O talho do foi-se

Andrew Swifete inventara a elixir do amor, por mero acaso, enquanto investigava uma técnica de levedura com malmequeres geneticamente modificados. Utilizando apenas as pétalas de bem-me-quer, inesperadamente, duma espuma amarelada exala um odor que fulmina Andrew, deixando-o de beiço caído pela miúda que lhe servia todos os dias um palmier coberto ao lanche. Sabendo que a ciência se escreve muitas vezes direito por linhas tortas, Andrew não se mostrou céptico perante o fenómeno e começou a sair com Luisinha Faulkenere, seguindo o balanço fornecido pelos milagrosos fungos. Luisinha desconhecia por completo as razões da súbita paixão de Andrew e vivia encantada o seu conto de fadas da pasteleira com o bioquímico.
Mas com o que não contava o nosso par de pombinhos era com a intromissão do talho do senhor Costa Melville , onde Luisinha se abastecia das costeletas de borrego e do coelho caseiro. E isto porquê, perguntará eventualmente o ocasional – mas atento - leitor. Porque o elixir tinha afinal um deselixir: precisamente a mioleira de coelho à caçadora. Tudo aconteceu no primeiro almoço dominical que Luisinha preparara para Andrew, com um zelo de cerzideira, e para o qual escolheu o seu principal e mais sucedido pitéu, comprado de véspera no talho do sr Costa. A paixão desvaneceu-se logo após a primeira colherada saída da terrina. Luisa olha para Andrew e é trespassada na cabeça e no coração pelo mais terrível fumo: o que é que eu estou aqui a fazer com este gajo que me trata que nem uma flor de estufa? Isto é um rato de laboratório, e eu preciso dum padeiro a sério. Andrew Swifete, habituado à evolução lenta do conhecimento científico não estava preparado para este desaparecimento súbito da atracção que exercia em Luisinha Faulkenere e passou semanas a fio dissecando compulsivamente coelhos e demais mamíferos no talho do sr. Costa Melvile. O amor, que numa singela e fungosa pétala lhe tinha vindo, num talho foi-se; o amor de levedura, provara-se, era amor de pouca dura; o feitiço fora insolitamente arrebatado e num talho teria agora de ser recuperado.
Andrew procurou então afincadamente para o seu coração um novo unguento, um novo ancoradouro, ali entre uma vazia e um pojadouro. O melhor amor, afinal, descobrirá ele mais tarde, está fora da bancada do laboratório, fora das câmaras de fermentação, mas por entre as nervuras do acaso, nas entremeadas da incerteza, na rinzada da dúvida, no lombo da sorte. O verdadeiro amor encontra-se sim a encher chouriços e raramente a regar a carne com sofisticados molhos cocktail.

(ou, - e é impossível resumir melhor - como acabei de ouvir neste momento ao gajo do Pingo Doce, por causa da alteração dos hábitos de consumo em crise: «a salsicha está em alta, o Actimel está em queda», sic.)

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