Contos duma gajita



Uma vez perguntaram-lhe se era com aquela rapariga com cara de anjo que ele se ia casar. Ele riu-se encavacado - não é uma palavra muito bem esgalhada encavacado - e deve ter ficado com um olhar de miúdo que nem cabia em si de contente e orgulhoso por ter desencaminhado um anjo nem que fosse só de cara. Os anos passaram e ele soube entretanto que essa cara de anjo o achou mesmo um miúdo, se espantou por ele ser ainda um miúdo, se calhar se desiludiu de vez em quando por ele ser apenas um miúdo, e chegou a pensar que não era possível haver ainda miúdos assim e ela ter sido metida numa canja dessas. De facto, se os anjos tiverem pele, a pele deles será assim, como a dela, agora nem sei bem se lhe deves dar isto a ler, não quero que fiques encavacado outra vez, ela vai logo dizer que és parvo, claro, mas isso também faz parte, é uma espécie de bater d’asas, para se manter no ar, para se defender dos voos picados que muitas vezes tem de fazer para te segurar, mal sabe ela que tu se calhar estás é seguro demais, mas pronto, ela também não pode saber tudo, o importante é que saiba que tu, quando lhe tocas na pele, ainda cheiras o mesmo do primeiro dia, ainda sentes o mesmo veludo entrelaçado com seda que se cardaram no teu olhar, ainda te afliges com as suas lágrimas, e ainda gostas de mandar os horríveis ganchos, ou molas, ou clips, ou o que é aquela merda – isto é um conto, atenção - do cabelo pela janela fora.
Isto às vezes têm mesmo de se escrever estas coisas. Olhó caraças.



For you and I have a guardian angel

On high, with nothing to do

But to give to you and to give to me

Love forever, true



Excerto da letra de “True love” de Cole Porter. E mainada, porque às vezes com cinco de aridez e uma de lamechice, misturado com umas lágrimas mal contidas, é que se faz um coração de betão em condições. Haja uma boa espátula para barrar, claro está.

Küsschentherapie
uma sessão de parvódia em vários actos, nenhum baseado em factos, senão estes ainda podiam levar a mal.



1.Laisser faire laisser baiser

Deixavam-no estar. Ele ficava ali a falar sozinho, pensava que ainda era o padrinho, pensava que ainda era ele que mexia nos cordelinhos. Mas nós alimentávamos aquilo, íamos beijar-lhe a mão aos turnos e ele dava-nos ordens absurdas. A última que tive era para pregar um cagaço a alguém. Só por acaso é que não cumpri. Deixei estar como estava. Ele também estava doido, era muita coincidência aquilo dar certo. Mas antes beijar-lhe a mão a ele do que a outro. Tem de se beijar a mão a alguém, faz de referência, iam dizendo os mais necessitados duma explicação, há sempre gente que precisa duma razão para se consolar, não lhes chega um beijo, passam a vida a deixar-se andar mas depois não conseguem beijar à toa, afligem-se com uma bênção, atarantam-se com a aparência de servidão, pensam que ser livre é beijar quem se quer e esquecem-se que Deus é um velho maluco que se vai deixando beijar. E manda seguir. De absurdo em absurdo até os lábios ressequirem.
2. Não há fome que não dê em sobeijamento

Ela deitava-se no divã mas o sigmund de serviço mostrava-se distraído. Ela chamava-o bizarramente com beijinhos sonoros que o incomodavam; há mulheres chatas como passarinhos, e há homens que são mais freuds, mas também há outros que são mais froids, outros mais quentes, outros mais kants, ele há um pouco de tudo, mas raros conseguem fechar o inconsciente mal braguilhado ao arremesso de beijinhos, o divã rangia diga-se em abono da verdade, e a verdade bem que tinha de ser abonada, estava de rastos coitada, nem é bem fodida, é mais para debaixo do sofá sacudida, e ela não parava de se explicar, pronto diz-me lá o que tens para me dizer, a tua mãe batia-te em pequenina, e eu o que tenho a ver com isso, mas então depois nem te dava uns beijinhos, está bem e isso deixou-te a alma numa desgraça, e dependente dessa beijoquice paliativa, e por isso vieste aqui para o meu divã, e não paras de dar beijinhos para o ar, pronto por mim tudo bem, ponho a música mais alto, mas o sacana do mahler também nunca está quieto com o volume desta merda, gostavas de te livrar dessa dependência, porque os beijinhos até agora afinal não te levaram a lado nenhum, é porque não eram os certos, agora vou-te dar um daqueles que são autênticos saca-rolhas de inconscientes, vês, diz lá se não foi bom, não, claro que não te bato, que parvoíce, bater é coisa de mulheres, apenas queria experimentar trocar o meu inconsciente com o teu, e isso faz-se à base de beijos, os recalcamentos transmitem-se pela saliva e nem é preciso muita corrente eléctrica, sabias, são técnicas pois, sim, sim eu descobri a verdadeira livre associação: no mundo está tudo colado com cuspo, basta o calor dos corpos para lhe baralhar a viscosidade. Não, pronto, está bem, era conversa, cada um fica com o seu inconsciente, trocar por trocar, troca-se a posição no divã. No final, vais ver, ainda vão sobrar beijos. Ele há homens que até dariam boas mães.
3. Neolabialismos

Compro tudo o que estiver à venda. Pago com beijos. Nem fodo se for preciso, safo-me só com o cheiro desde que não me doam os dentes. A barba vou fazendo, gosto que se esfreguem e não se queixem, mas também é uma questão de tempo, algum dia se queixarão, alguma razão estúpida há-de aparecer, até estar feliz incomoda muitas vezes, mas porra eu até pago com beijos, sim essa coisa gira de encostar um lábio, ou melhor, os dois, infelizmente não estou em campanha, não tenho os lábios a soldo, senão até sacava uns votos, mas não beijo na boca, sou como as putas, ao que dizem, repenico nos dias de maior ansiedade, quase não toco nos dias em que preferia encostar a testa. Beijar é coisa de homens. E é sempre um acto comercial. Não há beijos grátis.
4. Kisses de identidade

Ele valorizava em demasia os beijos suspensos; pensava que o melhor beijo era aquele que nunca daria, ou aquele que nunca receberia; mas adorava quando lhe davam um beijo de que ele não estivesse à espera. Andava sempre à coca dos beijos de oportunidade, dos que ficavam por dar, dos que faziam de custo na economia do cuspo. Era com beijos assim que geria os seus ciclos, eram a sua menstrualidade. Coisas de gajos. Que vivem de negócios de ganchos e de engates, mas que nunca sangram.
Da inconstância



Às vezes apetecia que a vida fosse um vou ali e já venho. Outras vezes não.

E se isto tudo se resolvesse apenas com uns pozinhos de prelimpimpim



Leio alguns olhares compenetrados e sérios sobre a morte e o sofrimento – alheios - reflectindo mais ou menos enigmática e simbolicamente quase sobre tudo; sobre a provisoriedade, sobre andarmos sempre atrasados em relação ao que importa, deambulando sobre os medos, sobre as prisões, metaforizando a falta, a esperança, o optimismo, o pessimismo, hiperbolizando a dor, o inesperado, a vida de fronteira, arremessando ao espelho a parte desesperada da nossa condição, citando até romanos lúcidos, muitos gregos e poucos troianos, e procurando esquecer (bem ou mal) que da nossa natureza é mesmo muito também o cagar e andar. Eventualmente chorar. A morte nunca é uma lição para a vida. Só a vida é uma lição para a vida. Sermos uma tosta de pó com uma vidinha pelo meio é algo só suportável e camuflável à base de muitas citações e alguns jogos de palavras. Isto fora rezar o terço, claro está. Precisar que a carne de alguém arrefeça para constatar da precária fugacidade, está para a nossa condição como precisar de molhar o pão no ovo para saber mesmo que ele está estrelado e não escalfado. E a vida se calhar não passa dum ovo a cavalo. Aos olhos do cozinheiro, claro.
Um conto para desviar o olhar das paredes





Tinham-se encontrado primeiro num sonho, que pena ele não dar grande valor aos sonhos, e por isso tinha-se desperdiçado uma ocasião das que não faz um ladrão. E ela até vinha com um ar matreiro, sacudindo franjas, desviando olhares, mas não conseguindo disfarçar um certo arrebatamento, fingindo distanciamento, não, ela não conseguia, era mais forte do que o peito lhe pedia, e o peito duma mulher é danado, porque não foi feito para esconder, merecias outro soutien dizia-lhe ele, algo que te segurasse mesmo, mas eu não sou desses, ele não era dos que queria – ou será “conseguia” - guardar as mulheres só para ele; elas ao princípio até gostavam disso, mas depois fugiam-lhe todas, definitivamente, por isso é que ele não acreditava nessa merda dos sonhos, elas aí sim andavam amestradas, nunca lhe faltavam; ele pediu-me para ver se eu podia dar a volta à coisa e eu decidi dar-lhe uma mão, este no fundo é um conto filantrópico, vou dar a mão a um amigo, ó menos aqui vais encontrar uma miúda que te queira, faz de conta que ela agora te sorria, não deves desperdiçar uma aberta nesses lábios, tens de arriscar, pede-lhe a mão, fica a olhar para ela, não, não lhe toques logo, tanta sofreguidão para quê, repara, ela não se vai embora, eu estou a controlar a coisa, não sejas brusco, essa mania de tratar mal as mulheres é só literária, não te deixes levar por essas tretas, faz-lhe mesmo uma festa, encosta-lhe a tua cara, borracha na borracha, não desperdices palavras, repara ela nem fala, ela é das que não perde tempo a falar para as paredes, as mulheres que escrevem nas paredes vivem com escritos no coração, só sobrevivem porque ainda há corações de aluguer, daqueles, sim, daqueles colados com cuspo que parecem de tabique, mas ela não é dessas, pois, eu não te ia arranjar uma dessas, confia, eu vou-te arranjar uma miúda, daquelas, das que não precisam de escrever à toa, das que fazem uma trança, ou duas, das que sopram na franja, das que arrebitam um nariz, das que te piscam um olho, das que deixam que lhes mexas no cabelo, e assim, será no meio dos teus dedos que deslizarão os seus segredos, para nunca se perderem na rugosa e palavrosa epiderme do betão, seja na foz, seja no bolhão.

Pouco mais de meia dúzia de não-há-nadas-como-realmentes pré-eleitorais, nas entradas nºos 933 a 941 do dicionário não ilustrado. Até porque o futuro está nas nossas mãos, mas o sacana alojou-se na zona das calosidades.



Vagas de fundo – Semelhantes às ondinhas no cabelo; acentuam-se passando com a escova da ilusão e fixam-se com o gel demagógico. Alisam enxaguando bem numa mixórdia ácida.



Acções concertadas – Tendo-se perdido o ensejo de fazer a boa acção, e dado que já não há velhas para atravessar a rua, entretemo-nos a fazer torneados nas bengalas por consertar.



Visão reformista – É uma das mais bem esgalhadas miopias liberais, geralmente vem acompanhada com o estigmatismo conservador, sempre de muito belo efeito – estilo noronha da costa - fora as vezes em que afinal se descobre, por debaixo dos óculos escuros, que eram todos estrábicos e nem sabiam piscar o olho.



Ideia para o país – Situação grave e limite, quando ocorre é sinal que o país já lá não vai apenas com a realidade.



Carga doutrinária – Hipótese alternativa depois de esgotada a hipótese da carga de cavalaria. Acaba por se poupar nos arreios.



Orientação estratégica – É a que disfarça melhor uma política paraplégica



Políticos coerentes –São os que, aconteça o que acontecer, nunca os cortam rentes, e deixam sempre uma aresta para limar.



Linha de continuidade – É a que serve de meta aos carapaus de corrida



Medidas consistentes – São as que ao serem misturadas na argamassa dão logo automaticamente o efeito de papel de parede.

( esta foi só para dedicar à Alexandra da seta despedida, para ver se ela desenjoa um bocadinho daquelas frases do tipo que escreve nas paredes do Porto; não resisti...)
Fuck up comedy

Discurso dum político compenetrado



Custa-me muito ver-vos de pernas abertas, parecendo que não há quem vos queira, dais sinal dum povo meio rameira, meio prenhe, em todo o caso (esta expressão é de muito bom tom nos discursos) sempre dependente duma compenetrada atenção, sempre dependente do esforço dos orgãos democráticos garbosos, firmes e generosos, e eu estou aqui para dizer presente, podem contar comigo, sou boa gente, venha por trás ou me apresente pela frente. Tendes de depositar confiança no futuro, é bem verdade que se não comerdes o pão todo ele pode ficar duro, mas pensai no valor da firmeza, garantirá que não vos perdereis pelas vielas da tristeza, e não embarcareis numa vida flácida com toda a certeza, ela manter-vos-á compenetrados na vossa missão, e não precisareis de andar a passar de mão em mão. Mas sinto-vos uma nação algo frígida, sem conseguir retirar prazer de nada que lhe façam, nem duma brincadeira, nem duma desgraça, também não podem ser assim, tendes de vos envolver, lembrem-se, a gente está aqui para vos foder. Poderei não fazer uma coligação pré-nupcial, mas tudo se resolverá na comunhão de adquiridos, ficareis sempre bem fodidos, seja qual for o acordo final. Reparem, está na natureza deste coito as espécies serem protegidas, a vegetação é escolhida a dedo, haverá sempre algures um caçador compenetrado, e quem o habita será sempre um coitado, não adianta fugir para nenhum lado, o acto é para ser consumado, está escrito: eu serei frigideira e tu serás frito. Eu sei que sonhas em ser povo eleito, e eu até te garantia a noiva e o leito, mas tu tens de te mostrar interessado, não podes viver alheado, deixando tudo à mercê do leiteiro, ele deixa-te apeado e fica escondido no roupeiro, contigo a fazer cara de parvo, para o que estavas guardado, não estivesse eu compenetrado e te devolvesse a honra e posto o caldinho morno e ficarias eternamente corno. Mas não, eu estarei aqui, compenetrado e firme, poderei não dar sempre a segurança dum dedo em riste, mas nunca poderás dizer fodeste-me e partiste. Terás orgulho em mim e dirás à tua mãezinha: ele cumpriu, pariu e não fugiu, e eu direi: tu é que foste a minha nação compenetrada, bastou-nos o amor e uma cabana, mas nunca votem no outro sacana, eu sou coisa muito mais fina, reparem só na marca da vaselina.
O discurso dum Outono decadente das mulheres que já não há

Vai assim, de vez em quando com uma cadência abrasileirada porque agora acho que só esses gajos é que escrevem bem



Alô, eu sou miss Maple, serei almofadada, serei reclinada, serei de doçura injectada ou de mola aconchegada, secarei o seu suor, serei a doida que você quiser, ou melhor, serei a mulher que você me fizer; serei boneca, darei foda me vez de queca, farei rima quando estiver por cima, sonharás com Baco e faremos de cacho se me puseres debaixo, e se plantar de lado você até ficará arrepiado, ou de olho arregalado, e quando tiver de rolar erudição, eu sacarei da minha cabecinha abençoada e te darei uma tesão danada, e até inventarei gritinhos em latim, verás que nunca ninguém estremeceu assim; serei nulidade para você dar em sumidade, e até serei casta se isso te fizer ganhar na canasta, mostrarei que sou a mulher que te ama e todos terão inveja da tua cama, mostraremos ao mundo que somos o casalinho da nova arca de Noé, e eu serei o espelho borboleta do teu psiché. Nem o meu veneno te será fatal, com ele até farás uma canja sem igual, só te darei bom fluído, e sorverás da concha, sem ruído, pois basta-me uma pequena lisonja para fazer de tapete de lã, de teu penacho, ou de irmã. Puta nem pensar, nada me terás de pagar, só eu te deverei, esse ouro de lei que foi o teu corpo de rei, onde eu me entalei, como princesa, para sempre presa, de entre-pernas tesa e sempre posta a mesa. E quando te disser que não, é porque estarei esquecida da tua mão, mas voltarei rápido, vencida, despida, sem ferida, sem pressa, mesmo calculando que o meu saber a ti não te interessa; Alô, eu sou miss Maple, é quase nome de detective, mas você se sentirá como o melhor homem com quem já estive, como um criminoso descoberto, mas sempre livre.
Contos do ele ainda há homens assim



E logo tinha de ser também um bom homem. Não lhe bastava ser um gajo inteligente, não,

tinha logo que ser prendado,

tinha logo que ser um achado,

tinha logo que ser um daqueles que põem o coração duma mulher

à beira duma merda dum ataque qualquer. Diga ele o que disser, será sempre bem ouvido, será sempre um querido, um cheio de graça, que mesmo bem agarrado nunca faz de carraça.

E o sacana,

ainda para mais,

nem precisa dos jornais

para se saber que é bom na cama.

Mas ele tinha mesmo de ser um pessoa cheia de doçura, nem que lhe batam muito nunca fura; é o que custa em demasia, ver aquele género de alma fria, mas que aquece até que doa, e sempre na boa, dono de tudo, um sonho de ego, prolixo e mudo, visionário e cego.

E mais o cheirinho da humildade

de quem nunca falta à verdade,

mas que, vendo bem, até poderia mentir

que ela acabaria por se vir; isto porque ele era tão bom homem, e depois tão animado, fazia tudo parecer tão variado, com ele nada era um marasmo, por isso todo o fornicanço garantia um orgasmo, e não havia nada que o maçasse, Deus o guardasse.

Porque isto, homens assim

são os que elas precisam, mas com calma,

para bordarem felicidades sem fim

desde a púbis até à alma
Discurso dum político dissoluto

A dra girassol obrigou a que eu me pronunciasse sobre a situação política porque senão este blog começava a transformar-se num bibelot.



Eu bem sei que isto talvez se resolvesse dissolvendo apenas a assembleia, mas vou antes decidir-me, após a devida auscultação das forças da nação - gente com saber a rodos - a dissolver-vos a vós todos: tenho notado que passais já demasiado tempo à deriva; bem podiam andar apenas à toa, ou mesmo numa fona, mas não, quiseram logo pôr-se desenfreadamente à tona, ( e isto até rimava tão tão bem com um orgão genital que eu cá sei) e isso eu não posso admitir-filhos do pecado, enteados da vaidade, dissolver-vos-ei por atacado e em conformidade- verão que não estou a fingir; o máximo que vos posso conceder, e fica assim encerrado o assunto, é que me saciarão definitivamente a sede, e nunca fareis de depósito no fundo, nem ficarão agarrados à parede. Sereis pelo menos poupados ao degradante estatuto de borra, não ficareis entalados na fossa, e por isso se andarem borrados a responsabilidade será toda vossa, ora porra. Mas povo do meu coração, vós sedes solúveis até ao último grão, fora essa a condição que eu tinha colocado de antemão, para vos governar neste pedaço encantado à beira mar plantado, mas regado às mijinhas, ó minhas ricas filhinhas. E não há razão para alarme, eu mexerei com muito cuidado, e como a solução estará morna, vão ver que o caldo não se entorna, nem sobrará nenhum bocado estragado. É claro que garanto para vosso governo um bom líquido interino, já experimentei em tempos o tal de uterino, mas um sacana dum liberal a mais uma beata epidoral provocaram uma crise ectópica e uma infecção no siso, e eu já não tenho mais placenta para isso. Alimento-me da vossa baixa granulometria, de terem sempre uma mão quente e outra fria, de oscilarem entre o bidé e a pia e de não distinguirem a noite do dia. Sereis pois mais felizes dissolvidos, acreditai em mim, a solução ser-vos-á boa conselheira e não vos roçará as entranhas como uma parteira. E quando vierem os dias da evaporação, quando for o adeus definitivo do solvente, será o momento de mostrarem que também são gente, e que não se confinam à humilde e cariada cova dum dente. Eu nessa altura, já não estarei neste caldinho, degustarei então uma canja gostosa, mas garanto, lembrar-me–ei sempre de vós quando for servida a gasosa.