Pesponto à vista

Quis exercitar outra vez esta transexualização pela via do ‘sign in’ feminino, tomando-lhe o gosto só mais esta vez, procurando, quem sabe, novas sensações, viver o que Tirésias viveu sem precisar de reflexologias avulsas, e até nem estou a desgostar, até parece que a Emily penetra mais fundo na alma, consigo ver uma telenovela com outra abrangência, sei lá, saem-me mais fluidas as metáforas com sanefas, com varões e com cortinados, afasto-me selectivamente das esquerdas cruzadas a uma mão e cheias de top spin, ou dos brincos da Sharapova, ou da associação nacional de farmácias, enfim, são sensações editoriais diferentes, nem é que me esteja a dar para falar de miudezas ginecológicas, nem sequer senti o apelo ao amor cinefilizado, ou à pintura metafísica italiana, há uma outra ligeireza despreocupada no vocabulário reflexivo, sim, talvez um pouco mais de vertigem para dar nas vistas, mas também nada de mais, não é de se apoquentarem.
Sou até levado a aproveitar esta rara oportunidade de estar deste ‘lado de lá’ para vos fazer um desabafo pedagógico que há muito estava para fazer e não me vinha a coragem, e assim aqui vai de chofre: mulher que se preze tem mesmo de falar bem um francês sentido.
Pobre do homem que se deixe seduzir por uma mulher que não saiba dizer, sem ninguém estar à espera, numa esplanada, sob a brisa morna do entardecer, esperando ansiosamente o crepúsculo, com deuses ou sem deuses: « et mes yeux dans le noir devinaient tes prunelles, / et je buvais ton souffle, ô douceur! Ô poison! / (aqui as pernas já tremem que nem uma flecha empenada) / Et tes pieds s’endormaient dans mes mains fraternelles / (nesta altura a cervejita já se entornou que nem baba derramada) / la nuit s’épaississait ainsi qu’une cloison.». Mas isto é apenas parte do teste definitivo, garanto-vos. Comparadas com mulheres destas assim, todas as outras vos parecerão, mais tarde ou mais cedo , como electrodomésticos búlgaros, ou plumagens de cabaret. Aproveito para vos dizer que este ano os manjericos dos santos populares vão estar inundados de poesia grega, e já vi muito rapaz, e dos avisados, ser levado à certa com píndaros e depois amaciadinhos com anacreontes (recomendo o das ‘coxas’), quem nem toalhas turcas, até dá dó ver, e é por isso que eu faço questão: façam-lhes, pela vossa rica saúde, o teste da lágrima; comecem por dizer: «J’ai perdu ma force et ma vie, / et mes amis et ma gaîté; / (aqui com uma ligeira inclinação de cabeça a 70 graus) / J’ai perdu jusqu’à la fierté / qui faisait croire à mon génie (mordidela de lábio opcional mas sem fazerem ar de maus)». E depois aqui, das duas uma, ou ela vos diz que não está com pachorra e que o melhor é irem jantar fora, e então isto indica que não é mulher para vocês, sem qualquer margem para dúvidas, ou então vai-vos fazer uma moussezinha de chocolate com a receita da mãezinha e responde-vos em voz sussurrada, tipo rouquidão embebida em bechamel, (bem, isto quase que já era suficiente, mas devemos ser mais exigentes porque estamos perante uma prova definitiva): «Dieu parle, il faut qu’on lui réponde. / Le seul bien qui me reste au monde / Est d’avoir quelquefois pleuré.» ; e aqui uma lagrimita deve derramar-se, lambida com dois ou três ‘ne me quittes pas’. Acreditem, ali está mulher das que já não se fazem; é mais certinho que aquele teste novo do tubinho do cuspo.
Acho que já vos dei umas dicas boas, mas confesso-vos que não sei se estes posts passados do outro lado da barricada não me terão alterado um bocado. São riscos que um homem tem de correr, a par de ser chamado misógino, mas isto com dois ou três afrontamentos deve acabar por passar. Com a vossa licença.

{antónio}

(os itálicos são de Baudelaire e Musset)

Sem comentários: