Assalta-o a clareira.
O sol chega-lhe em cor
sem ser oblíquo
e revê-se em azul
Sobressaltar o tempo
trazê-lo para trás um ano antes
conseguir seduzir o mais amado,
e em fuga lenta,
o amor
como lembrança
de ferroada azul
de mil guerreiro
Isso ele desejava
mas tudo lhe era
ausente
Ana Luísa Amaral, in A Arte de Ser Tigre
Patos Bravos, voltem estão perdoados.
Quando iniciámos o nosso último sonho europeu desfizemos no modelo do pato bravo e acarinhámos o modelo do faisão dócil. Os construtores do nosso futuro idílico seriam então aqueles que recheavam de rodriguinhos e ripipilados estratégicos os seus planos de negócio, com muita baba de tecnologia e inovação, muita zona de caça exclusiva, evoluindo educadamente do endividamento para o financiamento a fim de aterrarem serenamente no leverage, e o português deixaria de ser pau para toda a colher passando a ser mioleira da fina. Aqueles que tinham andado a fazer piquena, rápida e injusta fortuna com o sapato, o ladrilho, a peúga ou a sardinha tinham os dias contados, recolhessem os ferraris à garagem e empacotassem as máquinas de costura porque os dias deles tinham acabado. Fossem para a roménia, para angola ou para marrocos, pois por cá apenas tinham lugar a fina flor do project entulho finance, os faisões dóceis, os que transformariam o cimento em oiro desde que beijassem o cuzinho da fada.
Deu merda.
Agora precisamos outra vez do nosso pato bravo. Precisamos urgentemente daquele nosso jeitoso-oportunista-empresário que desencantava uma fabriqueta de merda num armazém fedorento e explorando umas vinte mães de família desocupadas e meia dúzia de reformados marrecos produzia de rajada 50.000 cuecas ou chanatas, para depois as vender a um holandês que as revendia pelo triplo a uns armazéns de roupa interior em Dusseldorf, derretendo entretanto parte do lucro em mercedes, amantes e sobretudos de cachemira. O tal modelo ultrapassado torna-se de novo uma necessidade premente, e daquelas estratégicas, que são as mais doces. Afinal fazem-nos falta os desenrascados, os patos bravos, os verdadeiros 'exploradores de abismos', fazem-nos falta aqueles que andavam desavergonhadamente atrás do pequeno dinheiro, dos que esticavam até ranger com falta de óleo, mas que, entre mortos e feridos, deixavam uma auréola de miseriazinha bacana, que hoje parece oiro ao pé deste monte de contratos de foguetório e paybacks de cheirinho.
Voltem. Chegou outra vez a vossa hora entre os escombros da social-burocracia e do ressuscialismo. Afinal, foi-se a ver, tínhamos feito a via-sacra ao contrário. Toca a subir 'que o Barrabás quer ir descansado à vidinha dele e o Bom Ladrão tem mais que fazer.
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Educação de Meninas
Pai quer santa, Mãe quer diva. Pai pede doçura, Mãe pede dissimulação. Pai quer resultado, Mãe quer cálculo. Pai regista, Mãe controla. Pai dá espelho, Mãe dá escova. Pai requer mimo, Mãe requer tino. Pai anseia, Mãe conspira. Pai fia, Mãe desconfia. Pai quer trança, Mãe quer franja. Pai sonha, Mãe planeia. Pai nem quer saber, Mãe já sabe. Pai faz um projecto, Mãe projecta-se. Pai olha para a frente, Mãe olha para trás. Pai é desinteressado, Mãe é parte interessada. Pai encontra nela um escudo, Mãe um escape. Pai conta-lhe uma história, Mãe dá-lhe um exemplo. Pai rumina, Mãe domina. Pai quer ter influência, Mãe quer ter intendência. Pai quer uma filha, Mãe quer uma mulher. Pai ampara, Mãe compara. Pai sabe o que dizer, Mãe sabe o que fazer. Pai educa, Mãe prepara. Pai deduz, Mãe experimenta. Pai desfruta, Mãe conclui.
verso à terça
Rasga, pois,
a penumbra dos teus olhos cansados,
pousa,
no abismo das pálpebras,
o malmequer e o sono,
inclina-te nos alpendres e diz,
diz muito alto,
diz ao mundo tudo o que viste nas enseadas dos
portos sem abrigo,
diz que entregaste o teu regaço e o teu amor
ao mais belo príncipe das cidades do mar.
José Agostinho Baptista, in 'Esta Voz é quase o Vento'
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verso à terça
Desmaker Consulting Group #n
Como é sabido, em tempos de depressão económica sobe o consumo de alguns produtos específicos, tidos como bens de compensação e esquecimento, sendo os exemplos mais conhecidos (refiro-me apenas aqueles que reflectem estratégias positivas) os chocolates, o verniz das unhas ou o cinema, todos eles bens que com pouca despesa fazem o consumidor (também conhecido como cidadão ou contribuinte consoante a faceta analisada) alcançar rapidamente êxtases relativamente decentes. Ou seja, as crises podem ser abordadas pelo seu lado convexo, pondo assim as mãos a fazer conchinha.
Já em tempos aqui demonstrei as vantagens da criação dum cluster religioso em Portugal. Penso que se abrirão por estes dias as portas à sedimentação de um novo cluster no qual já revelámos há muitos anos competências que nos distinguem e consequentemente valorizam. Refiro-me ao cluster da 'miséria & isolamento'. Portugal tem tudo para mostrar ao mundo que a condição de só & miserável possui para além do enorme potencial antropológico também um enorme potencial socio-económico. Como sabemos, muitos modelos de isolamento geopolitico que foram experimentados na história deram origem a sociedades desgraçadas, oprimidas, estupidificadas, sendo os mais conhecidos e recentes, os exemplos albanês, o romeno (mesmo dentro do pacto de varsóvia) e actualmente o norte-coreano. Ora abre-se-nos uma oportunidade histórica para dar novas cores a este modelo. Trata-se assim de dizermos adeus ao mundo por uns tempos mostrando-lhe que ficamos bem obrigado, inclusive porreiros.
Os elementos essenciais desta estratégia são as seguintes sublimações:
1. Sublimação do conceito 'produtividade' - O preço e o custo não são tudo. Mesmo que algumas coisas produzidas por nós fiquem mais caras do que compradas fora, lembremo-nos do slogan clássico da L´Oreal: «Porque eu mereço».
2. Sublimação do conceito de 'miséria' - Há que reconstruir os ideais de riqueza das nações da mesma forma que se recuperaram os ideias de beleza da mulher. Se neste caso se voltaram a valorizar as formas mais rechonchudinhas e aprimoradas, no outro pretende-se voltar a aceitar que apesar de redondinha a Terra é um bocadinho achatada nos pólos e que assim deveremos levar à letra o granda maluco do S. Paulo: «Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra». Nesta primavera lembremo-nos que em cada andorinha há um churrasco, perdão, uma fénix em potência.
3. Sublimação do conceito 'isolamento' - Portugal tem um currículo de auto-suficiência (e até inovação) em muitos ramos de actividade. Quem já tendo as bochechas de soares, o inglês técnico de sócrates, o dedo em riste de portas e o penteado de maria de belém, ainda foi capaz de descobrir os charters chineses de futre não precisa de nenhuns motivos de inspiração fora das nossas fronteiras.
4. Sublimação do conceito 'déficit' - Temos de fazer ver ao mundo que existe tanto desequilíbrio naqueles que consomem mais do que produzem como naqueles que produzem mais do que necessitam. Os excedentes dos países excedentários são os grandes responsáveis pelo estado em que estamos.
5. Sublimação do conceito 'democracia' - Explicar ao mundo que nos basta escolher quem queremos que nos governe, mas depois não fazemos questão que se cumpra.
6. Sublimação do conceito 'castidade' - O comércio global e a usura estão para a economia mundial como o gemido está para a pornografia: parecem enganadoramente imprescindíveis. Portugal, vivendo de pernas e mãos atadas, irá devolver (alguma) castidade ao capitalismo.
7. Sublimação do conceito 'periferia' - Há coisas que nunca nos poderão tirar, ou seja: we'll always have Badajoz.
8. Sublimação do conceito 'possibilidade' - Aparentemente havia limites que nós desconhecíamos. Ou seja, bem ao contrário do que agora se diz - e como todos nós bem sabemos - nós temos vivido é muito abaixo das nossas possibilidades.
9. Sublimação do conceito de 'responsabilidade' - Fomos durante anos o bom aluno da europa, pós-graduámo-nos ainda às custas dos professores e dos papás, e agora quando estávamos a preparar-nos para comprar casinha, tgv e pistas de descolagem novas, obrigam-nos a voltar a fazer a caminha. Vamos fechar-nos no quartinho a compor baladas, chamem-nos só quando o jantar estiver na mesa.
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D.C.G.,
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Eu sei que Portugal é indispensável. Mas não sei para quê.
Somos a tal útil inutilidade. Um oxímoro à beira mar plantado. Sentimos o cheiro da pólvora antes do tiro ser disparado mas já depois de ouvirmos o barulho metálico da cápsula a cair no chão ainda julgamos que afinal aquele cheiro era de rosas secas. O que enviaria irremediavelmente qualquer alma individual média para o submundo das psicoses acaba por alimentar e equilibrar a nossa alma colectiva, uma trágico-comicidade de almanaque que todos conseguimos reconhecer num político, num reality show, num escritor, num taxista ou mesmo num canalizador que nos vá a casa tratar das torneiras renitentes. Gostamos tanto de saborear a competência como a incompetência, e gostamos tanto de humilhar como de comiserar sem sequer sairmos do mesmo pires de tremoços. Mas nós não somos de extremos como enganadora e facilmente se costuma dizer, nós conseguimos é levar o meio a locais absolutamente insuspeitos, qual apóstolos da papa cerelac com sabor a rojões. A virtude e o defeito nas nossas mãos nem sequer chegam ser estados de espírito, são apenas mais dois elementos dos jogos florais dos costumes. Fomos os primeiros a romper verdadeiramente a famosa herança judaico-cristã sem nos darmos conta: criámos um inconsciente colectivo de algodão doce, uma sensação de pecado e doçura coabitando harmoniosamente como bolor com pão e o queijo. Quando nos conhecerem verdadeiramente nunca deixarão de nos amar. Se Adão fosse português a serpente comeria a maçã por nós.
(a frase do título é uma adaptação da frase de Jean Cocteau no seu discurso de recepção na Academie Française: «je sais que la poésie est indispensable. Mais je ne sais pas à quoi...»)
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La vie au Rachat
"os presentes são bens que, ao ligar-nos a alguém, acabam por se ligar a nós" ©
Num blog (o ouriquense) de cores sóbrias, pensamento confuso e bom gosto musical pode ler-se a propósito de nem se sabe bem o quê: «a imagem que fica do pensamento religioso é a de um raciocínio fracturado em cuja fissura se injectou fé».
É frequente pessoas sem aparente pinga de fé entenderem como esta funciona no mecanismo básico que é o pensamento humano. A noção de fé como algo entre a bucha e o tapa poros que se enfia no esquema mental de um certo tipo de mamíferos afigura-se-me absolutamente correcta. O raciocínio é por natureza fracturado, (aliás a única secreção humana contínua é o jacto de mijo) e a fé para se juntar à festa decorativa teria apenas três hipóteses: ou como subcapa (lugar já ocupado pelo preconceito), ou como tromp-d'oeil (lugar também já ocupado pela retórica), tendo assim optado por ocupar o único lugar livre que é a fissura (evitando-se o termo racha, por razões de mero respeito à técnica de estuque).
Aqueles que podem ter ficado como os pensadores religiosos mais influentes da história (s. paulo, abelardo, st. agostinho, pascal, dostoievski e joão paulo II) no fundo foram os que conseguiram enfiar a espátula da fé enquanto o estuque ainda estava fresco e mal ou bem quando tudo secou nem se notava a diferença.
O que distingue assim o pensamento religioso do pensamento científico é que nos raciocínios fracturados que alimentam o científico a injecção da dúvida metódica nas fissuras apenas impermeabiliza temporariamente.
A fé garante assim um raciocínio limpinho mas dado a infiltrações, bom para tipos que saibam antecipar a chuva, enquanto a ciência permite uma certa resistência à humidade mas a exigir sucessivas demãos de esmalte decorativo, mais adequado a rapaziada que gosta de ir trocando de trapinhos. Aqueles que injectem das duas na mesma fissura aconselha-se que andem sempre com um baldezinho de gesso na mão.
verso à terça
A minha tristeza
não é a do lavrador sem terra.
A minha tristeza
é a do astrónomo cego
Mia Couto, in Tradutor de Chuvas
não é a do lavrador sem terra.
A minha tristeza
é a do astrónomo cego
Mia Couto, in Tradutor de Chuvas
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verso à terça
«un grand artiste ne cicatrise jamais»
O que tem Portugal a ver com a arte e o amor? Uma dedicação fiel ao sofrimento, uma flor sempre a olhar para as suas pétalas mais murchas, um coração sempre maior que a perna, uma cobiça sempre maior que o ciúme.
O Portugal moderno fez-se da imitação. Como todos. Olhámos para os que idealizámos estar melhor que nós e agimos na conformidade das palavras trazidas na maré pela espuma da moda: infra-estruturas, qualificação, alianças (inconsciente, recalcamento, transferência, dir-se-ia num freudiano ainda purista). No amor é igual: uma boa cama, uma boa tesão, uma boa posição. Na arte é igual: uma tela desengordurada, uma boa pedrada, um agente empenhado.
Falhámos. É óbvio que falhámos. O nosso trabalho caiu no capitalismo errado, tal como muitas vezes o amor cai no ângulo cego da paixão, ou a inspiração desemboca numa transpiração medíocre.
Somos óptimos a fazer retrospectivas, tal como um amante sabe descobrir onde lixou tudo, ou um pintor sabe onde fodeu um quadro. No entanto, aqueles que hoje tentamos repescar da história como sendo as nossas bússolas cassândricas, desde os padres antónios vieiras aos eças, passando pelos herculanos e os oliveiras martins, afinal assinalavam-nos o mesmo que fizeram os amantes falhados como tolstoi ou os pintores baralhados como kandinsky, ou músicos desesperados como johnny cash - a existência tem a mão mas os fenómenos têm os trunfos.
A história de portugal mostra-nos uma ferida sempre a piscar o olho, e nós a escondê-la com os poderes terapêuticos infinitos da ilusão, qual artistas a tapar um enredo fraco com uma dúzia de parágrafos de belo efeito, ou alguém que sabe só conseguir amar alguém que nunca possa sequer abraçar em condições.
A história de portugal mostra-nos uma ferida sempre a piscar o olho, e nós a escondê-la com os poderes terapêuticos infinitos da ilusão, qual artistas a tapar um enredo fraco com uma dúzia de parágrafos de belo efeito, ou alguém que sabe só conseguir amar alguém que nunca possa sequer abraçar em condições.
Hoje é impossível aparecerem Shakespeares, Dantes ou Dostoievskis, temos coisas a mais na cabeça, perdemos a hipótese de ter sequer a ilusão de arranjarmos uma dúvida fundamental, um drama essencial, um amor definitivo que nos insufle. Nem ditadores em condições já conseguiremos parir, e já nem termos força para nos deixarmos manipular é a maior vitória da democacofonia. A transcendência aguenta na nossa alma pouco mais que cinco minutos seguidos e o coração parece repartir cada vez mais as funções do fígado ou dos rins. Mas um grande país nunca cicatriza.
Resta-nos o trabalho honesto, a arte subversiva, o amor decorativo, a luta de classes e a presença de Deus.
a frase do titulo é (mais uma vez) do Journal Inutile, de Paul Morand, em 12 de Abril de 1971, pág.501.
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8 de Abril. Cem anos.
«A tragédia do homem é o conhecimento. Sempre notei que, cada vez que tomo consciência de algo, o sentimento que tenho a seu respeito fica debilitado»
E.M. Cioran. in 'Entretiens'. Conversa com Helga Perz, em 1978, pág. 31
E.M. Cioran. in 'Entretiens'. Conversa com Helga Perz, em 1978, pág. 31
verso à terça
O melhor da mulher talvez o olhar
é para mim o mar da mulher
e à mulher que um só dia encontro na vida
de passagem um simples momento num sítio qualquer
talvez a muitos quilómetros do mar
mas mulher que não mais consigo esquecer
mesmo imerso na dor ou submerso em cuidados
a essa mulher qualquer
eu chamo mulher do mar
Ruy Belo, in Toda a Terra
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verso à terça
um dois três macaquinho do chinês
Ao contrário do que pode transparecer das fontes bem informadas, Portugal vive hoje um momento absolutamente vibrante da sua história, proporcionado pelos miminhos que só a geopolítica pode fornecer.
Como é conhecido, o nosso ilustre caminhar pelos tempos esteve sempre marcado pela existência da ameaça espanhola. Mas foi aquilo a que se pode chamar: um inimigo fiel; esteve sempre ao nosso lado a debicar-nos fronteiras, navios, possessões, tronos, terras, porcos e lagares de azeite, conferindo-nos o elevado estatuto de Estado invejado e ameaçado, estatuto esse que lá fomos sabendo conservar como pudemos. Hoje, um terço do nosso calote externo são eles que se arriscam de levar, mas desistiram há muito de nos invadir, de tomar conta de nós, e o pouco eucalipto que ainda nos resta já não os seduz e muito menos entusiasma.
É verdade que também tivemos de arrear nos mouros, tivemos os Franceses a invadir-nos, os Ingleses a ultimatar-nos e até Holandeses a roubar-nos, mas nunca um inimigo se mostrou tão prestável e sério como a espanholada. É por isso com enorme desolação que os vejo esquecerem-nos e desistirem de ser nossa ameaça, ou mesmo aliado, vizinho, madrinha, noiva, companheiro, palhaço, limitando-se a ser parceiros bilaterais (uma espécie mini-colhões da grande pinocada estratégica, se me é permitida esta linguagem) em tratados tão ilegíveis quanto irrealizáveis, apesar de eventualmente porreiros - pá.
E é aqui no meio desta aparente desilusão que surge inesperadamente um novo grande momento da nossa história. Abafado o quinto império pela literatura mais pragmática, requentada a vocação atlântica e agora perdida a europeia entre as brumas do rating e os pintelhos da dívida, está chegado o momento de irmos (e de caminho virmos) novamente ao grande leilão das nações.
Portugal tem hoje a possibilidade de se oferecer dignamente a pelo menos três robustos países com os quais temos enormes e fluidas ligações históricas. Não se trata de uma colonização invertida (como já um cronista do FT tentou glosar), não se trata duma mera venda de território ou soberania, nada original de resto, nem se trata duma simples recolocação da famosa dívida, actual e nova, não, nada disso, trata-se apenas de, pelo menos, isso tudo junto, e quase uma sublimação do oil for food, mas agora no formato de nothing for food.
Já tivemos Espanha, como supra se assinalou, mas não nos iludamos: era uma fatalidade geográfica, como ser marroquinos do norte o seria; hoje, sim, podemos escolher livremente. Brasil, China ou Angola (os russos só compram clubes de futebol infelizmente); qualquer um destes nos poderá adoptar de forma desinteressada, apenas movidos pelo carinho e pela vontade de ter de arranjar alguém para tomar conta, impossibilitados que estão de parirem países mais pequeninos, face ao mundo ter chegado a esta fase de menopausa geopolítica. Poder-se-ia pensar tratar-se dum simples refreshing na figura do Protectorado, mas não, julgo estarmos perante a criação de uma nova figura no direito internacional: O País Adoptado. O Adoptorado.
Qualquer dos três é uma boa opção, tanto para nós como para eles. Com todos há a força da intercontinentalidade, com todos há uma densa experiência (quem não ofereceu já o molar a um dentista brasileiro, quem não comprou já uma ficha tripla numa loja do chinês, quem não dançou ou viu dançar já uma kizomba sonhando ser o chefe da tribo) e nenhum nos desdenharia como país de estimação ou, como entrará rapidamente na gíria das cimeiras: o Pet Country. Já estou a ver a Torre de Belém a ser passeada à tardinha pela Muralha da China, e a cheirar o rabo dum qualquer Escorial entretanto também apanhado nas malhas do Adoptorado.
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The dark side of the wool # n+5
Grandes opções do pasto: uns arranjam lenha para nos queimarmos, outros arranjam lã para nos tosquiarmos.
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Dark side of the wool
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