Apenas carinho

Ou da aridez em versão geonecolográfica



Eu por acaso enternecem-me os que estão sempre a falar das suas queridas terrinhas. Da sua Lisboazinha das colinas de wonderbra sem alça, do seu Portozinho da ribeira sem traineira ou do bolhão sem pato, do seu Douro dos torneados de rio bêbedo e sem mulher que o ature, dos seus Montes vistos de Trás, do seu Tejo visto do Além, da sua Beira tão interior que até chateia o que se tem de desabotoar, do seu Algarve entalado no bivalve em salmonela, ou até da sua Coimbrazeca que nem serve para um rio desaguar; ora é porque são quentinhas, ora é porque são geladinhas; eles são os jardinzinhos onde namoraram, os beira-mar onde apalparam, os penedos onde arejaram, as esquinas onde tropeçaram, as sombras onde arrefeceram, os parque de estacionamento onde foderam, os prados onde correram a mostrar as pernas, ou as repartições de finanças onde mostraram o rabo, todos vivem ansiosos por Poussin lhes decorar a memória, todos ansiosos por Renoir lhes organizar os piqueniques, todos nervosos sem saber se foi mesmo Rubens ou foi Courbet quem lhes desenhou o laço da primeira comunhão. Ora é porque a aldeiazinha ainda era pitoresca, ora porque era o bairrozinho ainda pacato; eles eram os padres que ainda benziam, os professores que ainda batiam, as mulas que ainda davam coices, os eléctricos que ainda rangiam, ou as pernas que ainda se abriam, tudo serve para amamentar uma terrinha, ninguém suporta ter crescido num que se foda, ninguém aguenta ter dado o primeiro beijo à beira dum semáforo estragado, afinal ninguém quer ter Duchamp a segurar nas velas do baptizado, ninguém quer pensar que a sua miúda andou a jogar ao sete e meio com Balthus. Dêem-nos uma terrinha adocicada a fazer de regaço e até Deus passa à história, dêem-nos uma puta de faces coradinhas, rendas limpas e um olhar cândido numa janela virada para o mar que até faremos de filhos dela. E dêem-me as riscas do bibe do jardim-escola, ou as mamas bem redondinhas da criada e até eu vos pintarei o passado como Malevitch.

Sem comentários: