Como é sabido, em tempos de depressão económica sobe o consumo de alguns produtos específicos, tidos como bens de compensação e esquecimento, sendo os exemplos mais conhecidos (refiro-me apenas aqueles que reflectem estratégias positivas) os chocolates, o verniz das unhas ou o cinema, todos eles bens que com pouca despesa fazem o consumidor (também conhecido como cidadão ou contribuinte consoante a faceta analisada) alcançar rapidamente êxtases relativamente decentes. Ou seja, as crises podem ser abordadas pelo seu lado convexo, pondo assim as mãos a fazer conchinha.
Já em tempos aqui demonstrei as vantagens da criação dum cluster religioso em Portugal. Penso que se abrirão por estes dias as portas à sedimentação de um novo cluster no qual já revelámos há muitos anos competências que nos distinguem e consequentemente valorizam. Refiro-me ao cluster da 'miséria & isolamento'. Portugal tem tudo para mostrar ao mundo que a condição de só & miserável possui para além do enorme potencial antropológico também um enorme potencial socio-económico. Como sabemos, muitos modelos de isolamento geopolitico que foram experimentados na história deram origem a sociedades desgraçadas, oprimidas, estupidificadas, sendo os mais conhecidos e recentes, os exemplos albanês, o romeno (mesmo dentro do pacto de varsóvia) e actualmente o norte-coreano. Ora abre-se-nos uma oportunidade histórica para dar novas cores a este modelo. Trata-se assim de dizermos adeus ao mundo por uns tempos mostrando-lhe que ficamos bem obrigado, inclusive porreiros.
Os elementos essenciais desta estratégia são as seguintes sublimações:
1. Sublimação do conceito 'produtividade' - O preço e o custo não são tudo. Mesmo que algumas coisas produzidas por nós fiquem mais caras do que compradas fora, lembremo-nos do slogan clássico da L´Oreal: «Porque eu mereço».
2. Sublimação do conceito de 'miséria' - Há que reconstruir os ideais de riqueza das nações da mesma forma que se recuperaram os ideias de beleza da mulher. Se neste caso se voltaram a valorizar as formas mais rechonchudinhas e aprimoradas, no outro pretende-se voltar a aceitar que apesar de redondinha a Terra é um bocadinho achatada nos pólos e que assim deveremos levar à letra o granda maluco do S. Paulo: «Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra». Nesta primavera lembremo-nos que em cada andorinha há um churrasco, perdão, uma fénix em potência.
3. Sublimação do conceito 'isolamento' - Portugal tem um currículo de auto-suficiência (e até inovação) em muitos ramos de actividade. Quem já tendo as bochechas de soares, o inglês técnico de sócrates, o dedo em riste de portas e o penteado de maria de belém, ainda foi capaz de descobrir os charters chineses de futre não precisa de nenhuns motivos de inspiração fora das nossas fronteiras.
4. Sublimação do conceito 'déficit' - Temos de fazer ver ao mundo que existe tanto desequilíbrio naqueles que consomem mais do que produzem como naqueles que produzem mais do que necessitam. Os excedentes dos países excedentários são os grandes responsáveis pelo estado em que estamos.
5. Sublimação do conceito 'democracia' - Explicar ao mundo que nos basta escolher quem queremos que nos governe, mas depois não fazemos questão que se cumpra.
6. Sublimação do conceito 'castidade' - O comércio global e a usura estão para a economia mundial como o gemido está para a pornografia: parecem enganadoramente imprescindíveis. Portugal, vivendo de pernas e mãos atadas, irá devolver (alguma) castidade ao capitalismo.
7. Sublimação do conceito 'periferia' - Há coisas que nunca nos poderão tirar, ou seja: we'll always have Badajoz.
8. Sublimação do conceito 'possibilidade' - Aparentemente havia limites que nós desconhecíamos. Ou seja, bem ao contrário do que agora se diz - e como todos nós bem sabemos - nós temos vivido é muito abaixo das nossas possibilidades.
9. Sublimação do conceito de 'responsabilidade' - Fomos durante anos o bom aluno da europa, pós-graduámo-nos ainda às custas dos professores e dos papás, e agora quando estávamos a preparar-nos para comprar casinha, tgv e pistas de descolagem novas, obrigam-nos a voltar a fazer a caminha. Vamos fechar-nos no quartinho a compor baladas, chamem-nos só quando o jantar estiver na mesa.
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