Somos a tal útil inutilidade. Um oxímoro à beira mar plantado. Sentimos o cheiro da pólvora antes do tiro ser disparado mas já depois de ouvirmos o barulho metálico da cápsula a cair no chão ainda julgamos que afinal aquele cheiro era de rosas secas. O que enviaria irremediavelmente qualquer alma individual média para o submundo das psicoses acaba por alimentar e equilibrar a nossa alma colectiva, uma trágico-comicidade de almanaque que todos conseguimos reconhecer num político, num reality show, num escritor, num taxista ou mesmo num canalizador que nos vá a casa tratar das torneiras renitentes. Gostamos tanto de saborear a competência como a incompetência, e gostamos tanto de humilhar como de comiserar sem sequer sairmos do mesmo pires de tremoços. Mas nós não somos de extremos como enganadora e facilmente se costuma dizer, nós conseguimos é levar o meio a locais absolutamente insuspeitos, qual apóstolos da papa cerelac com sabor a rojões. A virtude e o defeito nas nossas mãos nem sequer chegam ser estados de espírito, são apenas mais dois elementos dos jogos florais dos costumes. Fomos os primeiros a romper verdadeiramente a famosa herança judaico-cristã sem nos darmos conta: criámos um inconsciente colectivo de algodão doce, uma sensação de pecado e doçura coabitando harmoniosamente como bolor com pão e o queijo. Quando nos conhecerem verdadeiramente nunca deixarão de nos amar. Se Adão fosse português a serpente comeria a maçã por nós.
(a frase do título é uma adaptação da frase de Jean Cocteau no seu discurso de recepção na Academie Française: «je sais que la poésie est indispensable. Mais je ne sais pas à quoi...»)
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