É tempo dos eugénios descerem à terra dos andrades



O sampaio que nos saiu na rifa na última rodada da quermesse estava em êxtase com a sua ideia originalíssima dum governo de convergência e união nacional; queria fazer doutrina, queria demonstrar à urbis e à ruris, que andavam com penitências por cumprir, mas que éramos o tal povo destinado às grandes fusões&tesões. O entusiasmo levou-o a convidar para o almoço de ano novo a dupla televisiva Lopes e Sócrates para um arrozinho de pacto; infelizmente não deu para a paelha porque a D. Maria José descobriu que tinha a caçarola rachada dos tempos em que nunca a tirava do lume. A mesa já estava posta e ele não perdeu tempo: Vivemos numa terra especial companheiros, sempre nos dedicámos a juntar o injuntável, reparem, somos paraíso e somos degredo, temos o Malhoa e temos a Paula Rego, e é com o exemplo desta diversidade umbilical que devemos construir o nosso eu colectivo; juntar o analgésico ao sedativo, onde não chegar o pincel da bucólica têmpera enfiaremos o pastel daquela maluca, e esfregaremos com o papelito para dar o aspecto acetinado da fruta; nunca devemos é fazer concessões ao pessimismo e à monotonia: “É urgente inventar alegria / multiplicar os beijos, as searas/ é urgente descobrir rosas e rios/ e manhãs claras” como diz o poeta Andrade que também é Eugénio, ...«é bem verdade, anota aí ó Lopes, este se calhar até também pode ir para administrador da Caixa», ...e um belo dia será mesmo a nossa baixa uma grande rua dos fanqueiros engalanada com quiosques da Hermés, mesmo se isto for governado com os pés, ...«ele não se deve estar a referir a nós, pois não?»... temos de apostar na força florida das nossas contradições, o pólen positivo beijará o pólen negativo e... «fosga-se amigo Jorge, és mesmo a nossa cruz, o poeta Andrade que também é Eugénio bem se interrogou “como podemos florir / ao peso de tanta luz?”, ó menina Maria, os últimos meses deram-me muita azia, veja lá mazé se não m’arranja um bocadinho de pacto com laranja» ...vocês têm de pôr os olhos na nossa história, o povo riu-se com o Vasco Santana, mas foi o Manel d’Oliveira que ficou com a glória, temos agora de fundir todos os papéis ...«ó Lopes, devem andar a pôr ganza nos pastéis, temos é de nos por a pau»... e agora que bem lembrais, os de bacalhau, fica agora a oficial proclamação, em vez da reles salsa passam a levar açafrão, e o nosso sagrado trigo será moído sempre na mó de cima, ó cona da minha prima, {desculpem, esta bucha foi minha mas eu já tinha mesmo de aliviar a espinha } e tudo benzidinho no mesmo pacto, que me perdoe o compadre soares, mas isto se os amigos são para as ocasiões, os três pastorinhos que se cheguem à frente, ficam a tomar conta da gente, ora protegem o Sócrates daquele malandro do Louçã que já está ali fora a brincar com a cicuta, ora protegem o Lopes do Portas que está a brincar com um recruta, senão este país ainda se vai mesmo perder, e eu já não sei o que lhe fazer, tirando umas cervejas e uns caracóis, eu até já o ofereci aos espanhóis, numa atitude desesperada, mas o Pulido Valente diz que eles não estão interessados nesta merda para nada, só me lembro do outro gajo que até é poeta: “Precisas mudar de mão, ou de clima; /ou de pele; / ou simplesmente de latrina”, e eu que até me tinham oferecido outro país, uma coisa mesmo de raiz, mas porra que mal é que eu fiz, de facto, para ficar com estes meninos na mão e a minha Maria ainda ter de lhes oferecer do meu arroz de pacto, e até as broas de milho, e não é que os sacanas atiraram-se logo aos bocados que tinham o chouriço torradinho, a Paula Rego que tome mas é conta do funeral desta trampa, e o Malhoa que vá arranjando a campa.

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