Roma Revisitada


Voltemos ao princípio. Ponhamos que existia um continente de nações com grandes desigualdades, mas com muito em comum. E um ‘muito’ composto por muitos. Ponhamos que, por razões encontradas no sangue, no suor e nas lágrimas passadas, havia vontade de unir esforços e criar algo único, com uma homogeneidade, digamos, para simplificar, cultural e económica. Algumas dessas nações estavam financeiramente degradadas (como se de uma guerra perdida se tratasse), outras pujantes (como se de uma guerra ganha se tratasse), fosse por causa do clima ou por causa do estômago, ou até por causa da distribuição irregular de hormonas. Ponhamos que essas nações se queriam ajudar umas às outras, solidariedade, diz o dicionário, e logo através de uma nova unidade política – qualquer que ela fosse, para dar vazão a todos: aos manuais, aos maquiaveles, às madres teresas, a todos- que significasse um entendimento de valores e de estilos de representação politica.
Como começar esse movimento de solidariedade e combinação de esforços?...
Pela criação de uma moeda única.

Os primeiros anos



Renata só tinha recordações felizes. Parecia coisa de vírus, mas só se lembrava do bem que lhe tinham feito, dos momentos bens passados, o seu arquivo mental era composto apenas de dossiers coloridos, cenas bem agrafadas, nenhumas pontas soltas, só paixões concluídas ora com amizades à prova de sexo, ora com acoplagens fecundas, ora esquecimentos olímpicos, tudo selado a sangue doce.
Houve sempre alguém que lhe puxasse pelas arrelias da vida, homens de flirt fluido ou de cérebro difícil, mas ela sabia encontrar o encanto de cada um, tinha um radar de virtudes, um detector de metais preciosos mesmo para as personalidades mais subterrâneas ou até cruéis.
Não conseguiu evitar alguns dilemas vertiginosos de deixo-não-deixo, não evitou alguns precipícios, mas conseguiu sempre encontrar uma corrente quente que a fez ascender aquele lugar plano, sereno e bucólico onde as mulheres gostam de pousar o coração por mais amazonas ou felinas que se sintam ou sejam.
Renata sabia-se uma privilegiada na lotaria dos sentimentos, jamais guardara rancores, jamais se revoltara com os caminhos por onde tinha deslizado, vivia a combinar a experiência de viver com a inocência de nascer, como um caldo de legumes frescos sempre a apurar e sempre a exalar o perfume dum prado sem maçãs nem serpentes.
Uma vez, lá num tempo semi-longe, esteve quase a deixar-se ir, agarrada por um peito incapaz de esconder funções irregulares, onde o coração já filtrava o ar e o pulmão bombava o sangue. E Renata, presa a uma rede de inexplicáveis, deixou-se arrastar, embalada por uma vaga longa, por vezes brusca, ou acelerada ou suave, ou redentora , fatal.
Era um homem inesperado, verdadeiro no olhar, safado, mas que amava também deixando-se amar, com uma intrigante ferrugem a luzir dourado, que não deixava perceber como é que o tempo passava por ele. Veio do nada. Mas ela para o nada o soube reencaminhar.

Do[u]ble face



O Twitter retira-nos a capacidade de olhar romântico, e até lírico, sobre a realidade. Reforça-nos um certo cinismo de bolso, dá-nos um alibi para a preguiça e é um gatilho permanente de pívia mental. Sinto-me, naturalmente, bem naquele ambiente mas, curiosamente, deu-me a pedra nostálgica de quando aqui escrevia textos não menos intempestivos mas mais temperados, não menos irónicos mas mais calorosos, não menos vazios mas mais cheios. Mente-se melhor aqui, e, assim, a mentira torna-se mais próxima da verdade, aqui a ficção luta constantemente com a coisa real, lá tudo é essa massa informe, o instantâneo, que está para o exibicionismo como as pestanas estão para os olhos. Aqui, quando chove gostamos de inventar um boletim meteorológico solarengo, aqui temos pena de quem sofre, lá quando a prima do tsipras espirra nós queremos é que ela se constipe porque só um espirro não paga um tweet. Aqui damos valor à banalidade, lá somos exigentes com a realidade que tem de ter sempre atrelada algum fogo de artifício. Lá queremos sangue aqui queremos lágrima e apenas a tristeza é original como disse o mestre das barbas brancas no romance de todos os romances. Se soubesse tricotar agora fazia-vos uma camisolinha de malha.