Os homens são o que são. Mas podem ser o que ainda não são. O novo dicionário não ilustrado arrisca mais uma vez. Deixando-se levar pelo caminho incerto das palavras. Apenas isso. ( entradas 216 a 223 )



Culpa – Fenómeno confrangedor de natureza muito híbrida ( ou plástica ), que geralmente é sustentado por equilíbrios de encolhida masculinidade com agressiva feminilidade. Algumas arquitecturas financeiras ajudam igualmente a aplacar e camuflar este fenómeno também ele demolidor.



Perdão – Estado da natureza de características redentoras, experimentado por almas raras e de poucas falas, e muito apregoado por almas com taras e de falas baratas . As almas que pretendem ser meramente sérias evitam a questão.



Inveja – (Já tratada em tempos num texto autónomo). A maior das virtudes de fronteira. Vilipendiada pelos artistas da dissimulação, e bem manejada belos malabaristas da palavra. No circo da opinião é a palavra mais bem amestrada



Ciúme – Fenómeno relativamente mal explorado por ter alegorias de encantar a mitificá-la em excesso. O encontro com “o terceiro” é sempre mais difícil que o encontro com “o outro”. Quando se vai perdendo o controlo das variáveis, a equação do “relacionamento” gera – alarvemente - incógnitas uma atrás das outras. Só que geralmente – ao contrário da matemática – não se tende para o infinito, mas sim para a ruptura.



Vingança – Fenómeno mal compreendido. Deveria ser banalizado, porque assim ganhar-se-ia a calma necessária para o poder “demonizar” nos casos devidos . A pequena vingança interior, seguida da oração reparadora, é muitas vezes a único remédio – não santo - para uma vida sem glamour nem amour.



Vaidade – Estranhamente valorizada e negligenciada. É o caso mais flagrante de sucesso pós-shakespeariano e pré-apocalíptico. Mostra à saciedade que “não se cai no ridículo” mas sim que se “sobe no ridículo”. Mas como o topo somos nós próprios, acabamos por não subir muito.



Remorso – Fina arte de lidar com a nossa intimidade. Pouco explorada pelas psicoterapias ( julgo...), acabamos geralmente por privar a economia do consciente deste condimento. A fealdade da palavra retira-lhe as hipóteses nas poesis de circunstância e os manuais da política não a cheiram, nem nas notas de pé de página.



Vergonha – Estado de alma que se calhar já reverteu a pó antes do seu tempo. A mumificação foi talvez a opção tomada pelos caçadores de tesouros da vida moderna. Mas quando se embalsama o passado sem o bálsamo da vergonha, ficam os chifres da presa sempre a roçar-nos na cabeça. E um dia, o calor da lareira virará em chispas. Vá de retro.

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