ‘n’ , no ‘r’, e no ‘t’ fazem com que transporte a dose certa de sensualidade, o suficiente para distrair e não ficar refém do sexo, tanto mais que a língua nunca chega a enrolar totalmente, e se nos afastarmos de boquinhas desnecessárias os lábios também pouco mais fazem que castas intermitências. A ausência dos inestéticos ‘i’ & ‘u’ garantem-lhe a dignidade das palavras mais nobres, e a discreta repetição do ‘n’ e do ‘m’ realçam o teor ondulante deste estado de alma que nos faz a todos sentir como barquinhos de papel; esta imagem é também encantadora (outra palavra gira mas para hoje já não há verba) e mostra que não há que ter medo dum coração derretido desde que se tenha condições de pressão, temperatura e humidade controladas. E um recipiente ajustado, claro.
Outra constatação final, mas que não pode deixar de ser sublinhada, é a deliciosa absorção semântica que esta palavra faz do termo ‘mora’. Se atentarmos bem e sem preconceitos, o conceito de ‘enamoramento’ encerra sempre um certo atraso, melhor dizendo, uma certa suspensão do tempo, aquele eterno e ambivalente ‘perdidamente’ quase estragado pela voz diarreica do Represas, mas que se poderá finalmente recuperar nesta piedosa análise de sintaxe metonímica, sem coimas.
‘Enamoramento’ é pois uma palavra que deve ser acarinhada e mantida entre a redoma platónica, a plaqueta mística, e eventualmente ir passar uns fins-de-semana fora com eros, mas só nos casos em que haja a certeza de não enjoar com o já eventualmente menos interessante ‘rame’ ‘rame’.
No fundo é esta palavra que nos garante a todos uma espécie de contínuo barco do amor, mas em doca seca para não ir oxidando muito o casco.
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