Aureolado
Cheever regal
The dark side of the wool #16
The dark side of the wool #15
Rebanho ansioso, ovelha tensa, lã espessa, tosquia difícil, fiação exigente, tecelagem morosa;
Rebanho desorientado, ovelha alarmada, lã eriçada, tosquia fácil, fiação escorreita, tecelagem de primeira;
Rebanho em pânico, ovelha à nora, lã espetada, tosquia automática, fiação acelerada, tecelagem de luxo.
Sem esquecer as latas de abertura fácil
Qui tolis peccata mundi
O segredo de Trouble Mountain VI - a fotonovela
Menina Cristina – mas eu entreguei-me a ti de corpo e alma; agora nada mais irá fazer sentido. Deixei a minha família, as minhas mini saias, o meu rímel, os meus peluches e inclusivamente um enxoval de bordados que a minha avó me tinha preparado…
Guarda Abel – Querida, ou vens comigo, ou como alternativa transformo-te em franja para tapetes de Buchara.
Menina Fatinha – O m’eufrates não é para os teus diques! Larga-me o braço, não me pises a chanata e vai concubinar camelos para o casaquistão.
Menina Cilinha – Uma infelicidade de morte percorre as minhas veias. Mais valia ter ficado a bordar paramentos na minha terra.
Tininha – Sufoco com a tua indiferença, o teu alheamento…
Sardolas – Tu sufocas é porque estás aí com a cara enfiada no edredon e tens as costas destapadas; ainda apanhas alguma pontada com a corrente de ar!
Tininha – Mas não me resignarei…
O Segredo de Trouble Mountain V
O Segredo de Trouble Mountain (IV)
A miscigenação amorosa revelar-se-ia assim uma saída. Uma quase réplica erótica do missionarismo evangélico. Uma mulher amada também é uma estrada de Damasco. Uns ombros coríntios, uma pose tessalonicense, um perfil efésio, eventualmente uns gálatas momentos de prazer. Um Deus sempre diferente garante uma revelação permanente.
Mas pelos vistos deve haver algum apócrifo iluminado e secreto onde Jesus tenha dito aos discípulos «Filhinhos, ficai sempre por aqui sossegados, jogai juntos um bocadinho de gin rummmy, fazei a sesta depois do almoço e benzei-vos sempre que falardes com comedores de bifanas; desconfiai de olhos muito rasgados, narizes pequenos e preces violentas; eu vou ali ao calvário e já volto, mas não deixem que nenhum pagão se lambuze da nossa canjinha ou debique dos nossos croissants»
Ter-se-á escrito quase à tripa forra que o Sr Cardeal apenas disse o que a maioria dos católicos pensam e diriam, do alto do seu bom senso, aos seus filhos. Ora fodasse; católico que assim pense genuinamente nem merece ser mormón; em cada cristão deve haver uma alma missionária. Chega de apostolados de bancada: «meninas não casem fora da paróquia, meninos não ponham borracha à volta da pilinha». Foi um deslize, vamos pensar que foi um deslize, Sr. Cardeal; um deslize calculista e pouco católico. Mas até os banqueiros têm deslizes, siga.
Se o Cristianismo se despojar do seu lado épico e romântico fica a parecer uma religião de ervanária.
O Segredo de Trouble Mountain (III)
Cumpre no entanto deixar claro que o gosto masculino também se pode situar neste extremo do paradigma:
(imaginem a força dum piscar d'olho)
Ou neste:
Tudo uma bela fonte de sarilhos, ressaliente-se.
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O Segredo de Troubleback Mountain (II)
Trouble Mountain
[No entanto, registe-se, já em 18 de Fevereiro de 2006, numa série de posts dedicados ao sumptuoso livro ‘Os direitos das mulheres no Islão’ de Murtadã Mutahhari , ed Islâmica ALQALAM, 1988, este vosso criado teve ocasião de alertar para o facto do ‘homem ser escravo da sua paixão enquanto a mulher é cativa do seu afecto’. Mas todo esse mês foi muito jeitoso em posts, - eu andava instável de tripa - podem visitar, e deixar uma moedinha]
Ainda no que concerne a sarilhos tenho forçosamente de salientar que o que me deixa sempre em completo desequilíbrio moral e hormonal é o contacto - platónico - com mulheres em trancinha. Desta vez a desequilibradora veio da Ucrânia e andou a negociar o funcionamento da canalização com o Putin; do gás, assinale-se.
[continuo sem encontrar uma fotografia da moça com aquele outro voluptuoso vestido negro, e com a cinturinha a fazer lembrar uma morcela de Arganil]
Entre um harém com águas quentes e frias ou uma ucraniana de torcidinhos em translação craniana o meu coração balança. Que Deus me perdoe, só que as pituitárias ficam um autêntico casino. Mas falando em trancinhas e ondulações, e se me permitem, o próprio Botticcelli já tinha traçado definitivamente o cânone da beleza, do sarilho e da perdição há mais de 500 anos.
Botticelli, Modelo de miúda gira com cabelo entrançado, Staedel Museum, Frankfurt
Desejo sem avatar
O Cristianismo, os bons e os maus.
Apesar deste toque de midas do cristianismo, que – e independentemente dos agustinianismos mais ou menos mitigados – transforma toda a realidade numa oportunidade de salvação, de desfrute, e de glorificação de Deus, mesclando justos e pecadores que nem broa com bacalhau, Jesus deixou um rasto de deliciosas, deslumbrantes, e muitas vezes inesperadas, separações absolutas de águas.
[2] O novo Testamento está pois recheado de relatos onde, num Magistério impregnado de escândalo e oscilante senso, Jesus se chega à frente para escolher uma via, definir um caminho certo, chamar os bois pelos nomes sem pedir licença às vacas sagradas. E a chave não poucas vezes foi uma novidade absoluta para a humanidade.
(a) Para começar um dos exemplos mais marcantes, e ‘evangelicamente mediáticos’: a cena da mulher adúltera (Jo VIII); uma das verdadeiramente exaltantes sublimações da justiça pelo perdão, com a introdução dum clássico dos clássicos da alma humana: «quem de vós esteja sem pecado seja o primeiro a lançar-lhe uma pedra!», e o consequente encostar às boxes da dupla, não menos mediática, de ‘escribas & fariseus’, guardiães da lei e dos bons costumes.
(b) Outra das cenas curiosas é aquela em que Jesus, na casa de Marta e Maria, (Lc. X) duas manas, verdadeiras guest stars evangélicas, (cortei-me a chamar-lhes Ungido girls ) perante o encabristamento da primeira ( uma genuína capricórnia, certamente) ao ver-se a fazer todo o trabalhito de casa enquanto a maninha estava no paleio com o Redentor, este responde, sem espinhas: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte». Ao arrepio de todo o bom senso, (‘Ó Maria, filha, vai lá agora dar uma mãozinha à tua irmã, enquanto eu acabo o Martini’) Jesus exprime a ideia totalitária de que a adoração a Deus é um valor em si mesmo que coloca tudo o resto num papel secundário. De facto, uma ideia difícil de incorporar, e ainda mais hoje, em dias de racionalismo e aproveitamento doentio do tempo, da vida, do megapixel e do megabit.
(c) A parábola do filho pródigo (Lc XV) tinha de ser aqui de paragem obrigatória. Apesar de totalmente incorporada no nosso imaginário, e inúmeras vezes até vivida por muitos, ela não deixa de introduzir de forma paradigmática e revolucionária o fenómeno libertador do arrependimento, algo que ficou demasiado colado ao modus operandi religioso mas que é constituinte fundamental da construção da personalidade. No entanto, arrependimento sem perdão, é como pãozinho quente da Ereira sem manteiga, só serve para cheirar, fazer hummm, e aquecer as mãos. Daí que o Cristianismo ao valorizar esta espécie de submundo da alma – que foi feita para andar fresca e viçosa a praticar desportivamente o bem e a democracia, já se sabe – veio colocar a fasquia da felicidade tão no rés-do-chão que tornou-se preciso rastejar, e se calhar arranharmo-nos um bocadinho para lá chegar.
(e) O caso de Zaqueu é que é verdadeiramente djimaiss! (Lc XIX). Trata-se dum chefe dos publicanos de Jericó, pessoal muitíssimo bem visto e acarinhado pela judiaria por cobrar impostos para o império, e que por ser de pequena estatura se teve de esfalfar para que dessem conta dele quando passavam. Jesus, quando por fim o viu, disse: «desce depressa, pois tenho de ficar em tua casa», o que deixou perplexo e indignado o pessoal que não percebia o súbito e particular interesse naquele malandro espoliador. E é e então aqui que é decifrado o segredo para que o camelo passe pelo buraco da agulha: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, devolver-lhe-ei quatro vezes» (alô, Rendeiros de Portugal, são chamados à cabine de som); estamos perante uma lição suprema de relativismo, de empenho e de absoluta conversão, - tudo bem misturado naquele empadão que, no fundo, é cada cristão – que continua com a parábola das minas (também contada na casa de Zaqueu) e onde é enunciado o terrível: «a todo aquele que tem, dar-se-lhe-á, mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado», Já a figueira amaldiçoada ia levar o mesmo tratamento de choque; chama-se a isto não brincar em serviço. Fodasse, quem me dera ser budista.
(f) Mas a cena da pecadora em casa do frio e formal Simão (Lc. VII) já alivia um bocado mais o stress. Uma gajita que devia aparecer em todas as boas revistas da especialidade lembra-se de mudar de vida e não é de modas, arranca um autêntico arrependimento de 1ª divisão, regando com o seu pranto os pés de Jesus, secando-os com os seus cabelos, - sem o patrocínio de nenhuma marca de champôs, registe-se – e sacando do Redentor uma das suas mais gloriosas mensagens: «aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama», deixando o resto dos convivas com os croquetes entalados na traqueia. Todo o Dostoievski e todo o Shakespeare estão nestas oito palavritas (tirando o nariz empinado da mme MacBeth, claro)
(g) Já quando Jesus se vê obrigado a voltar atrás perante a insistência duma gentia Cananeia, (Mt XV) (anunciando para além disso aquela verdade universal de que quando uma gaja dá para chata, é chata mesmo e o melhor é satisfazê-la rapidamente) que tem a supina lata de lhe arremessar com a teatral chantagem emocional - secção auto-humilhação: «mas os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos», estamos perante a valorização dum arrependimento com fogo de artifício, uma espécie de ‘Maria do Céu Guerra dos arrependimentos’, demonstrando isso mesmo: na fórmula do bem e do mal só uma variável tem lugar cativo: o perdão.
[3] O perdão. O tal elixir que não existe dessa forma no gélido budismo, nem no rígido judaísmo (onde instituía que se devia perdoar 3 vezes), nem nos classissismos, ora no mais épico (Homero exalta o prazer de se rir dos inimigos), ora no mais filosófico ( Sócrates fala da cobardia de escravo quando não nos vingamos das injúrias), e que é revolucionário na mensagem Cristã, desde a ovelha tresmalhada que vale mais que um rebanho inteiro, até ao bom ladrão que é salvo ao tocar o gong. Lá está: arrependimento, misericórdia, graça, magnanimidade; o que transforma uma quimera numa história com sentido é essa grande falsa alienadora: a religião com um Deus sempre presente; e que deve ser procurada como quem procura o tal tesouro que nos trouxe o Único que pode dizer: «sei donde venho e para onde vou’.
[4] A grande indiferença religiosa do tempos modernos baseia-se essencialmente em algo muito simples: a ignorância. Quem sabe o toque de taninos do Esporão Reserva de 2003 mas nunca leu a cena das bodas de Caná, só merecia levar com o termómetro do enólogo pelo olho do cu acima. Quem escolhe, parte e reparte, os bons e os maus mas nunca leu e pensou na história da viúva que em vez de ‘dar o que lhe sobejava, privou-se do necessário, e deu tudo o que tinha’, mais valia dedicar-se a fazer branqueamento de dentes para ter um bom sorriso no dia do juízo final.
[5] & closing. Para concluir este tornedó direi apenas que a chamada mensagem cristã desfaz radicalmente alguns dos nós górdios da criação. Infelizmente sem fé tudo é analisado à luz da experiência limitada do dia a dia, das mal digeridas memórias recentes, das demasiado mastigadas memórias arcaicas, do soundbyte e da moda. A fé manipula-nos, claro, há sempre uma entrega na fé, há sempre a esperança de estarmos a elevar a nossa condição a um estado de privilegiada protecção. Contudo, a eliminação do elemento religioso na compreeensão do mundo só nos pode levar a fenómenos passageiros de consolo de consciência ou acomodamento lombar. Deus, ao homem traz horizonte, mas não traz tranquilidade.
J’Hamas
Não é que o ano vá muito avançado, mas
«Só quero que saibas que não te censuro pelo frio que faz». ‘Dia 8’, no Insónia. Ainda vão ter de esgalhar muito para superar isto.
Mas só a verdade é revolucionária, já se sabe.
Still Life
[Gostava de ter sido pintor. Não são precisas palavras, não são precisas imagens, não é preciso traço, não é preciso memória, não são precisos sentidos, nem é preciso consciência; basta um estado de espírito. ]
Estar verdadeiramente in
Hoje, o dicionário não ilustrado, nas suas primeiras entradas de 2009, (num estilo mais clássico, entradas 1272 a 1280) resolve dar lustro aos grandes princípios da libertação da espécie.
Insegurança – É a madrinha de todas as personalidades de excepção. Seja no estilo de Jesus na Cruz, no de Hamlet em Elsinore, ou mesmo no de Harry Potter em Hogwarts, apenas a insegurança provou, surpreendentemente, assegurar o carinho dos deuses e as melhores ressurreições. Um ser seguro dos sentimentos dos outros acaba a fazer sermões da montanha em penedos da saudade; e sem pistachios.
Insatisfação – É a mais importante variável científica da História depois do fogo no cu. Assistiu a inventores e a especuladores, ladrões, amantes e pintores. Ser consolado é ser comida posta de lado. E a paciência não há-de prestar nem para morrer.
Indiferença – O verdadeiro trago da vida, aquele que passa do esófago ao cólon deixando o estômago a desejar ser rim. Apenas quem saboreou o fel de ser indiferente a quem ama sabe o que é o amor. Apenas quem lutou contra a indiferença sabe o que é uma adversidade. Apenas sabe o que é a tesão quem já pôs os tomates numa balança e não viu o ponteiro a mexer-se.
Inconstância – Quem não quer apresentar um electroencefalograma de garoupa deve ir sabendo pôr o coração ao pé da boca de vez em quando. O homem estável só serve para passadiço. Mas assim tem forte concorrência das tábuas de madeira e dos certificados de aforro.
Incompreensão – Perceberem-nos é uma maçada. Estarmos rodeados de gente que sabe bem o que sentimos e queremos dizer é como ser esparguete numa bolonhesa: seremos chupadinhos antes do café. A incompreensão é a garantia de que estaremos mais fresquinhos no juízo final do que o céu-da-boca de S. João Baptista na travessa de Salomé.
Injustiça – É a 5ª essência da incompreensão, uma espécie de pleno canónico de incompreensão com martírio. A injustiça é o toque de midas da existência, transforma qualquer vidinha sossegada num permanente cálice sagrado para indiana jones. Sem Herodes não havia presépios.
Insolvência – A eterna dívida é praticamente condição sine qua non para que exista vida inteligente e que coçar não faça crosta. Tirando as anémonas, e os lagartos, só os pés virados para a cova indicam que não se deve nada a ninguém. Quando se saldam as contas, ou, pior, quando se passa à situação de credor, é sinal de que os vermes podem avançar pois a gordura está no ponto certo.
Intranquilidade – Quem opta por viver no rés-do-chão da alma porque tem medo das vertigens vai acabar por achar que o cheiro do esgoto afinal nem é mau de todo. O preço da acalmia de coração é poder apenas navegar perto da costa e, mais dia menos dia, depender dos reboques. A consciência tranquila é coisa de reformados, cujo maior pesadelo é deixarem dissolver a toma diária na sopa de feijão.
Inconveniência – Levar a vida como decoradores de interiores é o vertiginoso drama da maturidade. Fazer o que deve ser feito, sentir o que deve ser sentido, pensar o que deve ser pensado, foder o que deve ser fodido, é esta a cremalheira do bem-estar-bem decadente. Ora Deus não escolheu uma redenção de playstation, escolheu uma cruz de madeira e vinagre nas feridas. Se queremos caber numa vida teremos de saber vivê-la também com uma fralda de fora.
Humana Condição
Quando brilha o sol enrosca-se no parapeito da janela e ronrona, no campo corre como louco e ninguém o consegue apanhar.(…)
Alimento-o com leite doce, é o melhor para ele, sorve-o em tragos lentos por entre os dentes de predador.(…)
Aninhado contra mim é como se sente melhor. Não é tanto uma lealdade invulgar, mas sim o instinto certo de um animal que tem no mundo muitos parentes, mas nenhum irmão de sangue mais próximo.(…)
Tem o desassossego de ambos, do gato e do cordeiro, por muito diferentes que sejam. É por isso que a pele lhe é demasiado apertada.
A salvação do animal talvez fosse a faca do açougueiro, mas como herança tenho de lha negar.»
(Excertos do conto «Um Cruzamento», de F. Kafka; ed. Relógio d’Água)