‘So long’
(mas também se um blog não serve para isto serve para quê?)

A primeira vez que estive com João Paulo II foi em Roma em 1980. Nessa altura vivia-se ainda um ambiente de novidade, recheado de sinais duma fé – que até parecia diferente - viril e piedosa ao mesmo tempo, dum papa que fazia ski, falava do comunismo sem travões, rezava a Nossa Senhora ora como um menino ora como um teólogo austero, e gostava de dar a cara dizendo até o que lhe iria no coração.

Inesperadamente encontrei-me nessa altura com um grupo não muito grande, numa audiência improvisada para rapaziada ávida de estar com esse Papa que parecia tão perto de nós e ao mesmo tempo tão lá ‘longe’ ao pé d’Ele. Ao meu lado nesse momento, recordo-me, estava um brasileiro, recém convertido, meio esgazeado, daqueles que nos fazem exercitar logo a inveja porque o imaginávamos a descobrir Deus entre duas miúdas no Leblon e uma descida em parapente pelo morro do corcovado, intervalando as avé marias com umas caipirinhas:«ora assim também eu»; íamos e vínhamos de junto de João Paulo II alimentados por manifestações de carinho mais ou menos inflamado, uns contavam coisas mais íntimas, outros diziam banalidades, uns abraçavam-no com força, outros faziam figura de aparvalhados, mas ele continuava ali , disponível, e mantendo aquele ar que mais me marcou : sempre tão próximo e sempre tão distante, como que a querer demonstrar com o seu olhar uma das mais misteriosas riquezas da nossa condição: somos do mundo, mas estamos marcados pela transcendência. E esta conciliação é uma carga de trabalhos.

Conhecedor do molho de bróculos em que nos metera, o Criador sabia que tinha de safar a coisa com o melhor dos recursos: o amor gratuito, misericordioso ( sim, existem almoços grátis, claro) e insondável qb, dum Deus que - vai-se a ver - nunca nos abandona, que nunca nos deixa um bilhetinho lacónico, como aquela miúda da canção dos Fisher Z, que eu me fartei de ouvir nesse ano de 1980, em ‘So long’ e que ontem fui ouvir outra vez, e que bem me fez ouvi-la outra e outra vez, 'revivendo' uma juventude se calhar meio esquecida, mas lembrando-me ao mesmo tempo que apesar de tudo não foi este Papa que me deu a fé e que esta felizmente nunca esteve muito dependente nem da virtude alheia nem da própria, senão estaria bem tramado, pois faço parte daquela multidão dos que acredita sem ter visto nenhuma luz, nenhum sacana dum efeito especial, nem um logaritmozito tirado de cabeça ao pôr do sol, nem um big bang filosófico.

João Paulo II ‘acompanhará’ bem Jesus como figura histórica cheia de leituras e descodificações, mas também será para muitos alguém que ajudou a ligar o corrente ao transcendente, alguém que sempre gostou mais de mostrar Deus como ‘amor’ do que como ‘poder’.

E será curiosamente um Papa que terá três mulheres bem, bem diferentes intimamente ligadas aos seu magistério: Edith Stein, Madre Teresa, e irmã Lucia. Por isso, das imagens que melhor retenho dele são aquelas, absolutamente carregadas de ternura, em que ele esteve de mão dada com a vidente de Fátima, como dois amantes, possuídos por mais um amor que não vem nos tratados.

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