“Amo-te Lopes”

Uma cadeia de bares só para cabeleireiras



Cortaram-lhe a cabeça nas fotografias, não há direito, tanto couro cabeludo massajado a preceito, tanto tratamento vitaminado, tanto sangue estimulado, tanta raiz acarinhada, e tudo para nada. Há um grande desconsolo aqui no salão, nós que lhe demos sempre a mão, nós que até lhe escondemos a caspa nos dias de maior borrasca, vemo-nos arredadas da festa, agora quanto muito tiramos-lhe as borbulhas da testa, mas isso é fraca compensação para quem lhe espalhava o gel como se tivesse melaço nas mãos. Mas vais ter o nosso apoio, saberemos catar os piolhos que andam no ar, e se no momento da verdade ainda sobejarem algumas lêndeas, damos-lhes com a chave de fêndeas ( sorry, não resisti) ; Não deixes enfraquecer essas pontas, sei lá, faz uns implantes, não deixes que brinquem contigo, eles são um horror, manda-os pra cá q’a gente enfia-os no secador. Não gostamos de te ver assim, pareces ensimesmado, parece que tomaste um valium marado, é que já nem o pantene faz isso quando o esfregamos no toutiço; Queremos que arribes, o salão precisa de ti, já ninguém pinta madeixas, já ninguém faz uma rinçage em condições, já só há grisalhos ou mesmo descolorações, já ninguém quer ser dama d’honor, qualquer dia ficamos a pentear a Sinead 0’Connor.
“Amo-te Portas”

uma cadeia de bares só para costureirinhas



Está ali que nem precisa dum arremate, nunca há bainha que o atormente, nem precisa de debrum, porque a casa e o botão parecem os dois em um, e abençoados os pespontos que lhe fiz naquela nobre cabecinha flor-de-lis; E quando o fui casear, vi que tudo nele faz sentido, que nenhum fio fica solto, nenhuma debutante resiste a um pedido, e até parece que veste cetim mesmo com um trapo revolto; com ele toda a rosa arredonda a saia, e toda ela arredonda bem, é q´ele não é da vossa laia ó meus filhos da mãe. Quando o levei a ver-me orlar, e ele pôs o dedo em riste, aquele dedo feito divino sinal que nem precisa de dedal, e até o fio se enrolou na agulha, credo, que convicção, até se me tremeu a mão, meninas segurem-me que eu estou a perder o tino com tanto brilho, tanto empolgamento, lembra-me a minha mãe no dia do casamento. Saiam-me daí, sou eu que lhe vou tirar as medidas, e quando chegar ao imaculado tronco que lhe envolve o largo coração, vou-lhe pedir para respirar fundo, e se a fita métrica não chegar, acabarei de medir com o que corpo me mandar. Faça vento, faça sol ou faça chuva, será sempre com aquela popelina que nos devemos resguardar, a que não desfia a cortar, nem debota a molhar, e nunca fica ruça com o uso, ó meu rico fuso, anda cá para eu me picar.
Mind & heart routines



‘cause today is nine

my memory is working so fine

avoiding what is cruel and strange

and winging over a flying fringe





“Amo-te Louçã”

uma cadeia de bares só para beatas



Ai ele nesse altar fica muito escondido, valha-me Deus, temos de lhe dar aquele que fica ali ao pé das velas, e é tão giro o que ele escreve nas pagelas, aquilo é que se reza tão bem ao pé dele, a graça de Deus até parece que vem em forma de tobleronnnes, cruzes qu’é gula, mas depois a gente respira todas muito fundo, tão fundo que as palavras entram-se-nos como se quem me falasse fosse o meu querido defunto, e o que ele dá bem conta do diabo, só visto manas, até se lhe desfalece o rabo e os corninhos se desfazem em pó, até mete dó, e quando a voz lhe vem lá bem de dentro da alma, sai como o gargarejar dos anjos, parece um locutor da rádio a dar-nos os tops, parece a sabedoria em forma de xaropes, sempre a pôr os pontos nos is, nós estamos para ele como os bichinhos pró S. Francisco d’Assis, arredem daí filhas que eu quero ser a primeira a ser aspergida com o sangue da sua ferida, ó estigmatizado do meu coração, quando o teu rebanho atingir a montanha tão almejada eu quero ser a primeira a ser tosquiada, e com o fio da minha lã enforcaremos o Satã.
“Amo-te Sócrates”

uma cadeia de bares só para varinas



Tão querido, e beijou-me, e prometeu que eu nunca seria co-incinerada, que o deficit nunca me levantaria a saia, que o país com ele nunca daria raia, que na minha padiola só haveria dourada e daquela bem espetada e do mar alto, e que calores quando me disse que com ele só haveria partos sem dores, Jesus, vejam, ele até me pareceu quase tão religioso como o outro, e com ele vai ser tudo sustentado, se calhar nem precisa de ser esfregado, benzó Deus, destes que nem dão trabalheira é cagente precisa ó meninas, mas eu vou querer experimentá-lo primeiro, vocês só o levam depois da primeira remodelação, até lá nem pensem em deitar-lhe a mão, ainda pra mais é engenheiro, e o que eu me dou bem com engenheiros, inspiram logo confiança, deixam-se escalar sem espernear muito, são de espinha crocante, dão-se mal nas omeletes mas o que eles rendem nos filetes, e nunca secam nos assados, abençoados, qu’isto minhas queridas só aparece uma vez na vida, um homem tão bem posto, que até dá gosto, ama os pobrezinhos, dá dolviran ós velhinhos, e sigam os arranjinhos, porque o besugo tem de continuar a ser bem amanhado, ó filhas o último beijinho é para mim, ai meu rico escabeche, q’ele agora já não se importa de ficar a cheirar a peixe.
Apenas carinho

Ou da aridez em versão geonecolográfica



Eu por acaso enternecem-me os que estão sempre a falar das suas queridas terrinhas. Da sua Lisboazinha das colinas de wonderbra sem alça, do seu Portozinho da ribeira sem traineira ou do bolhão sem pato, do seu Douro dos torneados de rio bêbedo e sem mulher que o ature, dos seus Montes vistos de Trás, do seu Tejo visto do Além, da sua Beira tão interior que até chateia o que se tem de desabotoar, do seu Algarve entalado no bivalve em salmonela, ou até da sua Coimbrazeca que nem serve para um rio desaguar; ora é porque são quentinhas, ora é porque são geladinhas; eles são os jardinzinhos onde namoraram, os beira-mar onde apalparam, os penedos onde arejaram, as esquinas onde tropeçaram, as sombras onde arrefeceram, os parque de estacionamento onde foderam, os prados onde correram a mostrar as pernas, ou as repartições de finanças onde mostraram o rabo, todos vivem ansiosos por Poussin lhes decorar a memória, todos ansiosos por Renoir lhes organizar os piqueniques, todos nervosos sem saber se foi mesmo Rubens ou foi Courbet quem lhes desenhou o laço da primeira comunhão. Ora é porque a aldeiazinha ainda era pitoresca, ora porque era o bairrozinho ainda pacato; eles eram os padres que ainda benziam, os professores que ainda batiam, as mulas que ainda davam coices, os eléctricos que ainda rangiam, ou as pernas que ainda se abriam, tudo serve para amamentar uma terrinha, ninguém suporta ter crescido num que se foda, ninguém aguenta ter dado o primeiro beijo à beira dum semáforo estragado, afinal ninguém quer ter Duchamp a segurar nas velas do baptizado, ninguém quer pensar que a sua miúda andou a jogar ao sete e meio com Balthus. Dêem-nos uma terrinha adocicada a fazer de regaço e até Deus passa à história, dêem-nos uma puta de faces coradinhas, rendas limpas e um olhar cândido numa janela virada para o mar que até faremos de filhos dela. E dêem-me as riscas do bibe do jardim-escola, ou as mamas bem redondinhas da criada e até eu vos pintarei o passado como Malevitch.
Acho que ainda não acabei o post anterior mas apetecia-me escrever um assim:



Última hora: o diabo não quer escolher. Infelizmente vamos mesmo de ter de ser nós. Eu cá, já se sabe, voto para onde for a ‘minha’ Fátinha Felgueiras.

Quaresmas antecipadas

Sebo nas canelas a caminho de Jerusalém com um carregamento de sudários
[1][2][3][4][5][6] (chega meia dúzia)

“Murphy pertencia à classe dos eleitos que exigem que cada coisa lhes recorde outra coisa” in Murphy de S. Beckett



[1] É só para alertar que este ano a Páscoa é mais cedo. É melhor escolher já quem vai ser o crucificado de turno para depois não ficarmos de calças na mão; senão até o Barrabás começa a ficar nervoso.

[2] Mas não se deve abusar das imagens bíblicas, porque como nem tudo nos foi revelado ainda podemos dar algum pontapé na gramática. Contudo, ainda acho que dê para arriscar que só há vendilhões se houver templo.

[3] Termos ficado assim seres tão sensíveis acabou por ser uma surpresa para o criador. Ele ainda teve uma ténue esperança de nos ver a safar um bocadinho mais às três pancadas; tentou desesperadamente que nos contentássemos com a escrita cuneiforme, mas finalmente teve de resignar-se a que fizéssemos versos e babássemos sentimentos. O Seu Filho dilecto veio experimentar a coisa, mas quando uns gajos lhe começaram aos beijos ele decidiu fazer-se substituir pelo Espírito Santo. É que Esse trabalha à base de línguas de fogo.
[4] É evidente que quem não entra na cidade santa em cima dum burro que nunca tenha sido montado não pode prometer, sem que o povo se ria, dar a César o que seja de César, mas também não era preciso terem levado tanto a peito que os publicanos e as prostitutas é que serão os primeiros a entrar no reino dos céus, tanto mais que depois, no juízo final, serão ovelhas para um lado e cabritos para outro, e nessa altura as listas de espera para disfarçes de queijo da serra, casacos de caxemira ou rinzada darão a volta à av. D. Carlos, sobem a Esperança e ainda descem a Calçada da Estrela.
[5] Hoje já nem vale o esforço de fazer perguntas capciosas porque os messias de turno metem os pés pelas mãos nas parábolas. Os momentos são de hipérboles. Não há é ninguém para as pôr nos eixos, mas vendo bem as ordenadas também estão cheias de abcessos. Afinal todas as nossas cruzes lembram Descartes.
[6] Se aparecesse algum saduceu a perguntar de quem ficará esta nação no céu depois de ter casado com tantos iluminados sucessivamente, eu cá dizia-lhe que no dia do juízo final até sou espanhol se for preciso. Em calhando até digo que fui o conde Andeiro.
É tempo dos eugénios descerem à terra dos andrades



O sampaio que nos saiu na rifa na última rodada da quermesse estava em êxtase com a sua ideia originalíssima dum governo de convergência e união nacional; queria fazer doutrina, queria demonstrar à urbis e à ruris, que andavam com penitências por cumprir, mas que éramos o tal povo destinado às grandes fusões&tesões. O entusiasmo levou-o a convidar para o almoço de ano novo a dupla televisiva Lopes e Sócrates para um arrozinho de pacto; infelizmente não deu para a paelha porque a D. Maria José descobriu que tinha a caçarola rachada dos tempos em que nunca a tirava do lume. A mesa já estava posta e ele não perdeu tempo: Vivemos numa terra especial companheiros, sempre nos dedicámos a juntar o injuntável, reparem, somos paraíso e somos degredo, temos o Malhoa e temos a Paula Rego, e é com o exemplo desta diversidade umbilical que devemos construir o nosso eu colectivo; juntar o analgésico ao sedativo, onde não chegar o pincel da bucólica têmpera enfiaremos o pastel daquela maluca, e esfregaremos com o papelito para dar o aspecto acetinado da fruta; nunca devemos é fazer concessões ao pessimismo e à monotonia: “É urgente inventar alegria / multiplicar os beijos, as searas/ é urgente descobrir rosas e rios/ e manhãs claras” como diz o poeta Andrade que também é Eugénio, ...«é bem verdade, anota aí ó Lopes, este se calhar até também pode ir para administrador da Caixa», ...e um belo dia será mesmo a nossa baixa uma grande rua dos fanqueiros engalanada com quiosques da Hermés, mesmo se isto for governado com os pés, ...«ele não se deve estar a referir a nós, pois não?»... temos de apostar na força florida das nossas contradições, o pólen positivo beijará o pólen negativo e... «fosga-se amigo Jorge, és mesmo a nossa cruz, o poeta Andrade que também é Eugénio bem se interrogou “como podemos florir / ao peso de tanta luz?”, ó menina Maria, os últimos meses deram-me muita azia, veja lá mazé se não m’arranja um bocadinho de pacto com laranja» ...vocês têm de pôr os olhos na nossa história, o povo riu-se com o Vasco Santana, mas foi o Manel d’Oliveira que ficou com a glória, temos agora de fundir todos os papéis ...«ó Lopes, devem andar a pôr ganza nos pastéis, temos é de nos por a pau»... e agora que bem lembrais, os de bacalhau, fica agora a oficial proclamação, em vez da reles salsa passam a levar açafrão, e o nosso sagrado trigo será moído sempre na mó de cima, ó cona da minha prima, {desculpem, esta bucha foi minha mas eu já tinha mesmo de aliviar a espinha } e tudo benzidinho no mesmo pacto, que me perdoe o compadre soares, mas isto se os amigos são para as ocasiões, os três pastorinhos que se cheguem à frente, ficam a tomar conta da gente, ora protegem o Sócrates daquele malandro do Louçã que já está ali fora a brincar com a cicuta, ora protegem o Lopes do Portas que está a brincar com um recruta, senão este país ainda se vai mesmo perder, e eu já não sei o que lhe fazer, tirando umas cervejas e uns caracóis, eu até já o ofereci aos espanhóis, numa atitude desesperada, mas o Pulido Valente diz que eles não estão interessados nesta merda para nada, só me lembro do outro gajo que até é poeta: “Precisas mudar de mão, ou de clima; /ou de pele; / ou simplesmente de latrina”, e eu que até me tinham oferecido outro país, uma coisa mesmo de raiz, mas porra que mal é que eu fiz, de facto, para ficar com estes meninos na mão e a minha Maria ainda ter de lhes oferecer do meu arroz de pacto, e até as broas de milho, e não é que os sacanas atiraram-se logo aos bocados que tinham o chouriço torradinho, a Paula Rego que tome mas é conta do funeral desta trampa, e o Malhoa que vá arranjando a campa.
...e um bom ano para todas e todos ( isto foi só para se irem habituando outra vez ao tratamento)